Cristiane no Flamengo: qual é o impacto dessa contratação?

Cristiane se apresenta no Flamengo Foto: Paula Reis/CRF

Foto: Paula Reis/CRF

A contratação de Cristiane pelo Flamengo é a mais expressiva do futebol feminino do Brasil para 2024. Primeiro, pela história na Seleção Brasileira que a credencia como a maior artilheira dos Jogos Olímpicos, com 14 gols, além das duas pratas olímpicas conquistadas em 2004 e 2008. Segundo, pelo desempenho em campo com o Santos nos últimos anos, que recolocou a atacante na briga por uma vaga para a Olimpíada de Paris-2024 desde a chegada de Arthur Elias no comando da equipe, em setembro do ano passado. Em 2023, Cris marcou 13 gols em 26 jogos (sendo 8 deles, no Brasileirão) e, em 2022, anotou 32 gols em 30 partidas, terminando como a artilheira do Brasileiro, com 13. 

Conforme antecipamos aqui, a Cris tinha contrato com o Santos até dezembro de 2024, mas entrou em acordo para deixar o clube após reformulações no orçamento e no projeto da equipe da Vila Belmiro. A disputa pela jogadora envolvendo quatro grandes clubes aumentou ainda mais a expectativa sobre o destino da artilheira de 38 anos. O Flamengo venceu a queda de braço com Grêmio, Internacional e Cruzeiro e não desperdiçou a oportunidade de enaltecer o sucesso da negociação e a grande jogadora que defenderá as cores rubro-negras por meio de ações de marketing.

O primeiro sinal que o Flamengo deu sobre a confirmação da chegada de Cristiane foi um vídeo em que apenas a mão da jogadora aparecia tocando um trecho do hino do clube no piano. Na sequência, enfim, Cris apareceu com o uniforme do time anunciando com todas as letras que é a mais nova jogadora do clube. Mais tarde, ela foi recepcionada no CT Ninho do Urubu por Tite, técnico da equipe masculino e ex-técnico da seleção. O encontro, claro, foi gravado e contagiou torcedores pelas redes sociais.

Assim como o treinador, outros jogadores do elenco masculino deram as boas vindas à Cristiane. Ídolo da torcida flamenguista, Gabigol já havia compartilhado nas redes sociais a empolgação pela provável chegada de Cris no clube. Diante da confirmação, o jogador voltou às redes para comemorar: “Mamãe Cris é nossa #pprt”. Pessoalmente, o ex-atacante santista trocou camisa com a mais nova camisa 11 do Fla e ainda prometeu, em meio a um clima descontraído, que vai ensiná-la a ser “carioca”. 

Gabigol e Cristiane no Flamengo | Foto: Paula Reis/Flamengo
Encontro de artilheiros: Gabigol recepciona Cristiane no Flamengo | Foto: Paula Reis/Flamengo

O Flamengo vem investindo em salários altos para levar nomes reconhecidos nacionalmente para a equipe feminina nos últimos anos. Para a temporada de 2022, a contratação da meia Duda Francelino, então titular da Seleção Brasileira, foi anunciada como mostra da mudança de posicionamento do clube em relação ao futebol feminino. A xará Duda Sampaio, eleita craque do Brasileirão daquele ano com o Internacional, virou alvo das tentativas de negociação do clube da Gávea para 2023, mas acabou fechando acordo com o Corinthians. 

Para 2024, além de Cristiane, o Flamengo terá como novidades outros nomes fortes, como Gabi Barbieri e Djeni, ex-Inter, Glaucia e Naná, ex-São Paulo, e Sorriso, ex-Palmeiras, e renovou com boa parte do elenco, que já tinha atletas reconhecidas, como Darlene, Crivelari e a própria Duda Francelino. Mas é preciso fazer mais do que apenas colocar dinheiro no time, se realmente quiser mudar de patamar, como foi veiculado diante da chegada da Cris e já foi falado na contratação da Duda dois anos atrás. 

O clube tem potencial para dar esse salto de qualidade no futebol feminino, afinal, está entre os de maior poder financeiro e com a maior torcida do país. Mas é importante que haja um plano de divulgação e marketing para engajar a torcida com a equipe delas. Só que não dá para o Flamengo levantar a taça de campeão carioca sem a presença da torcida, como aconteceu em novembro de 2023, quando o clube mandou o jogo da final no estádio da Gávea, onde não há possibilidade da presença de público por questões estruturais na arquibancada (o local passa por reforma há anos).

No início do ano passado, o Flamengo foi alvo de críticas da Tamires, jogadora do Corinthians e da Seleção pela falta de cuidado ao escolher os locais dos jogos da equipe feminina. Após o time paulista ser campeão da Supercopa sobre a equipe rubro-negra, Tamires lamentou o Flamengo ter mandado a semifinal da competição no Luso Brasileiro, um estádio mais distante (localizado na Ilha do Governador) em que as condições do gramado não estavam ideais: “Um clube com a camisa que o Flamengo tem, na minha visão, não pode mandar uma semifinal no campo que elas jogaram”. Pelo Brasileirão, o time avançou para as quartas de final e levou o primeiro jogo decisivo contra o Santos para longe da torcida, no estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda.

Em março do ano passado, o Flamengo lançou um perfil exclusivo no Instagram para a sua equipe de futebol feminino, seguindo o exemplo de outros clubes como o Corinthians, que geraram uma maior visibilidade para elas. Em 10 meses, a página @flamengofutebolfeminino soma 533 mil seguidores. As ações de marketing diante da contratação da Cristiane e a interação dela com membros do time masculino podem ser um ponto de partida promissor para impulsionar a modalidade no clube. Mas é importante que haja maior equidade na estrutura e condições de trabalho oferecidas pelo clube aos times masculino e feminino para não repetir problemas apresentados recentemente por outros times. 

Outros caminhos

No fim de 2023, jogadoras do Atlético-MG denunciaram as condições péssimas oferecidas pelo clube para os treinamentos que aconteciam na Arena Santa Cruz, um campo público em que as reclamações envolviam a falta de limpeza dos vestiários até a limitação para uso de material esportivo. No início deste ano, o Galo comunicou que encerrou as categorias femininas sub-17 e sub-20. No Palmeiras, muitas atletas também terminaram mais um ano insatisfeitas pela falta de integração com o restante do clube, já que o time feminino trabalha apenas na estrutura montada em Vinhedo, cidade localizada a 80 km de São Paulo.

Enquanto vemos clubes repetirem erros frequentes, outros mostram caminhos de como transformar o futebol feminino em um produto ativo. Para se tornar referência, o Corinthians começou a mudar a gestão do departamento feminino pelas mãos de Cris Gambaré, ainda em 2016, e depois continuou investindo em profissionais capacitados e com conhecimento da modalidade. Atualmente, o departamento feminino tem aproximadamente 50 pessoas (além das atletas), sendo ao menos 70% delas com atuação direta na equipe adulta, em diferentes especialidades e áreas.

O caminho para o Corinthians se tornar campeão de tudo e recordista de público em jogos de clubes feminino na América do Sul teve muitas etapas. Foi um dos primeiros a conseguir profissionalizar todas as atletas do elenco e a criar página de redes sociais exclusivas para o futebol feminino, promovendo formas de incentivar os torcedores cada vez maior para comparecer nos estádios para os jogos delas no Parque São Jorge (também chamado de Fazendinha).

Em 2018, o time começou a abrir a Arena Corinthians, em Itaquera, para jogos do feminino, com um público pequeno e ingressos gratuitos. Hoje, as Brabas do Timão enchem o estádio cobrando pela entrada. Com o passar dos anos, o elenco profissional feminino também passou a treinar todos os dias no espaço destinado à base corintiana no CT Joaquim Grava, o mesmo do time masculino. A integração no Corinthians foi feita por etapas desde a retomada do projeto, ainda em parceria com o Audax, em 2016. A realidade das jogadoras do Alvinegro vivida atualmente é fruto de um processo.

O projeto do Flamengo feminino é mais antigo, de 2011. O time fechou parceria com a Marinha do Brasil em 2015 e foi campeão brasileiro como Flamengo/Marinha no ano seguinte. Porém o time da Gávea ficou estacionado na parceria com a Marinha sem se mexer para melhorar a estrutura do time feminino e promover uma maior integração com o masculino, ficando para trás diante do crescimento de outros times.

O aumento do orçamento destinado à contratação de jogadoras renomadas é interessante para incrementar o elenco, claro. Cristiane é mais uma a voltar as atenções para o potencial do Flamengo no futebol feminino. Mas está nas mãos do próprio clube decidir o real impacto dessa contratação. Se o time aproveitar a chance de ter um dos maiores nomes da história da seleção para impulsionar seu projeto na modalidade, quem tem a ganhar é o futebol feminino – e o próprio Flamengo.

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