Recado de Tamires é para clubes enxergarem futebol feminino como negócio

O Corinthians sagrou-se bicampeão da Supercopa do Brasil sobre o Flamengo no último domingo (12/02), mas foi o “puxão de orelha” da Tamires ao adversário rubro-negro que ganhou grande repercussão. Após o término do jogo, em entrevista à TV Globo, a capitã do Timão fez críticas importantes. 

“Olha o Corinthians. O Corinthians ganha título porque é isso aqui. O Duílio (presidente do clube) coloca a gente para jogar na Arena, a torcida lota estádios. Então nada do que estamos conquistando hoje é simplesmente porque a gente tem talento, é porque a gente recebe esse apoio do clube, da torcida. Vamos os clubes fazer isso pelas atletas, porque temos muito potencial e muita menina para crescer”, declarou Tamires, capitã de um clube que tornou-se uma máquina de levantar taças – são 13 títulos desde 2016, quando o Corinthians reativou o futebol feminino em parceria com o Audax após sete anos de paralisação. 

Tamires citou o fato de o Flamengo ter mandado a semifinal da Supercopa no Luso Brasileiro, um estádio mais distante onde as condições do gramado também não são as ideais. “Um clube com a camisa que o Flamengo tem, na minha visão, não pode mandar uma semifinal no campo que elas jogaram”.

Quando a capitã diz “olhem o Corinthians”, ela quer chamar a atenção para o trabalho feito nos últimos anos. Porque além dos títulos, o Timão fez do futebol feminino uma fonte de renda. Mas não foi do dia para noite. A primeira vez que o alvinegro levou a equipe feminina para jogar no principal estádio do clube foi em abril de 2018, na estreia do Campeonato Brasileiro daquele ano contra o São Francisco, em uma quarta-feira, diante de 3.895 pagantes – com ingresso a R$10 e R$20, que incluía também a transmissão do jogo Corinthians x Vitória, pela Copa do Brasil masculina, nos telões do estádio após a partida feminina. 

A torcida ainda não estava tão engajada com o time feminino na época. Mas com o trabalho de marketing, a criação das redes sociais exclusivas para a equipe das mulheres e uma divulgação grande, o Corinthians começou a despertar a atenção da sua grande torcida para acompanhar também o futebol delas.

Em novembro de 2019, veio o primeiro recorde de público. A final do Paulistão feminino na Arena marcou a conquista do título regional após a vitória por 3 a 0 sobre o São Paulo diante de 28.862 presentes. Nesse mesmo ano, o recorde mundial de público na modalidade foi batido pelo Atlético de Madrid, que colocou 60.739 espectadores para assistirem ao clássico contra o Barcelona no Wanda Metropolitano, fato que escancarou o potencial da modalidade. 

Dois anos depois, o Timão bateu o próprio recorde de maior público de clubes do futebol feminino no Brasil, novamente em uma final de Paulistão contra o São Paulo e com entradas gratuitas. Dessa vez, 30.077 torcedores acompanharam a vitória corintiana, por 3 a 1, na Neo Química Arena, que fechou o ano do clube alvinegro como tricampeão do Paulista, do Brasileiro e da Libertadores. 

O Corinthians virou a grande vitrine do futebol feminino no Brasil. Assim, o clube se planejou para aumentar a arrecadação em 2022, que previa obter até R$8,87 milhões de receita bruta com o time feminino durante a temporada, sendo R$6,52 milhões com patrocínios e R$580 mil com venda de direitos de transmissão dos jogos.

Logo na abertura da temporada do ano passado, o Corinthians apostou que o engajamento construído com a torcida já era suficiente para cobrar pelos ingressos para a Supercopa Feminina (a valores de R$20 a R$40). A conquista do título sobre o Grêmio, diante de 19.547 pagantes, gerou renda de R$442.644. Isso porque a primeira edição da competição feminina nem dava premiação financeira aos finalistas.

Ao longo de 2022, o Corinthians seguiu cobrando pelos ingressos dos jogos das “Brabas do Timão” e conseguiu, ao final da temporada, uma receita de quase R$3 milhões só com bilheteria.

Neste ano, o Corinthians teve uma renda de R$612.183 na decisão contra o Flamengo, disputada na Neo Química Arena, diante de 25.554 pagantes. Além disso, ainda embolsou o prêmio de R$500 mil dado ao campeão – o vice recebeu R$300 mil.

Outros clubes seguiram o mesmo caminho

Atual detentor do recorde de público do futebol feminino de clubes na América do Sul, o Corinthians vem puxando os demais representantes brasileiros. Na final do Brasileirão de 2022, o Timão colocou  41.070 presentes (40.691 pagantes), na Neo Química Arena, gerando uma renda bruta de R$900.981. Uma semana antes, no primeiro jogo da decisão, o Internacional havia protagonizado uma festa com 36.330 torcedores no estádio Beira Rio, com a entrada mediante doação de um quilo de alimento, mostrando que está seguindo o mesmo caminho. 

Assim como as Brabas, as Gurias Coloradas jogam com frequência partidas decisivas no principal estádio do clube. Foi assim na fase eliminatória do último Brasileirão e nas duas participações na Supercopa do Brasil. Os dois clubes também adotam estratégias para promover a equipe feminina, como manter uma conta nas redes sociais exclusiva e investir na divulgação das partidas. 

O Palmeiras é outro que vem intensificando os investimentos desde que reativou o futebol feminino, em 2019. Após ter terminado a primeira fase do último Brasileiro na liderança, o time alviverde mobilizou a torcida para a semifinal contra o Corinthians no Allianz Parque. Foram vendidos 11.180 ingressos e o clube arrecadou uma renda de R$203.460 no jogo. 

Flamengo pode mais no feminino

O Flamengo, que está entre os clubes de maior poder financeiro e que tem a maior torcida do país, ainda deixa a desejar no futebol feminino.

O clube passou a ter um projeto no futebol feminino em 2015, numa parceria com a Marinha. Em 2016, foi campeão brasileiro. No ano passado, o Flamengo fez uma reformulação no elenco e aumentou substancialmente seu investimento, oferecendo salários altos para atrair nomes de peso, como o da meio-campista Duda. O clube ainda buscou o técnico português Luís Andrade. 

Mas para conseguir de fato explorar todo o potencial que tem no futebol feminino, o Flamengo precisa fazer mais do que apenas colocar dinheiro no time. Sem um plano de divulgação e marketing para engajar a torcida com a equipe delas, o clube ainda manda jogos em estádios afastados – as semifinais do Brasileiro de 2019, contra o Corinthians, foram no Estádio Kleber Andrade, em Cariacica-ES, as quartas-de-final do ano passado contra o Inter foram no Luso Brasileiro e houve outro jogo contra o Corinthians no Brasileiro que o Flamengo mandou na Gávea, onde sequer há a possibilidade de ter torcida. Na Supercopa, a semifinal foi de novo no Luso Brasileiro.

A título de comparação, o Real Brasília disputou as quartas de final do Brasileirão do ano passado, contra o Corinthians, no Mané Garrincha, estádio da Copa do Mundo. Assim como o Grêmio, que recebeu o Palmeiras na Arena que leva o nome do clube.

No caso do Flamengo, será realmente que não há condições de valorizar o time feminino que está montando com uma partida decisiva no Maracanã? Ou, ao menos, não seria possível o clube começar a fazer um trabalho real para promover o time feminino e engajar a maior torcida do país a acompanhar os jogos delas? Será que um clube com o tamanho e a relevância do Flamengo não seria capaz de colocar 20, 30, 40 ou até 50 mil pessoas num estádio para ver um jogo do feminino?

A crítica da Tamires foi muito pertinente. Não só para o Flamengo, mas para vários outros clubes que ainda não fazem o mínimo pelo futebol delas.

 

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