Falta visibilidade para elas no Brasileiro, ‘sobra’ no Paulista: como melhorar?

Começa nesta terça-feira (14) mais uma competição do calendário nacional do futebol feminino: o Brasileiro sub-20. Mas, assim como na categoria principal, não há previsão de transmissão para as primeiras rodadas do campeonato de base. Segundo a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a entidade segue negociando o contrato de transmissão dos campeonatos femininos com a Eleven Sports. 

A CBF parece reprisar nesta temporada a novela da falta de informação sobre a transmissão do Brasileiro Feminino vivida no ano passado, quando os jogos da primeira divisão só começaram a ser exibidos na internet depois da 7ª rodada. Dos 48 jogos disputados no início da principal competição nacional, 18 passaram na televisão (pela Band na TV aberta e pelo Sportv na TV fechada). Os clubes ficaram responsáveis pelas transmissões das outras 30 partidas.

Diante da pressão para não haver retrocesso em relação às transmissões, a CBF chegou a fechar acordo no ano passado com a Eleven Sports para exibir de forma gratuita os jogos femininos até 2024. A plataforma digital exibiu todas as categorias do futebol feminino (incluindo as competições de base: Brasileiro sub-16 e sub-18) de 2019 a 2021. 

Desde o ano passado, porém, torcedores começam o Brasileirão Feminino e das categorias principais e de base sem a certeza se conseguirão acompanhar os jogos. A busca por informações costuma invadir as redes sociais, mas muitas vezes elas são publicadas a poucas horas do início das partidas. Isso sem contar os confrontos que acabam ficando sem nenhuma transmissão, caso dos jogos de Ceará 0 x 2 São Paulo e Atlético-MG 2 x 1 Athletico-PR na edição deste ano

Incertezas que afetam principalmente a rentabilidade do futebol feminino. Como um clube consegue buscar patrocínio se não sabe onde a sua marca será exibida? O mesmo vale para possíveis investimentos no próprio campeonato, que reúne o que há de melhor a nível nacional. O campeonato da elite tem dois jogos por rodada transmitidos pelo SporTV. Dono da exclusividade dos direitos de transmissão na televisão, Grupo Globo exibirá apenas a fase mata-mata na TV aberta

Quanto à transmissão na internet, o Brasileirão chega à 3ª rodada sem respostas. Ou melhor, com a afirmativa que a CBF segue em uma negociação arrastada com a Eleven Sports. Vale pontuar que o Corinthians sagrou-se campeão brasileiro feminino no fim de setembro. Portanto, o intervalo até o início desta temporada foi de mais de 4 meses.

E a falta de informações não se limita às transmissões. O Brasileiro Feminino 2023 começou novamente sem que os clubes saibam o valor da premiaçãono ano passado, a CBF comunicou a premiação apenas três dias antes do segundo jogo da final (campeão embolsou R$1 milhão e o vice, R$500 mil). Na Supercopa Feminina que abriu a temporada 2023, a entidade deixou para divulgar que teria bonificação (R$ 500 mil e R$ 300 mil) aos finalistas a dois dias do início do campeonato.

Uma das reivindicações do futebol feminino mais latentes durante as últimas décadas era ter um calendário continuo durante todo o ano. Claro que não é fácil organizar as competições nacionais sem esbarrar em atritos, mas é importante que as entidades estejam cada vez mais aplicadas em fazer da modalidade um negócio que desperte engajamento do público e interesse de investidores e veículos de comunicação.

 

Aprendizados e desafios do Paulistão

Em dimensões diferentes, a FPF (Federação Paulista de Futebol) vem mostrando alguns aprendizados nos últimos anos. Desde junho de 2016, a entidade coloca mulheres com conhecimento do futebol feminino para gerenciar a área. Começou com Aline Pellegrino na coordenação do Departamento de Futebol Feminino, cargo que a ex-jogadora exerceu por quatro anos e depois foi ocupado por Ana Lorena Marché. Agora, o posto é gerido pela ex-goleira Thais Picarte. Profissionais com olhar especializado no futebol feminino.

Em 2020, a CBF seguiu os passos da federação paulista e contratou a própria Aline Pellegrino como coordenadora do futebol feminino, após criar cargos dedicados à modalidade dentro da entidade nacional para trabalho com as competições. No mesmo período, Duda Luizelli, então diretora de futebol feminino do Internacional, assumiu o cargo de coordenadora de seleções femininas, posto ocupado atualmente por Ana Lorena Marché.

Na última sexta-feira (10), a FPF também deu um passo importante para exaltar a importância de tratar os eventos esportivos com planejamento e antecedência. Foi anunciado que o Paulistão Feminino ampliará a premiação destinada aos clubes pelo segundo ano consecutivo. Em 2023, os 12 times participantes dividirão uma bonificação total de R$3,1 milhões – aumento de 19,2% em relação ao valor repassado no ano passado. E olha que o salto do valor em 2022 já havia marcado um recorde em relação aos R$140 mil pagos ao todo pelo torneio em 2021.

O incremento desta vez vai premiar com valores mais altos as equipes que ficarem da 4ª até a 12ª colocação, como uma forma manter o equilíbrio e dar condições de equipes menores seguirem participando do campeonato.

Fruto de um trabalho que foi melhorando o Campeonato Paulista enquanto produto nos últimos anos. Um processo que passou por atrair mais clubes de camisa e maior competitividade, sendo possível despertar interesse de patrocinadores e veículos de comunicação.

Após o aumento do interesse do público na modalidade, que teve um boom na Copa de 2019, as semifinais e finais do torneio regional foram transmitidas pela TV Cultura e pelo SporTV. Em 2020, o Facebook entrou na jogada e promoveu o Paulista Feminino na rede social com transmissão de jogos. Em 2022, a Centauro foi a grande patrocinadora, potencializando a premiação do Paulista Feminino, além de exibir as partidas na página da marca no Facebook.

Mas esse não foi o único veículo com direitos de transmissão. Globo, SporTV, TNT Sports, Youtube, Eleven Sports e o Paulistão Play também exibiram o Paulista Feminino do ano passado. Com exceção da Eleven, eles dividirão as transmissões novamente neste ano, tendo 100% dos jogos exibidos. E as duas finais entrarão na TV Globo (em 2022, só o segundo jogo da final foi exibido pela TV aberta).

Com boa visibilidade aos jogos, o Paulista Feminino teve mais de 10 milhões de espectadores em todas as plataformas em 2022, quase cinco vezes mais do que a audiência alcançada em 2021. Nas redes sociais, mais de 30 milhões de usuários foram alcançados e a audiência média do YouTube cresceu mais de 50%.

Mas o campeonato estadual também teve problemas. Nos últimos anos, foram muitas as reclamações de clubes pelo calendário bater com a reta final do Campeonato Brasileiro. Técnico do Corinthians, Arthur Elias foi um dos mais enfáticos em afirmar que as 15 rodadas do Paulista poderiam ser melhor distribuídas, principalmente pela equipe corintiana ter disputado três clássicos válidos pelo Paulistão no meio do mata-mata do Brasileiro no ano passado. O Derby pelo torneio estadual ocorreu em meio à disputa da final brasileira contra o Internacional.

“A gente é tricampeão dessa competição (Paulista). A gente sempre entra para vencer todos os jogos e todos os campeonatos, esse é o nosso trabalho. Agora, a questão da gente ter que dividir o foco é complicada, porque a Federação Paulista fez uma palhaçada conosco. Acho uma falta de respeito com o clube que apoia e que está investido forte no futebol feminino há muitos anos”, criticou Arthur Elias. A opção do treinador foi poupar o elenco titular no Paulista para focar no Brasileiro. Mas as derrotas para rivais no estadual soaram amargas, e o Corinthians ficou fora do mata-mata do estadual.

Ainda há muito o que crescer. Mas o futebol feminino vai dando mostras de que é possível ter avanços significativos a partir de planejamento, investimento e profissionais capacitados e com vontade de fazer as coisas acontecerem. Que os bons exemplos sejam copiados, aperfeiçoados e ampliados para que os eventos relacionados à modalidade sejam, cada vez mais, entendidos como negócios com potencial de rentabilidade.

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