Do Nordeste ao Sul, estádios cheios mostram que futebol feminino é bom negócio

(Foto: Cris Mattos / Staff Images Woman / CBF)

A cada ano que passa o futebol feminino ganha novos adeptos e os clichês que algumas pessoas ainda insistem em pregar caem por terra. Com investimento (por parte dos clubes e dos campeonatos), transmissão (na TV aberta, fechada e internet) e divulgação, a modalidade que por anos foi depreciada e invisibilizada começa a mostrar seu verdadeiro valor.

Nas últimas semanas, com decisões no Campeonato Brasileiro A1 e A2, o que se viu foram estádios lotados e torcedores engajados, dispostos a apoiar seus clubes nas arquibancadas. Seja cobrando pelo ingresso ou recebendo doações de alimentos, o fato é que diversos estádios receberam os torcedores que saíram de suas casas dispostos a assistir o futebol das mulheres.

COM PÚBLICO RECORDE NO BEIRA-RIO, INTER E CORINTHIANS EMPATAM NA 1ª FINAL DO BRASILEIRO

Corinthians consolidado
(Foto: Marco Galvão / Ag Corinthians)

Em São Paulo, o Corinthians – com o futebol feminino cada vez mais enraizado no clube – consegue há um bom tempo manter boa presença do público quando joga na Neo Química Arena. No inicio da temporada, o time do Parque São Jorge levou 19.547 pagantes para Itaquera ver a equipe comandada por Arthur Elias vencer a Supercopa Feminina ao derrotar o Grêmio por 1×0. Na mesma Supercopa, 13.890 pessoas viram o Timão vencer o Palmeiras por 3×0.

Já pelas quartas de final do Brasileirão (em agosto), o público da Neo Química Arena foi de 9.854 pessoas. Na ocasião, o Corinthians derrotou o Real Brasília por 1×0 e avançou para a semifinal da competição. E, diante do Palmeiras, no primeiro confronto da semi, 18.622 torcedores viram a equipe alvinegra vencer o Dérbi por 2×1.

Finalista do Brasileiro Feminino, a torcida corithiana promete uma invasão para o duelo decisivo diante do Internacional no próximo sábado (24), às 14h. Um perfil foi criado pelos torcedores no Twitter para engajar mais adeptos e quebrar o recorde de público da modalidade – que foi estabelecido no último domingo (18), no Beira-Rio.

É importante destacar que o Corinthians passou a cobrar pelo ingresso neste ano. Na semifinal diante do Palmeiras, o valor das entradas variava entre R$20 e R$40, com desconto de 20% a 25% para os sócios. Para a grande final, o valor do ingresso será entre R$ 20 e R$ 60 e o estádio terá mais setores abertos para o público.

Palmeiras mobilizou a torcida na semifinal
(Foto: Dibradoras)

Líder isolado na fase de grupos, o Palmeiras fez uma campanha inédita no Brasileiro Feminino desde a reativação da equipe feminina, em 2019. Foi o time que mais marcou gols (45) e que mais venceu (12 vitórias em 15 jogos), além de quebrar uma sequência quatro anos do Corinthians, que desde que o novo formato foi estabelecido em 2017, terminou a 1ª fase na liderança da competição.

Na semifinal diante do Corinthians, o resultado dentro de campo não foi dos melhores. O time alviverde foi goleado por 4×0, mas fez história nas arquibancadas. 11.180 ingressos foram vendidos e o clube arrecadou uma renda de R$ 203.460,00. O valor do ingresso variou de R$40 a R$20, com direito a metade do preço para sócios Avanti.

Inter fez história
(Foto: Cris Mattos / Staff Images Woman / CBF)

Com um trabalho sólido e longevo, o Internacional cresce a cada ano, dentro e fora das quatro linhas. Desde 2019, o clube tem chegado ao mata-mata do Brasileirão, mas nesta temporada conseguiu um feito inédito ao se classificar para a grande final.

E, para coroar o ótimo trabalho de uma temporada muito positiva, as Gurias Coloradas entraram para a história do futebol feminino ao lotar o Beira-Rio de torcedores. O público registrado no último domingo (18) de 36.330 pessoas no estádio, um marco inédito para as mulheres.

Até então, o maior registro em jogos do futebol feminino brasileiro aconteceu na final do Paulistão de 2021, quando 30.077 pessoas estiverem nas arquibancadas da Neo Química Arena para o duelo entre Corinthians e São Paulo.

Para este jogo, o clube gaúcho não cobrou o valor do ingresso. Doando um quilo de alimento, a entrada era garantida e o público deu um grande exemplo de solidariedade, doando um total de 27 toneladas de alimentos, maior montante já arrecadado pelo Banco de Alimentos do Rio Grande do Sul.

(Foto: Cris Mattos / Staff Images Woman / CBF)

“O que a torcida fez foi absurdo. Absurdo. Todo mundo que está na modalidade há mais tempo sonha com isso. A gente luta para ter essa visibilidade toda, e sabe que a torcida do Inter é diferente. Completamente apaixonada. E a gente fica completamente apaixonada por eles, pelo nosso clube”, declarou a zagueira Bruna Benites ao final da partida que acabou empatada em 1×1.

Na A2, Athletico-PR e Ceará também mobilizaram seus torcedores
(Cahuê Miranda/athletico.com.br)

A briga pelo título também foi emocionante na Série A2 do Campeonato Brasileiro. As Gurias Furacão e as Meninas do Vozão – com o acesso à elite garantido – duelaram pela taça de campeão e levaram os torcedores aos estádios.

Na primeira partida, 28.447 mil pessoas compareceram no Estádio Joaquim Américo e viram a equipe paranaense vencer a primeira decisão por 2×0. A entrada para o jogo também aconteceu mediante à doação de alimentos. O Athlético-PR arrecadou mais de 30 toneladas de alimentos e as doações foram repassadas, pela Fundação Athletico Paranaense (FUNCAP), a instituições que atendem famílias carentes e moradores de rua.

E no jogo de volta, o Ceará também fez a sua parte. Começando pela vitória no tempo normal por 2×0 e levantando a taça de campeão após nova vitória na decisão por pênaltis: 3×1. O Estádio Presidente Vargas recebeu 7.071 torcedores e na decisão o sócio torcedor não precisou pagar para entrar. Para quem não era sócio, era necessário doar um quilo de alimento.

(Foto: Stephan Eliert / Ceará SC)

Com o resultado, o Ceará se tornou o primeiro clube nordestino a ser campeão de um título nacional no futebol feminino.

“O torcedor foi o nosso 12º jogador em campo. Eles nos empurraram e nos apoiaram até o final e quando a gente via que estava batendo o cansaço, a gente olhava para aquela arquibancada e sabíamos que tínhamos que dar mais e que tinha que ser por eles. A gente tinha que sangrar porque eles merecem e foram fundamentais na busca por esse título inédito para o nosso clube”, declarou ao Dibradoras a volante do time, Juh Moraes.

Futebol feminino também é negócio

É impossível que haja lucro com um produto sem que antes haja investimento nele. Por muito tempo, o futebol feminino foi negligenciado, visto como um “estorvo” para federações e clubes, como se fosse uma “obrigação” de custo que nunca teria retorno.

A partir de 2019, quando os clubes masculinos foram obrigados a manter equipes femininas (para poderem disputar competições como a Libertadores e a Série A do Brasileiro, por conta das regras de licenciamento da Conmebol e da CBF, respectivamente), muitos deles criticaram a medida por entenderem que teriam “um gasto a mais” sem qualquer perspectiva de retorno.

Campeão brasileiro em 2021, Corinthians levou R$ 120 mil pela conquista em premiação (Foto: Ag Corinthians)

A verdade é que por muito tempo essa visão preconceituosa e “resistente” ao futebol feminino impediu o seu desenvolvimento. Dirigentes de clubes e federações entendiam que manter equipes ou competições de mulheres seria algo apenas para fazer “caridade” uma boa ação, e não enxergavam a modalidade como um produto, um negócio que, se bem cuidado, poderia dar um bom retorno financeiro.

Com a exibição da Copa do Mundo pela primeira vez na TV Globo, a emissora de maior audiência no país, deu para se ter uma noção do potencial da modalidade. Aliás, antes disso, nos Jogos Olímpicos de 2016, a terceira maior audiência dos eventos transmitidos tinha sido justamente para o futebol feminino.

E, no entanto, alguns clubes e federações demoraram muito para terem essa visão e alguns deles seguem “parados no tempo”.  Um exemplo é a premiação do campeonato nacional que seguiu a mesma de 2017 até 2021. O valor pago ao campeão é de R$120 mil e ao vice é R$60 mil.

+ PREMIAÇÃO RECORDE DO PAULISTA MOSTRA QUE FUTEBOL FEMININO PODE SER RENTÁVEL

Em 2022, a CBF ainda não divulgou se o valor se manterá o mesmo ou não. Caso se mantenha, teremos a diferença gritante entre a premiação oferecida numa competição nacional e numa competição estadual – já que o Paulista feminino pagará quase 10 vezes mais ao seu campeão.

Tudo isso mostra que o futebol feminino é e sempre foi um negócio. Azar de quem ainda não enxerga dessa forma.

Compartilhe

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *