Caso Kleiton Lima: o que o Santos tentou silenciar, jogadoras fizeram ecoar

Denunciado em 19 cartas por assédio em 2023, treinador deixa comando das Sereias da Vila após ser alvo de protestos
Kleiton Lima. Foto: Guilherme Greghi/Santos FC

Foto: Guilherme Greghi/Santos FC

Pressionado após protestos contra o assédio e o silenciamento das mulheres, Kleiton Lima pediu afastamento do comando do Santos feminino na segunda-feira (15). “Para preservar sua família, sua integridade e o próprio Santos Futebol Clube, Kleiton Lima solicitou afastamento do cargo de técnico das Sereias da Vila”, comunicou o time, por meio de nota oficial. O treinador havia retornado ao Santos sete meses após ter sido alvo de denúncias anônimas do elenco contra ele por assédio moral e sexual. Wesly Otoni assumirá interinamente o cargo de técnico das Sereias da Vila.

Os protestos que marcaram a 5ª rodada do Brasileirão feminino ganharam repercussão por todo o Brasil. E não foram apenas as jogadoras que se manifestaram tapando boca e ouvidos, transmitindo a indignação pelo Santos ter desconsiderado as vozes das atletas que fizeram as denúncias. As comissões técnicas também participaram dos protestos. A repercussão extrapolou as fronteiras do Brasil. O jornal francês L’Equipe estampou uma foto de Kleiton Lima para repercutir a insatisfação das jogadoras brasileiras com a volta dele ao comando do Santos.

A agência de notícias britânica Reuters e o Attacking Third, do canal de TV estadunidense CBS Sports, exibiram imagens das atletas do Corinthians tapando a boca no gramado antes do jogo contra o Santos. Já o jornal britânico Daily Mail ressaltou as 19 cartas anônimas com denuncias contra Kleiton Lima que foram entregues ao Santos, enquanto o espanhol El Periodico publicou que “as críticas ao treinador do Santos chegam em um momento em que as mulheres do país, e especificamente as jogadoras de futebol, ousam ‘quebrar o silêncio’ face aos casos de abusos”.

Em setembro de 2023, Kleiton Lima foi afastado do Santos após uma série de denúncias de assédio moral e sexual entregues ao Santos por meio de 19 cartas anônimas. Algumas atletas também denunciaram o treinador pela ouvidoria do clube. A reportagem de Lívia Camilo, do Trivela traz um trecho da denúncia realizada por uma ex-jogadora do Santos contra Kleiton Lima à ouvidoria do clube no ano passado: “E essa bunda aí? Não falou que ia perder?”. O relato não está nas cartas, mas foi levado diretamente ao departamento de compliance da equipe alvinegra. A atleta guarda o protocolo de atendimento até hoje.

A reportagem do Trivela  apurou ainda que a orientação do Santos para as atletas envolvidas no episódio foi para que elas realizassem qualquer denúncia por meio do canal oficial da ouvidoria. A atleta ouvida pela reportagem que preferiu ter a identidade preservada, porém, disse que as jogadoras eram “constantemente bombardeadas com informações” que induziram a não realização do boletim de ocorrência. O portal do ge também publicou relatos anônimos de jogadoras que contaram terem sido tocadas pelo treinador de forma constrangedora.

Na coletiva de apresentação do treinador na terça-feira (9), Alexandre Gallo, diretor de futebol do Santos, comunicou que a investigação, em cooperação com a Polícia Civil, indeferiu as acusações. A coordenadora do futebol feminino do Santos, Thaís Picarte, disse que “apurou as informações a fundo com pessoas e atletas que saíram do clube e que nada foi provado”. Em reação à essa fala, várias ex-jogadoras do Santos se pronunciaram nas redes sociais esclarecendo que não foram ouvidas ou procuradas pela dirigente santista ou pelo Santos para falar sobre o assunto, enquanto outras atletas das Sereis da Vila relatavam sentimentos de desamparo, indignação e medo pelo ocorrido.

Thaís Picarte ainda ressaltou que “nada foi provado e que as denúncias tinham argumentos frágeis”. O presidente do Santos, Marcelo Teixeira, afirmou que “internamente e em outras esferas não tinha nenhum tipo de denúncia concreta”. E o relato de 19 vítimas não é concreto? Ao menos, as denúncias deveriam ter sido consideradas relevantes o suficiente para não trazer de volta o treinador. Ainda mais diante de um tipo de violência que é tão difícil de deixar provas. Mas fica o questionamento: qual a relevância tem a voz das mulheres, ainda mais em denúncias de assédio?

Se o Santos não conseguiu enxergar a gravidade do risco que estava assumindo ao recontratar Kleiton Lima diante das denúncias que vieram a público no ano passado, 14 dos 16 times da Série A1 do Brasileirão feminino fizeram ecoar a voz das jogadoras do Santos por respeito e seriedade ao lidar com relatos tão sérios. Porque a voz delas importa e deve ser ouvida e respeitada.

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