‘PL da meia-entrada pode ser estímulo para mulheres no futebol’, diz deputada

(Foto: Site Sâmia Bonfim)

Uma das mulheres mais atuantes da política atual está disposta a debater e abrir espaços para as mulheres nos estádios de futebol. A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) levou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 168/2023, que tem como objetivo ampliar a presença feminina em um local que ainda é muito hostil e violento para elas.

Eu não sou uma pessoa que acompanha e não tenho time de futebol, mas por que será? Talvez seja por ser um mundo muito masculino, permeado pelo machismo e talvez eu nunca tenha me visto ali, nunca fui incentivada e aquilo não falava a minha língua”, revelou a deputada em entrevista exclusiva ao Dibradoras.

O objetivo principal da PL é assegurar às mulheres o direito ao pagamento de meia-entrada em jogos de futebol em todo território nacional. “Falar de meia-entrada no futebol, que é um negócio milionário, bilionário, e que sabemos que alguns clubes estão quebrados, com dificuldades financeiras – ainda que a maior parte do problema seja de má gestão, desvios ou falta de transparência – eu sabia que ia causar um problema. Mas acho que tudo bem, para além da aprovação do projeto em si, a discussão e o movimento que ele gera, o descortinar em torno do assunto é o mais importante”, declarou Sâmia.

O interesse pela pauta surgiu quando a deputada conheceu Analu Tomé, conselheira do Corinthians e co-fundadora do Movimento Toda Poderosa Corinthiana. As duas começaram a trocar ideias sobre como estimular a participação das mulheres no futebol, seja torcendo, praticando, como árbitras, treinadoras e etc. Depois disso, nasceu essa primeira sugestão e Sâmia achou interessante, mesmo sabendo que o assunto poderia não ser tão bem recebido pelo público. “Veio essa primeira sugestão e eu pensei: se a gente paga meia-entrada em outras modalidades culturais já gera todo um debate. Lembro quando relatei na Comissão de Cultura da Câmara para ampliar a meia-entrada para pessoas com doenças crônicas e raras, foi uma grande discussão. Conseguimos aprovar, mas foi um quiproquó”, relembrou.

Sâmia Bonfim e Analu Tomé (Foto: Dibradoras)

Decidida a debater o tema, Sâmia levou o projeto ao Congresso e está disposta a ampliar as visões em torno do assunto. “Isso não vai solucionar todos os problemas do futebol, não mesmo. Alguns deles são até mais profundos, como desigualdade salarial, a violência nos estádios que repele mulheres na arquibancada, na arbitragem, nas diretorias, na cobertura jornalística, em toda estrutura. E vamos encarar todas as discussões necessárias e todas as outras que surgirem.”

A deputada também deseja que o Ministério do Esporte atue como aliado no projeto e há uma reunião marcada com Ana Moser, Ministra dos Esportes, para dia 11 de abril.

Ampliação do debate 

Assim que a existência da PL 168 se tornou pública, muitas opiniões vieram à tona, inclusive das mulheres. Algumas criticaram a iniciativa porque foge da ideia de igualdade e outro ponto levantado foi a falta de segurança para elas dentro do estádio.

Vejo (a PL 168) como uma ação afirmativa, uma medida de estímulo para que elas possam estar nesse lugar ou que estejam mais do que estão hoje. Não é coitadismo das mulheres, como se elas precisassem pagar menos para ir ao estádio de futebol, mas é um estímulo financeiro também, considerando que as mulheres ganham menos que os homens e também porque não é um espaço convidativo para elas. Então, quem sabe, o estímulo financeiro pode ser uma barreira a menos para acessar aquele espaço. Mas isso por si só não resolve o problema do machismo no futebol e nos estádios”, disse a deputada.

Sâmia valorizou os encontros e os ensinamentos que teve e a oportunidade de aprender mais sobre o tema após protocolar o projeto. No dia 18 de março, ela debateu a PL 168 em um espaço na Barra Funda com participação de outras mulheres. “Talvez a gente chegue à conclusão no processo que o melhor seja outros tipos de iniciativas, mas a possibilidade de novos diálogos é importante. O tanto de gente que eu conheci depois que protocolei, jogadoras, ex-presidentes de clubes, tanta gente que veio procurar saber disso, gera uma discussão imensa e ótima. E o momento em que protocolamos foi simultâneo à denúncia do Daniel Alves. Então, assim, o futebol pode ser outras coisas também, podemos mudar a perspectiva do esporte. A mulher não aparece no futebol só quando ela é assediada, diminuída ou quando ela tem um salário menor. É também ela querendo ir ao estádio e estar ali desfrutando do jogo que é maravilhoso”, declarou.

A deputada acolheu sugestões sobre o impacto que a meia-entrada pode causar em estádios fora do eixo Sul e Sudeste. “Já me falaram: ‘não dá pra colocar uma régua porque há regiões do país em que mais mulheres vão ao estádio, tem mais torcedoras em times pequenos, no Nordeste, por exemplo. O interessante é que em um projeto de lei você pode criar especificações, por exemplo: para Série A e B do Sudeste, talvez isso faça sentido, em outras regiões talvez não”, ponderou.

Foto: Cleia Viana / Câmara dos Deputados

“Faremos pesquisas e estamos preparando requerimento de informação que é um instrumento oficial para saber exatamente o DNA do futebol dos estádios, da rentabilidade. Estou fazendo um levantamento até pra ter mais argumentos porque sei que na hora da tramitação vão dizer ‘você está querendo falir os times de futebol’, mas o que me consta – e eu ainda preciso de dados oficiais para afirmar isso – sobram vagas, nem todos os estádios lotam. Então, isso poderia ser um complemento. As cadeiras que estavam vazias ficariam cheias, mesmo que seja com a metade do preço, mas é melhor do que ficar vazia. Se tiver mais mulheres no estádio pode ajudar, de alguma forma, a recriar uma imagem péssima que algum clube construiu nos últimos anos”, opinou.

Sâmia também destaca que o tema sobre segurança nos estádios pode ser debatido e incorporado à PL. “A vantagem de ter uma tramitação é que passa por diferentes comissões e você pode ir alterando o relatório e aprimorando elementos que estavam no texto inicial, por exemplo.”

Além dessa pauta, a deputada também é autora da PL 2448/2022 (que altera a Lei nº 10.671, de 15 de Maio de 2003, para dispor sobre a proteção das vítimas em casos de assédio e importunação sexual ocorridas em estádios de futebol). Esse projeto ainda aguarda um parecer do Relator na Comissão do Esporte (CESPO) e, se aceito, pode ser um completo ao projeto que disponibiliza meia-entrada para as mulheres. “Essa PL 2448 é como se fosse um protocolo para lidar com casos desse tipo (de assédio): acolher a vítima, ter instrumento de denúncia, de responsabilização, algo como aconteceu no caso do Daniel Alves na boate da Espanha. Importante ter um protocolo para lidar com casos assim e também como responsabilizar as pessoas.”

Segundo Sâmia, um projeto de lei pode demorar semanas para ser aprovado. “Se ele tiver um regime de urgência, aí ele pula todas as comissões e vai direto para o Plenário, mas é necessário ter vontade política para que isso aconteça. Geralmente são temas que estão muito quentes na sociedade e aí tem um diálogo rápido com os líderes do partido e com o Presidente da Câmara pra votar direto. Por ser ano de Copa do Mundo Feminina pode ajudar, mas temos que ter uma articulação anterior para que isso avance. Então esse é o nosso plano: conversar com as torcidas, tentar ver quais times estão dispostos a falar com a gente, diálogos, debates sobre o assunto, se reunir com entidades femininas que falem de futebol em diversos aspectos. Temos um trabalho pra fazer se houver convencimento.”

Da militância na USP à liderança do partido 
(Foto: Fonte: Divulgação/ASCOM-Sâmia)

Sâmia Bonfim nasceu em Presidente Prudente e se mudou para São Paulo para trabalhar e estudar. Ninguém da família trabalhava ou era atuante na política e foi na Universidade, aos 17 anos, quando cursava Letras, que ela descobriu a militância. “Participei do Movimento Estudantil na USP (Universidade de São Paulo) e em 2011 me filiei ao PSOL para ampliar e aprofundar a minha militância”, contou. 

Sua carreira na política tem marcas importantes. Em 2016, foi a mulher mais jovem a exercer o mandato de vereadora na capital do estado, aos 27 anos Em 2018, foi eleita a oitava deputada federal mais votada pelo estado de São Paulo com 249.887 votos, sendo a deputada mais votada do PSOL no estado

“Me candidatei em 2016 sem pretensão de me eleger e quando falo isso não é mentira. Não tinha recursos, tempo de TV, nada! E eu fui a vereadora menos votada da Câmara e eles usavam isso contra mim, como se eu fosse menos vereadora por conta disso. Depois de dois anos me tornei deputada federal com 250 mil votos e aí os questionamentos eram outros, como por exemplo, a presença da mulher na política”, relembrou.

Sâmia faz questão de destacar que sua trajetória nunca foi individual e que o apoio feminino fez a diferença. “Foram elas que me acolheram, as companheiras que militavam comigo na Universidade, pessoas mais experientes do partido e eu ia conhecendo outras pessoas. Mas é muito recente no PSOL esse boom feminista, é um partido novo. Quando me elegi vereadora em São Paulo em 2017, o partido não havia eleito nenhuma mulher em São Paulo, assim como no Rio de Janeiro. Agora é raro ter homem eleito (pelo partido).”

Questionada sobre quando se reconheceu feminista, Sâmia recorda que primeiro ela entrou para a política e ali dentro passou a conhecer mais a fundo sobre o movimento. “O feminismo é a porta de entrada para o restante da discussão política, mas pra mim o caminho foi o contrário. Eu não conhecia o feminismo, primeiro comecei a discutir outros temas relativos a educação pública, que era onde eu militava na Universidade. Passei a entender melhor quando uma colega minha, de um coletivo feminista (Coletivo Juntas) disse: ‘vamos criar um grupo das mulheres’, isso era em 2011. Eu sabia o que era o feminismo, mas não era feminista, eu não tinha noção. E aí é um caminho sem volta porque quando você se dá conta de todo o problema, do machismo, você fala: é isso.”

 

 
 
 
 
 
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Quem vê Sâmia discursando com veemência na Câmara e defendendo suas pautas com muita argumentação, nem imagina que esse perfil nasceu quando começou a atuar na política e graças à presença de outras mulheres. “O lance de falar em público era um tabu. É o que eu faço da minha vida hoje, mas eu tinha muita vergonha e dificuldade. Era horrível, eu tremia, parava no meio. E aí todos esses tabus eu fui rompendo porque também tinham outras mulheres que faziam também. Eram poucas, a maioria mais velha do que eu, mas antes não éramos muitas, não. Agora somos mais.”

Entre as vitórias políticas que mais se orgulha de ter conquistado está sua atuação para barrar o Estatuto do Nascituro (que trata da proteção integral ao feto e proíbe o aborto mesmo em casos de violência sexual) no final de 2022.

Tudo é muito coletivo, nunca estou sozinha, mas onde sei que tive um papel importante e me orgulho foi barrar o Estatuto do Nascituro. Foi um trabalho de obstrução que consiste em procurar no regimento instrumentos para questionar a tramitação e ganhar tempo pra que não seja votado. E aí teve um dia que eu fiquei oito horas ali, argumentando, brigando e fazendo o possível pra segurar o projeto e conseguimos. Eu estava como líder da bancada do PSOL, então esse foi um grande feito.” 

Em busca de mais uma vitória, Sâmia agora tem um novo objetivo: o de fazer valer a PL da meia entrada para mulheres no futebol. O projeto foi protocolado e ainda está em fase de construção no diálogo com as pessoas da área. Não há um prazo definido para o debate chegar ao Plenário da Câmara.

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