Lendária, Formiga levanta bandeira contra racismo e homofobia: “Nossa liberdade não tem preço”

(Foto: Pedro Vilela/MINEIRÃO/AGÊNCIA i7)

Mulher, nordestina, lésbica, negra e jogadora de futebol. Formiga é o desafio em pessoa. Desafio não, superação. Ela prova que, dadas as oportunidades, o resultado acontece naturalmente.

Na última terça-feira (15), a atleta de 44 anos que defendeu a seleção brasileira por mais de duas décadas – 26 anos para ser exato – foi imortalizada na Calçada da Fama do Mineirão ao lado de outros craques do nosso futebol.

Com luta, esforço e dificuldades, ela viveu as piores fases do futebol feminino e agora se tornou a primeira mulher a ter os pés gravados no emblemático estádio mineiro. Mas isso não é novidade pra ninguém. 

Falar da atleta Formiga é tão necessário quanto é chover no molhado. Hoje, Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial, precisamos ouvir não a atleta que mais vestiu a camisa da seleção. Mas a mulher, nordestina, lésbica, negra e que pra nossa honra é também jogadora de futebol. 

Eles passam na faculdade sem estudar. Postam contrariando as estatísticas. Aqui, contrariar é passar dos 18 sem ser preso. E sem ser só mais um caso de algum cu da balística (Djonga, Ladrão)

Contrariando as estatísticas, Formiga desafiou o mundo ao não fazer questão de performar feminilidade quando regulamentos de competições exigiam atletas com cabelos longos, quando saiu do Brasil para se tornar lenda na França, quando apenas sobreviveu. Hoje, ao ver os avanços e retrocessos raciais e nos direitos de pessoas LGBTQI+, ela é clara e cobra mais severidade nas punições: 

“Temos que mudar essas leis, temos que ser mais severos com pessoas que saem de casa para agredir ou ter qualquer gesto contra outras pessoas. Vamos continuar sempre na luta, não vamos desistir não.”

Nos últimos anos, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol vem registrando o aumento de casos de racismo e injúria racial no esporte. E o futebol feminino não fica à parte. Comentários sobre cabelos e aparência de atletas, perseguições online como foi o que aconteceu com Isinha, do RedBull Bragantino após a conquista da série A2 em 2021 vem se repetindo. 

“Eu abomino totalmente o racismo e qualquer outro tipo de preconceito. Que bom que a gente hoje tem vocês ali. Mas infelizmente muitas coisas não funcionam. Eu acho que deveria melhorar a punição para aquele cidadão que vai ali no estádio agredir o outro. Eu espero realmente que isso acabe, porque somos todos iguais.”

Sempre tive o mesmo rosto. A moda é que mudou de gosto (Autoestima, Baco Exu do Blues)

Leia: FORMIGA: ‘FIZEMOS O ALICERCE, AGORA ELAS CONSTROEM A PILASTRA PARA SUSTENTAR’

Formiga viveu em uma época onde cabelos e aparência eram ligados – e julgados – tanto pela questão racial quanto sexual, e ambos os temas se interseccionam na vida da atleta.

Formiga jogou com quase todas as gerações da seleção brasileira e jogou com Sissi na década de 1990 (Foto: Arquivo Pessoal)

O cabelo, trançado, era motivo de racismo. Raspado, era motivo de homofobia. Para ambos, Formiga fazia questão de deixar claro que não se importava, afinal, era livre. 

“Falavam: ‘você tinha que colocar o cabelo grande ou tem que colocar tranças’. Eu fazia o contrário, raspava a cabeça. Eu tenho a minha liberdade, tenho o meu direito de ir e vir e fazer o que eu quiser desde que eu não vá ferir o outro. E eu acho que tudo acontece com respeito. Eu falo com as meninas: quer se expor? Porque não? A gente se sente mais feliz quando se abre.”

Quem pensa por si mesmo é livre. E ser livre é coisa muito séria (L’avventura, Legião Urbana)

Quanto à sexualidade, Formiga é taxativa: saia do armário. Ela relembra o passado, onde, apesar das dificuldades, assim como no campo, não se deixava dominar. E aconselha as mais jovens:

“Em questão a minha orientação sexual, antigamente era muito mais difícil, porque antigamente além dos vizinhos, tinham as pessoas dentro dos clubes que não aceitavam, que te obrigavam a vestir short curto, deixar o cabelo crescer, eu sempre fui muito rebelde em relação a isso, eu sempre fazia o contrário. E hoje, a sociedade está dando esse espaço pra gente se mostrar. Mas pra isso, precisamos ter nossa conduta e nosso respeito pelo outro. Então, quem quer realmente sair do armário, que saia, vai ser mais feliz, tenho certeza. Porque todos nós temos direitos. Nossa liberdade não tem preço, independentemente das pessoas que venham criticar. Talvez essa pessoa não tenha coragem de se assumir ou tenha algo (interno) que a machuque e acaba prejudicando quem tem coragem de se expor.”

A verdade é que você (todo brasileiro) tem sangue crioulo (Olhos Coloridos, Sandra de Sá)

Por fim, aos racistas, homofóbicos e preconceituosos no geral, a eterna camisa 8 da Seleção deixa o recado:

“Que muitos e muitas possam viver a sua vida, é libertador se abrir pro mundo e falar: eu sou gay! Não é pecado como muitos dizem ainda, porque amar, toda forma de amor é bem vinda. Fazendo o bem ao outro, que mal tem? Que possamos viver dessa forma e aquelas pessoas que têm preconceito, que são racistas, que coloquem a consciência no lugar para saber que todos nós, de uma certa forma, somos irmãos, que ninguém leva nada dessa vida não.”

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