‘Esse é o maior desafio da minha vida, mas ninguém vai limitar nossos sonhos’, diz Pia

Em entrevista exclusiva, técnica da seleção feminina fala sobre as expectativas para a Copa e a renovação do time que disputará o Mundial.

(Foto: Thaís Magalhães / CBF)

Aos 63 anos, a sueca Pia Sundhage já tem uma carreira consolidada no futebol. Como jogadora, foi uma das pioneiras na seleção da Suécia, disputou as primeiras Copas do Mundo, depois virou técnica e foi bicampeã olímpica com os Estados Unidos. Ainda comandou seu próprio país em Jogos Olímpicos e conquistou a prata na Rio-2016. No início de 2019, atuava na equipe sub-15 da Suécia, trabalhando no desenvolvimento do futebol feminino por lá. Não faltava mais nada no currículo – em teoria.

Veio o convite da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) em agosto de 2019, e Pia percebeu que, sim, faltava. A Copa do Mundo é um troféu que ela ainda não tem – assim como o Brasil no futebol feminino. E agora a técnica está prestes de enfrentar aquele que chamou de “maior desafio da carreira”.

“É o maior desafio que já tive na vida. E essa seria a maior vitória da minha carreira, independentemente da cor da medalha. Estamos trabalhando muito, tentamos achar um caminho”, afirmou, em entrevista exclusiva às Dibradoras.

Foto: Thais Magalhães/CBF

“Nós estamos falando de sonhos, eu estou sonhando com o ouro, acho que as jogadoras também. Ninguém pode tirar isso de nós. Sonhos não precisam ser realistas. A melhor coisa que eu posso fazer com as pessoas que trabalham comigo hoje é ir pra Austrália, preparar as jogadoras, e conseguir uma medalha. Porque se a gente conseguir, acho que isso vai ter um efeito muito grande para o futebol feminino no Brasil”.

A seleção brasileira hoje está em oitavo lugar no ranking da Fifa e não é uma das favoritas a conquistar a Copa do Mundo. Pia define o Brasil como “um bom azarão”, mas em uma competição como essa tudo pode acontecer. E os últimos amistosos contra Inglaterra e Alemanha, duas das melhores seleções do mundo, deixaram as jogadoras confiantes.

“A atmosfera (após o 2 a 1 contra a Alemanha) foi fantástica. O sentimento era: nós conseguimos. A energia no vestiário estava ótima. E o futebol também é sobre isso, sobre essa boa energia contagiar as jogadoras”, disse.

“Mostramos que, contra um time forte como a Inglaterra, elas foram lá e jogaram pra frente, enfrentaram. Isso não é contra um time mais ou menos, é contra um dos melhores do mundo. Isso dá confiança. Nós tivemos bom desempenho e bons resultados agora.”

Renovação

A seleção que viajou para a Austrália para a disputa da Copa do Mundo é formada por muitas estreantes. Onze das 23 convocadas nunca disputaram um Mundial. E contando as suplentes, 14 das 26 que estão lá nunca viveram essa experiência.

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Foto: Thais Magalhães/CBF

A decisão por “renovar” a equipe veio logo após os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2021. “Decidimos encontrar novas jogadoras. Sabíamos que a Formiga não continuaria, não sabíamos ainda sobre a Marta, pra ser sincera. Naquele momento, fizemos essa decisão. Entendemos que tinha que haver mais jogadoras, boas jogadoras, pelo Brasil, e aí começamos a observar e buscar. E encontramos muitas. Daquele momento até aqui, tem sido uma jornada fantástica”, descreveu Pia.

Um dos símbolos desse novo time formado por Pia é a meia-atacante Kerolin. A jogadora chegou a fazer parte do ciclo anterior para a Copa do Mundo, mas uma condenação por doping a tirou dos gramados por dois anos – pelo uso de GW1516 (hormônio modulador) e probenecida (diurético). E mesmo sem ter voltado oficialmente a jogar futebol por um clube, Kerolin foi convocada por Pia Sundhage para um período de treinos na Granja Comary no final de 2020. Desde então, não saiu mais da seleção brasileira.

Foto: CBF

“Foi muito fácil fazer isso (convocá-la) porque eu ouvi muitas coisas boas sobre ela. E essa questão do doping existia, mas você precisa dar às pessoas uma segunda chance. E honestamente eu lembro a primeira convocação para os treinamentos, posso dizer que ela estava tão animada, e grata…e ela queria fazer tudo, e quando você tem uma jogadora que tem olhos abertos e quer aprender…ela era esse tipo de jogadora – e ainda é”, disse a técnica.

Kerolin sempre foi atacante, jogava pelos lados do campo pela sua velocidade, ou então como uma segunda atacante, pela sua mobilidade. Pia a vê como uma típica camisa 10 do futebol brasileiro. Mas em determinado momento, pela sequência de lesões das meio-campistas da seleção, faltou gente para ocupar essa posição mais recuada. Será que Kerolin poderia ser a solução?

“Não é que eu tenha sido inteligente de colocá-la no meio-campo, mas tivemos que fazer isso. Porque nós perdemos Formiga, Andressinha não está mais aqui, tivemos lesões de Angelina. O que nós vamos fazer? Pegar uma de nossas melhores jogadoras e colocar no meio, ela gosta da bola. Então isso acabou sendo uma ótima solução. Daqui a 4 anos, talvez ela não esteja mais no meio, talvez ela seja a camisa 10, e a pergunta que fiz a ela foi: como você pode ser a melhor jogadora pra equipe? E se ela conseguir entender isso e tomar as melhores decisões no campo nesse sentido, ela vai ser a melhor. Ela absorveu isso e tem ido muito bem”.

Pia sempre elogia a ousadia das novatas pela forma como elas sempre a “surpreendem” em campo. Quando ela pensa que vão para a linha de fundo, elas cortam para dentro, tiram um drible da cartola, entortam as adversárias. O tal estilo brasileiro que a técnica tem deixado mais livre no ataque, como ela conta, foi a principal mudança após a Olimpíada.

Foto: Thais Magalhães/CBF

“Nós permitimos que elas tomassem as decisões no ataque. O sistema de jogo agora não é tão rígido quanto antes. Hoje falamos das seis jogadoras de frente e como podemos movê-las. Não é sobre 4-4-2 ou 4-3-3, mas sobre quais posições cada uma vai fazer e, mais importante, qual função elas terão no jogo”, explicou a treinadora.

Um time tão jovem – serão 11 estreantes em Copas do Mundo tem a desvantagem de não ser tão experiente para lidar com a pressão de torneio desse tamanho. Mas Pia enxerga um ponto positivo nisso.

“Você precisa de experiência na Copa, haverá muitas emoções nela. E se você não consegue controlar essas emoções com as jogadoras jovens, você precisa das experientes para segurar. E não temos tantas jogadoras experientes. Mas eu mudaria isso pra algo positivo. Enquanto elas ainda têm o amor pelo jogo e por representar a seleção, elas podem ganhar. Talvez elas não saibam o quão difícil é ganhar, mas é importante acreditar. Vamos deixá-las sonhar. Jogadoras jovens, como Ary e Kerolin, se elas continuam a sonhar, elas vão fazer coisas doidas. Elas vão fazer isso porque elas têm coragem”.

O papel de Marta

Pia não esconde que, por algum momento, temeu não ter Marta para a Copa do Mundo. Primeiro por não saber se ela continuaria na seleção após a Olimpíada. Depois, pela lesão no joelho que a tirou dos gramados por oito meses em 2022. “Quando ela voltou, só pensei: que saudades que eu estava da Marta”, confessou a técnica.

Marta retornou à seleção após se recuperar de lesão no joelho (Foto: Daniela Porcelli/CBF)

Na ausência da camisa 10, o desafio foi encontrar outras atletas que pudessem assumir o papel da liderança que ela exercia dentro de campo. E, no fim das contas, isso foi mais fácil do que Pia imaginava. “Fiquei muito orgulhosa das atletas, elas aproveitaram a oportunidade e assumiram esse papel. E eu estava na dúvida sobre o que iria acontecer quando a ‘estrela’ voltasse. Mas Marta é uma estrela fora de série, ela é uma ótima jogadora de equipe. Além da experiência que ela agrega, ela tem tanta energia ainda, é absolutamente incrível. E o passe final dela… quando ela está com o pescoço erguido, com a linha de defesa toda na frente, você sabe que ela vai quebrar aquela linha. Ela tem a velocidade perfeita desse passe”, afirmou Pia.

“Ela não é mais a melhor do mundo, mas ela faz esse time ser muito melhor”, resumiu.

Agora, a dúvida está em como utilizar Marta nesta Copa do Mundo. Indo para sua sexta edição do Mundial – e possivelmente a última da carreira -, a camisa 10 será titular desde o primeiro jogo?

“A pergunta mais difícil é: ela vai ser titular? Ela vai vir do banco? Quantos minutos ela vai jogar? Sei que ela vai estar bem fisicamente, mas é difícil conseguir jogar 7 jogos. Então isso é uma questão. Ela foi bem quando saiu do banco contra o Japão. Ainda não tenho resposta sobre isso”.

Estilo de jogo

Se quando chegou ao Brasil, Pia tentou implementar, antes de mais nada, um pouco da organização sueca dentro de campo, desde a Olimpíada o desafio passou a ser deixar o ataque mais “brasileiro”. Ela admite que ainda são necessários ajustes que serão trabalhados durante o período de preparação na Austrália, mas hoje já vê o toque “verde e amarelo” no improviso das jogadoras no ataque.

“Acho que estamos chegando mais perto do estilo brasileiro. As jogadoras do meio pra frente são muito brasileiras, não dá nem para comparar com as suecas e americanas. E se elas conseguirem fazer esses pequenos ajustes que estão faltando, elas serão imparáveis”, declarou a técnica.

Foto: Thais Magalhães/CBF

Sonhando com o título, Pia espera trazer um bom resultado de volta para o Brasil para mudar de vez a realidade do futebol para as mulheres por aqui. “Acho que as pessoas que tomam as decisões na CBF seriam afetadas por um bom resultado. As pessoas ouvem vencedores. Se vencermos, eles vão ouvir o que é necessário para os próximos 4 anos, 8 anos.”

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