‘Nosso maior objetivo é voltar a ser protagonista’, diz gerente da seleção feminina

A seleção feminina de futebol se prepara para o maior desafio do ano: a Copa do Mundo feminina, que acontece entre julho e agosto na Austrália e Nova Zelândia. Parando sempre no primeiro mata-mata dessa competição desde 2007 – quando o Brasil avançou até a final -, agora o objetivo traçado é voltar a disputar uma semifinal. Essa é a visão de Ana Lorena Marché, gerente da seleção feminina e responsável por planejar a logística e a preparação da equipe para disputar o Mundial.

É um objetivo ousado considerando que há 16 anos a seleção feminina não consegue vencer nenhuma partida de mata-mata de Copa do Mundo. Em 2011, o Brasil parou nas quartas-de-final (na época, não havia oitavas) para os Estados Unidos. Em 2015 e 2019, caiu nas oitavas para Austrália e França, respectivamente. A meta agora é vencer pelo menos dois jogos eliminatórios, as oitavas e as quartas, para chegar até a semi, o que abriria a chance de ao menos disputar um pódio.

Lorena admite que vê possibilidades mais palpáveis de conquistar uma medalha na Olimpíada de 2024, competição que tem menos equipes (são apenas 12 seleções, comparado à Copa que tem 32) em disputa, mas o planejamento da equipe para o Mundial tem sido feito todo em cima do principal jogo da fase de grupos, contra a França, na segunda rodada. Vencendo as francesas, o Brasil poderia fechar a primeira fase em primeiro lugar e fugir de um cruzamento mais difícil nas oitavas.

Ana Lorena Marché fez visita técnica junto com Pia Sundhage na Austrália; Brisbane foi escolhida como base (Foto: Divulgação/CBF)

“O principal objetivo é ter medalha, chegar entre os quatro, e entre os três. O principal objetivo é estar de novo tendo uma disputa de semifinal, uma final. Estar ali já é pra pouquíssimos. Sempre precisamos ter esse pensamento do que é possível. Quando você chega numa semifinal, são mínimos detalhes que definem. Pra gente é importante voltar a ser protagonista dentro dessas grandes competições”, afirmou Ana Lorena em entrevista às Dibradoras.

“Esse é o nosso principal objetivo, acho que temos grandes chances de estar ali, temos uma grande geração vindo. Acho que temos melhores chances ainda na Olimpíada. Voltar a ter/disputar uma medalha pra que a gente possa ter um outro ciclo ainda mais promissor. Já estamos pensando, inclusive, nesse ciclo de 2027, reestruturando coisas, tendo categoria de base, essas atletas que estão agora também vão estar em 2027 e 28 que é o próximo ciclo.”

A seleção brasileira, vice-campeã mundial em 2007, acabou ficando para trás no futebol feminino pela falta de investimento na base. A gerente de seleções reconhece que há muito trabalho a ser feito para o Brasil voltar a disputar os principais títulos com essas equipes e diz que o planejamento delas serve de inspiração para o que a CBF pretende fazer por aqui.

“Acho que alguns desses países, a partir de 2007, por aí, eles começaram começaram a pensar suas categorias de base, fortalecer suas ligas, suas competições, para estar onde estão agora. O Brasil teve aquela grande geração, 2004, 2007, 2008, e acabou porque a gente não tinha uma competição sustentável, uma competição nacional, clubes pelo país inteiro, não tínhamos uma estrutura feita, nem da base, então não formamos uma nova geração”, afirmou.

Lauren, zagueira da seleção sub-20, foi para a principal e deu conta do recado (Foto: CBF)

“O que eu vejo que estamos fazendo agora é campeonato de categoria de base que a gente não tinha, as federações estão começando a ter seus estaduais de base. Acho que agora estamos num caminho de ter um Campeonato Brasileiro cada vez mais sólido, cada vez mais forte, mais competitivo, campeonatos brasileiros, a gente vai ter um sub-20 com calendário diferente, calendário o ano inteiro de base. Eu já vejo inclusive essa estruturação da categoria de base surtindo efeito, a Lauren (zagueira) tá na seleção principal, ela jogou paulista-sub17, Tarciane campeã brasileira sub-18, essas meninas já estão na principal. Por isso que eu vejo a geração de 2027 ainda melhor. O que os países fizeram na Europa nos últimos anos, nós estamos fazendo agora. Precisamos aprender com eles o que fazer e como fazer”.

Planejamento para o Mundial

Com a Copa do Mundo batendo na porta, a seleção brasileira agora já tem seu planejamento para a melhor preparação possível, segundo Ana Lorena, para chegar à competição no melhor nível físico e técnico. O local escolhido para fazer essa preparação foi Brisbane, uma cidade com clima mais ameno (parecido com o Brasil) e justamente a sede do jogo contra a França, o principal da fase de grupos.

“A gente começou desde o ano passado a discutir o que seria melhor para as atletas para descanso. Nossa prioridade foi descanso e sono. Como fazer, que voo fazer, quando chegar, porque a cada uma hora de fuso horário você precisa de um dia pra adaptar, e são 14 horas de fuso, então precisa chegar com muita antecedência pra fazer a preparação”, explicou.

“Decidimos fazer toda a preparação na Austrália, para poder fazer toda a recuperação física das atletas e também deixá-las prontas pra competição, principalmente as que estão na Europa, porque elas estarão em fim de temporada e com muito tempo de descanso, então elas terão preparação especial antes de se juntarem a nós pra que elas possam chegar no mesmo nível físico.”

Foto: CBF

O Brasil viaja para a Austrália dia 3 de junho, 21 dias antes da estreia contra o Panamá (marcada para 24 de julho em Adelaide). Treinamentos e possíveis jogos-treino serão realizados lá, em Brisbane, sede escolhida pela seleção para ficar durante toda a primeira fase.

“Nós escolhemos nossa base especialmente pra nossa logística, foi pensado em aclimatação, clima mais parecido com o Brasil, temperatura mais amena, não tão frio, estaremos no inverno lá, índice pluviométrico… além disso, logística, a gente viaja pro primeiro jogo e pro terceiro, aí temos um tempo maior de descanso entre os jogos. Tudo foi pensado também pra que, contra o nosso principal adversário, contra a França, a gente esteja mais descansado.”

Dificuldade na definiçãos de amistosos

Uma das grandes críticas feitas à CBF nos últimos anos foi pela demora na definição e planejamento de amistosos. Em 2021, o Brasil chegou a enfrentar adversários pouco relevantes no contexto mundial, como Índia e Venezuela, pela demora em planejar amistosos e negociar com seleções mais fortes. Em 2022, os jogos contra a África do Sul foram confirmados em cima da hora. Questionamos Ana Lorena sobre a dificuldade nesse planejamento.

Foto: CBF

“Tivemos algumas dificuldades, principalmente com grandes mudanças de gestão. Agora estamos no terceiro ou quarto coordenador que a Pia (Sundhage) tem, então a casa estava se reestruturando, com mudança de presidente, mudança de gestão, isso com certeza dificulta esse planejamento. Mas agora que temos um presidente que vai ficar 4 anos, a gente já começou a melhorar processos, já tem muito mais planejamento do que antes. Agora, a partir do momento que temos definições principalmente de processos aqui dentro, conseguimos fazer um planejamento melhor pros próximos anos.”

“Acho que estamos num momento melhor. A minha troca com a da Aline não foi uma grande ruptura. O Departamento de Competições também está perto de seleções, isso é muito bom porque em termos de planejamento nos ajuda muito. Estamos num momento de mais calmaria, momento de mais diálogo, temos o que planejar também pra Olimpíada de 2024. Estamos já conseguindo implementar todos os processos”, disse.

Premiação

Uma discussão que tem vindo à tona no mundo é sobre igualdade de premiações entre futebol feminino e masculino. Claro que conseguir igualar valores em contextos tão distintos de mercado é muito difícil. O futebol masculino existe há muito mais tempo e gera muito lucro, então as premiações de competições deles sempre pagam muito mais. Mas não seria a hora de diminuir essa diferença?

A Fifa segue permitindo que ela aumente. Em 2018, o campeão da Copa masculina (França) levou US$38 milhões, quase 10 vezes mais do que os US$ 4 milhões destinados às campeãs da Copa feminina em 2019 (EUA). Questionamos Ana Lorena sobre como tem sido a conversa sobre igualdade de pagamentos na seleção. Lembrando que as diárias de trabalho já foram igualadas em 2021.

(Foto: Thais Magalhães/CBF)

“Esse é um tema que a gente tem trabalhado inclusive com as atletas, elas têm participado de todos os debates, dessa construção, isso é importante, saber que a gente vai fazer de forma conjunta. Pra que possamos nos unir pra pleitear mais premiação na Finalíssima, numa Copa América, na Fifa. Acho que não é só discussão da CBF, é uma discussão maior, quanto que as entidades estão oferecendo. Mas acho que a discussão não tem que se resumir à premiação, a nossa maior discussão tem que ser estrutura. Por exemplo, a Fifa oferecer agora um base camp, ter voo fretado, a gente não precisar usar voo de carreira. Inclusive a discussão com as atletas e comissão tem sido essa, melhorar a estrutura e outras coisas, a premiação é a pontinha do iceberg, acho que a gente tem muitas outras coisas a serem discutidas”, disse Ana Lorena.

Seleções de base

Com as principais competições da sub-17 e da sub-20 acontecendo em 2022, uma reclamação conjunta relacionada a elas foi a falta de amistosos com as principais seleções na preparação para os Mundiais da categoria. Lorena explica que houve dificuldade de viabilizar jogos com os adversários e reforçou que o trabalho agora tem sido muito mais integrado entre todas as categorias. E a ideia é criar também a seleção sub-15 ainda neste ano.

“Com relação ao ano passado, tivemos grandes resultados com as seleções de base. O problema não foi orçamento, foi difícil também porque algumas seleções não queriam vir para o Brasil, a gente teve também um amistoso contra uma seleção que caiu no nosso grupo e não quis mais fazer o jogo, então tinha o planejamento, mas algumas circunstâncias não ajudaram. A sub-17 foi pra Espanha fazer uma preparação, já foi melhor do que antes. Sem base, sem dar essa atenção, a gente não tem seleção principal”, afirmou.

Foto: CBF

“Estamos fazendo um currículo de formação pra essas atletas, começou com a Duda (Luizelli) e demos continuidade. Algo que integre o que ela está treinando na sub-17, o que ela está treinando na 20, como vai ser na principal, pra não ter tanta diferença, pra ela sentir que tem a mesma característica, e isso tem acontecido, a transição dessas meninas está acontecendo e isso é muito legal. A sub-15 está no planejamento pra acontecer, estamos esperando definições do calendário. A Conmebol nao faz competição sub-15, o que deveria acontecer, acho que forçaria todas as entidades a ter, é uma forma de começar a pressionar a própria Conmebol também, mas a seleção sub-15 vai funcionar como uma apresentação, saber o que é vestir essa camisa, porque ela ainda não tem competição. Mas é pra integrar principalmente com a sub-17. Deve sair esse ano.”

Marta na reta final da carreira

Pra fechar, falamos com Ana Lorena sobre a participação da Marta nesse momento de renovação da seleção brasileira. O papel dela e quais são os planos da CBF para aproveitar a maior jogadora de todos os tempos após a aposentadoria.

“Acho que ela é fundamental. É aproveitar essa experiência, ela jogando em alto nível, e o quanto ela pode passar de experiência pras meninas mais jovens. Ela é fundamental pra essa passagem de bastão pras novas líderes e pra passar experiência para as mais novinhas, pra não deixar essa batalha que ela teve de conquistas, de reivindicações, pra isso nunca se perder. Sabemos que nós mulheres temos que sempre continuar brigando”, pontuou.

“A Marta tem que ser eternizada, temos que valorizá-la quando ela se decidir sobre aposentadoria, precisamos estar junto pra fazer. Valorizar todas as atletas que escreveram essa história, mantê-las perto, fazer todas elas se sentirem parte do processo de evolução da seleção feminina.”

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