O que o título sul-americano sub-17 revela sobre a base feminina do Brasil?

Seleção Sub-17 campeão Sul-Americana em 2024. Foto: Fabio Souza/CBF

Foto: Fabio Souza/CBF

A Seleção Brasileira Sub-17 conquistou o pentacampeonato Sul-Americano da categoria após vencer o Paraguai por 5 a 1 no último domingo (31), mantendo a hegemonia no futebol feminino do continente. A equipe comandada por Simone Jatobá conquistou o título de forma invicta, com cinco vitórias e dois empates, além de garantir vaga na Copa do Mundo Sub-17, que será disputada em outubro na República Dominicana. A seleção da Colômbia, vice-campeã, e do Equador, terceiro colocado, também se classificaram para o Mundial.

Mas o que a campanha revela sobre as categorias de base feminina do Brasil?

A trajetória de duas atletas do elenco da seleção sub-17 ajuda a responder essa pergunta. Apesar de Julia Rosado ter sido a primeira menina federada no Brasil a disputar torneios oficiais de futsal contra meninos no sub-9, em 2018, ela também conseguiu treinar em uma categoria de base voltada apenas para meninas a partir dessa idade no Centro Olímpico, um dos clubes que mais revela talentos ao futebol feminino no país. Já a meia artilheira Giovanna Waksman começou nas categorias de base do Botafogo sendo a única garota entre os meninos, porque o clube tem apenas a categoria de base sub-20 feminina, criada em 2022. 

Depois de uma passagem pelo Fluminense, Giovanna foi para o Botafogo em dezembro de 2020, mesmo sem o Alvinegro ter uma categoria feminina própria para a idade dela. Ainda assim, a meia atacante era tratada como joia no clube e vestia a camisa 10 nos campeonatos entre os meninos. Em outubro de 2022, o norte-americano John Textor adquiriu a maioria da SAF do Botafogo e se encantou com o talento de Giovanna, formalizando um projeto esportivo para ela continuar a carreira nos Estados Unidos como estudante-atleta na Pine School e no F.C Florida Academy, time que ele também é dono. 

O plano a médio prazo é enviar a brasileira para o Lyon, que também é de John Textor. Segundo o GE, não está descartado uma possível volta dela ao Botafogo aos 16 anos, idade mínima para atuar profissionalmente no Brasil. Na prática, Giovanna é um grande talento do futebol brasileiro que teve a oportunidade de sair do país aos 14 anos para usufruir de uma estrutura que a maioria dos clubes nacionais não oferece para a formação direcionada a jogadoras desde pequena, como acontece entre os meninos. 

Nascida em 2009, Giovanna completou 15 anos em março, durante a competição sul-americana, e foi uma das peças decisivas da conquista brasileira continental em uma categoria acima da dela.

Giovanna e Juju Harris foram as artilheiras do torneio, com cinco gols cada. Harris tem dupla nacionalidade e também atua nos Estados Unidos. Sua primeira convocação para seleção brasileira sub-17 foi em julho de 2022, quando defendia o Florida United e, agora, ela é uma das mais experientes do elenco comandado por Simone Jatobá e se prepara para disputar da sua segunda Copa do Mundo da categoria.

As duas já foram, inclusive, sondadas pela seleção dos Estados Unidos para defenderem a camisa norte-americana. Por enquanto, elas optaram por servirem a seleção brasileira – e a gente torce muito para que continue assim na categoria profissional (até disputarem um torneio oficial na categoria principal pela seleção brasileira, elas ainda podem escolher defender outro país).

Seleção Brasileira campeão sul-americana em 2024. Foto: Fabio Souza/CBF
Foto: Fabio Souza/CBF

Competições de base no Brasil a partir de 2019

A criação de competições oficiais de base feminina no Brasil começou a ser realizada pela CBF apenas em 2019, com o Campeonato Brasileiro sub-18 e sub-16 (que foram substituídos pelos sub-20 e sub-17, respectivamente, desde 2022). O Corinthians, por exemplo, iniciou o trabalho com a base feminina naquele ano. Atualmente, o clube paulista conta com equipes sub-20, sub-17 e sub-15 , assim como Internacional, Grêmio e São Paulo.

O Tricolor Paulista, inclusive, é o que tem mais representantes na seleção sub-17 que acabou de conquistar o sul-americano. São cinco: a goleira Clara, as defensoras Gio Mazzotti e Heloisa Baccan, a meia Francine e a atacante Vitória Barreto. Muitas delas passaram pelo Centro Olímpico antes de chegarem ao São Paulo – o clube tricolor iniciou sua base numa parceria com eles em 2017.

Fora de São Paulo, um ótimo exemplo é o Internacional, que tem categorias de base desde o sub-15, e mantém também a “Escolinha da Duda”, espaço aberto para meninas mais novinhas começarem a prática do futebol. Aninha, atacante titular da seleção sub-17 no Sul-Americano, começou lá aos 9 anos.

A realização da Copinha no fim de 2023 também tem colaborado para clubes que ainda não contam com equipes de base feminina se pronunciarem sobre a pretensão de criá-las, como é o caso de Palmeiras e Cruzeiro. O Flamengo foi campeão da primeira edição da Copa São Paulo de Futebol Júnior Feminina, sobre o Botafogo, e está com planos de abrir a categoria sub-15 neste ano. São clubes com enorme potencial para impulsionar a formação de atletas para a modalidade no país. Hoje, o Rubro-negro conta com três jogadoras na seleção sub-17: as meias Larissa e Kaylane e a defensora Sofia Couto.

Ferroviária tem base feminina desde o sub-12

Com menor poderio financeiro em relação ao potencial dos clubes de camisa do masculino, a Ferroviária é o time que conta com mais categorias de base feminina no estado de São Paulo. Aline Gomes – que chegou à seleção principal aos 17 anos e foi destaque do Brasileirão 2023 – é o principal exemplo do investimento nos talentos femininos lapidados internamente para colher frutos na equipe profissional. No ano passado, a equipe de Araraquara chegou à final do Brasileirão Feminino com nove jogadoras formadas na base do time.

A Ferroviária conta com categoria de base feminina desde o sub-12, com comissões técnicas próprias para cada categoria e processos integrados com a equipe profissional. Neste ano, a Ferrinha vai ampliar o alojamento do centro de treinamento para poder comportar mais de 80 atletas, visando principalmente as meninas da base. Não à toa, a Ferroviária conta com quatro jogadoras na seleção sub-17 campeã sul-americana: a atacante Ju Rosado, que saiu do Corinthians para integrar o time de Araraquara neste ano, e as defensoras Ana Elisa, Andreyna e Alice.

A próxima competição oficial da seleção brasileira sub-17 é a Copa do Mundo da categoria, na República Dominicana, em outubro. Na última edição do torneio, o Brasil contou com uma equipe bastante promissora e, ainda assim, foi eliminada pela Alemanha nas quartas de final do Mundial sub-17 após ser derrotado por 2 a 0.

Não há dúvidas que existem muitas garotas talentosas espelhadas pelo Brasil, mas o trabalho de formação de jovens atletas inclui investimento, estrutura, planejamento e uma equipe multidisciplinar para acompanhar todas as frentes do processo de desenvolvimento. Desde 2019, o cenário das categorias de base do futebol feminino no Brasil vem melhorando. Mas é inegável que ainda há um caminho enorme por percorrer, principalmente por parte de grandes clubes, que já têm potencial para fazer esse investimento.

Vale lembrar que, antes de ser campeã do mundo na Copa em 2023, a seleção espanhola foi campeã mundial nas categorias sub-17 e sub-20 em 2022. O resultado na seleção principal só vai acontecer quando um bom trabalho for feito desde a base.

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