‘Somos a zebra, mas sempre há uma chance’, diz Pia sobre Brasil na Olimpíada

A 15 dias da estreia do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a reportagem do Dibradoras conversou com a técnica da seleção feminina, Pia Sundhage. Já concentrada com a equipe brasileira na preparação realizada em Portland, nos Estados Unidos, a treinadora nos atendeu por cerca de meia hora para falar sobre os últimos ajustes no time que viaja para o Japão na próxima semana.

Falamos da ausência de Cristiane, do papel (e da posição) de Marta no time, dos problemas ofensivos que o Brasil apresentou nos últimos amistosos e terminamos pedindo uma previsão: se nas últimas três Olimpíadas, ela voltou com uma medalha no peito (duas vezes com o ouro e uma com a prata), qual seria a cor da medalha dessa vez?

“Qualquer cor seria ótimo”, brincou Pia, que ainda vê o Brasil como uma “zebra” em Tóquio. “Pelo fato de que há uma espera longa. A última vez que o Brasil ganhou algo foi em 2008, foi há bastante tempo”, disse.

Se ela mantiver seu nível de atuação como treinadora dos últimos três ciclos olímpicos, teremos motivos para comemorar em agosto.

Leia a entrevista completa:

Dibradoras: Em dois anos morando no Brasil, você já incorporou algum “hábito brasileiro”?

Pia Sundhage: Um dos hábitos que agora eu tenho é que não chego mais tão adiantada. Agora eu chego na hora. Antes, eu chegava mais cedo, 5 minutos antes ou 10 minutos antes, agora não, eu chego na hora. E se eu estou atrasada, eu não fico mais tão preocupada. Eu gosto disso.

Dibradoras: Sei que você não gosta de comentar sobre jogadoras que não estão no grupo, mas queria te pedir para fazer uma exceção nesse caso porque se trata de uma jogadora com uma história muito grande na seleção brasileira. Sobre Cristiane, queria que você falasse um pouco mais sobre os critérios para deixá-la de fora.

Pia: Eu vou fazer essa exceção porque é a Cristiane, todo mundo gosta dela e eu entendo isso. Tenho muito respeito por tudo o que ela já fez pela seleção brasileira, sempre jogando muito bem.

Falamos sobre duas coisas principalmente: completar os passes, controlar a bola, ser agressivo e o nível físico. Eu sei o quão difícil é jogar uma Olimpíada com apenas 16 jogadoras de linha. Então temos que ter a certeza de que elas estão prontas e bem fisicamente para jogar com partidas de dois em dois dias. Nós tivemos uma conversa, falei com Fábio (Guerrero, preparador físico) e (Luciano) Capelli (fisiologista) e tivemos os números e tudo mais para analisar.

A outra coisa são os jogos no Campeonato Brasileiro. Ela jogou, acredito, seis jogos até aquele momento e eu tive todo o cuidado para acompanhar seu desempenho em cada partida. Então juntando tudo isso em comparação com o que a gente tinha, e considerando que agora que temos a chance de ter cinco substituições, se você olhar para as características do ataque, velocidade, nós temos isso no time agora.

Foto: Fifa

Acho que o que nós precisamos para ter infiltrações na área, por exemplo, boa presença aérea, nós temos isso. E essas duas coisas, o desempenho dela, e o fato de nós termos outras jogadoras que vão fazer o time ser melhor. E como você sabe, não é sobre uma jogadora, nem mesmo uma jogadora como a Marta, é sobre o time. E a forma que nós trabalhamos melhor como equipe. Então acho que temos todos os componentes para sermos bem-sucedidos.

Dibradoras: Falando nisso, deu a impressão na coletiva de imprensa da convocação, parecia que você também tinha dúvidas sobre levar a Formiga. Era isso mesmo?

Pia: Uhum. E o motivo para isso é que ela teve uma concussão (foram duas, na verdade), e ela não estava jogando com tanta frequência antes dessa convocação. E quando eu olho para trás, sei que ela sabe muito bem administrar seu nível físico. Então quando ela chega aqui, ela pega mais leve, então por exemplo, ela não fez o teste do ioiô que as outras fizeram, então houve muita discussão sobre convocá-la ou não. Agora que ela está aqui, estou feliz e quando eu olho para o nosso meio-campo, acho que ela pode desempenhar um papel importante nesse setor.

Dibradoras: Você esteve em três Olimpíadas como técnica. Em duas delas você estava comandando uma equipe favorita ao ouro (EUA), em uma estava com o time “azarão” (Suécia). Em qual situação você se vê agora? 

Pia: Eu diria que eu estou do lado “azarão” agora. Se você pensar na última vez que o Brasil ganhou algo, foi em 2008, e isso foi há muito tempo. Mas eu também posso olhar por outro lado, se olho para as jogadoras que temos…mas se pensar em como eu me sinto, pelo fato de que há uma espera grande por um resultado… claro, nós temos jogadoras muito técnicas e agora elas estão num nível físico mais alto, temos um time mais coeso…mas eu diria que estamos do lado azarão, e como você sabe, sempre há uma chance. Então o objetivo é chegar às quartas, esse é o primeiro desafio, vamos focar nisso, e aí é um passo de cada vez, tudo pode acontecer.

Pia comandando a Suécia em 2016 (TF Images via Getty Images)

Dibradoras: Em 2016, houve uma situação muito peculiar nos jogos entre Suécia, comandada por você, e Brasil. No primeiro, o Brasil ganhou de 5 a 1 e no segundo vocês levaram para os pênaltis e se classificaram. O que você fez para ter um desempenho tão diferente de um jogo para o outro e quais lições esse episódio deixa para o Brasil?

Pia: Primeiro de tudo, nós temos que ser flexíveis. Você precisa ser flexível de acordo com o que está acontecendo. Eu conversei com a comissão. Falei: o que nós vamos fazer? Nós perdemos de 5 a 1 e nós fizemos um gol só no final. E isso não está bom. Então nós estávamos trabalhando em algumas coisas durante um bom tempo, mas resolvemos mudar, porque não estava bom daquele jeito. Claro que todos nós decidimos juntos. Então taticamente, por exemplo, a defesa mudou completamente. Fomos mais compactas, não arriscamos, partimos só em contra-ataque. E foi assim que sobrevivemos, na verdade. Tanto contra os EUA, nas quartas, e também contra o Brasil.

E para vender essa ideia para as jogadoras, você imagina, a gente vinha jogando de um jeito por um ou dois anos e, de repente, nós mudamos completamente porque perdemos contra o Brasil. Então o que eu fiz foi: nós viajamos para Brasília para jogar o último jogo contra a China. E eu fui falar com cada uma das jogadoras. Fui a melhor ouvinte que jamais poderia ser. Perguntei: o que você precisa de mim? O que precisa de nós, da comissão? Porque agora nós precisamos acreditar em algo. Demorou uma eternidade, eu fiquei exausta, mas no fim, quando eu olho pra trás, vejo que eu ter ouvido as jogadoras foi algo que fez muito bem para elas. Porque mostrei para elas que eu era vulnerável. P****, eu não sei o que fazer. Não funcionou. Então agora nós temos que pensar no que fazer, e eu recorri a elas para ter ajuda, e acho que as jogadoras fizeram isso muito bem.

Além disso, acho que tivemos uma boa reação depois do jogo contra a China. Eu disse a elas: tenho duas boas notícias. Uma é que nós classificamos para as quartas. E elas “yeaaah”. A segunda é que nós vamos continuar nesse hotel. E era um hotel ótimo. E elas ficaram ainda mais felizes. E aí eu disse: e nós vamos jogar contra os Estados Unidos. E elas ainda ficaram animadas. Disseram: ótimo, nós vamos eliminá-las. Nós ganhamos confiança com isso. E se você consegue eliminar os EUA de um torneio, você pode eliminar qualquer time, até o Brasil. Então nós levamos essa energia e essa confiança para o jogo contra as brasileiras também.

Dibradoras: E qual foi a lição para as brasileiras nessa situação?

Pia: Não tome nada como certo, não subestime ninguém. Ok, você tem as melhores jogadoras, você ganhou de 5 a 1, mas no fim do dia, não subestime, você tem que ir lá e mostrar, acreditar no que está fazendo.

Dibradoras: O Brasil sempre teve um ótimo ataque e era ruim na defesa. Agora a seleção tem uma defesa mais segura, mas tem encontrado mais dificuldades para atacar, especialmente contra times mais organizados. Por que isso acontece? Quais são os principais aspectos que você acha que ainda falta trabalhar no time nesse período antes da Olimpíada?

Pia: Acho que é sobre equilíbrio. Para ter uma defesa melhor, todo mundo precisa participar e é claro que isso exige mais das atacantes. Então o equilíbrio era arrumar a defesa e agora nesse período de treinos nós vamos melhorar o ataque. Mas é sempre um equilíbrio porque você pode ter uma atacante que não está participando do momento defensivo, mas quando a gente retoma a bola, ela está livre. Você às vezes pode subir todas as jogadoras, atacantes, meias, mas isso te faz ficar mais vulnerável na defesa. Então existe um equilíbrio e acho que fizemos um bom trabalho na defesa, mas acho que você está certa quando diz que podemos ser melhores no ataque, usar a criatividade das jogadoras, a técnica, e criar mais chances. Acho que isso vai acontecer.

Seleção brasileira no duelo amistoso contra a Rússia. Foto: Richard Callis/SPP/CBF

A prioridade agora é a fase ofensiva. Claro que nós vamos olhar para a defesa também, mas vamos melhorar o ataque e os cruzamentos. Ontem nós treinamos muito as cobranças de escanteio. Porque nós somos muito boas na bola aérea, então espero que possamos fazer gols assim. Mas para conseguir escanteios, a gente precisa atacar, partir para o um contra um, ir para cima. Nós temos alguns treinos ainda, e o ataque pode melhorar, temos mais a contribuir.

Dibradoras: Você sempre disse que estava buscando a posição ideal para Marta, onde ela renderia melhor, não indidualmente, mas para o time. Você encontrou?

Pia: Nós falamos muito sobre isso. Nós temos ótimas jogadoras para jogar na frente e para pressionar as zagueiras. Se você olhar para as zagueiras chinesas e as holandesas, para jogar contra esses dois times, jogadoras com força física, como Ludmila, Geyse, Bia, a Debinha provavelmente a melhor posição é ali na frente. Então a melhor solução é poder girar o ataque, acho que não funcionou tão bem nesse último amistoso, mas temos chances para trabalhar isso.

Com relação à Marta, a melhor posição é jogar aberta e cair para dentro. Então, na maior parte do tempo, ela estará centralizada. Mas na defesa, vamos jogar 442, ela vai estar no meio-campo. Porque essas duas iniciais precisam estar conectadas na defesa. Nós precisamos de jogadoras pressionando aquela linha. As zagueiras chinesas, por exemplo, precisam sentir a ameaça. Eu não gostaria de jogar contra a Bia ou contra a Geyse, ou Ludmila ou Debinha. Se Marta jogar ali, ela tem a tendência de voltar, e nós não podemos correr esse risco, precisamos de jogadoras para pressionar essa linha. Então decidi que ela não vai jogar na frente. Mas na construção e no ataque, ela terá liberdade pra circular. Estou te falando isso agora, mas aí no meio da Olimpíada, podemos mudar (risos). Mas eu tenho que acreditar em algo.

Foto: A2M/CBF

Dibradoras: Falando sobre o ataque, a Bia Zaneratto foi o grande destaque no Campeonato Brasileiro. Como você vê o papel dela na seleção?

Pia: A melhor posição para ela é ali na frente, nenhuma dúvida sobre isso. Mas queria vê-la fazendo as duas coisas (jogando aberta também). Todo técnico diz que se uma jogadora pode fazer duas posições, isso ajuda muito. Mas eu gostaria de trocar durante o jogo. Ela é difícil de se jogar contra. Se você olhar o último jogo, acho que ela foi muito bem.

Mas quando ela fica cansada, ela acaba perdendo a bola, acho que o nível físico dela melhorou bastante e acho que pode melhorar ainda mais. Então depende, se você vai ser bem-sucedido, se ela vai conseguir manter o controle da bola. Eu adoraria ter a Bia na área, ou então aberta, infiltrando na área, chutando de fora. Eu normalmente menciono Ludmila e Debinha como jogadoras rápidas, mas a Bia também é muito rápida.

Dibradoras: Você sempre falou da questão física, algo que o Brasil tinha que melhorar. Como você vê isso hoje na seleção?

Pia: Estou feliz com o nível que estamos agora. Acho que Fabio e Capelli fizeram um bom trabalho. Eu realmente acredito que pode melhorar. E isso vai ser algo que vamos trabalhar. As jogadoras mais novas, por exemplo, o nível físico delas tem que ser melhor, nós falamos sobre isso. Garantir que elas possam jogar vários jogos em um certo intervalo de tempo. E vejo isso em muitas ligas, no começo o time joga muito organizado e aí vai passando o tempo e o time já não está mais tão compacto. Isso é por uma questão física. Não importa o que vai acontecer na Olimpíada, isso é algo que queremos trabalhar melhor, competitividade e nível físico. Você vai falar da questão mental, todo mundo sabe que quando você se sente bem fisicamente, você se sente mais forte também, mais confiante.

Dibradoras: Você tem dois ouros olímpicos. Quais são os aspectos que você considera mais importantes para vencer essa competição?

Pia: Acho que o mais importante é aproveitar a jornada. Se você andar por aqui, vai ver pessoas felizes, e se você olhar para os treinos, hoje tivemos o teste do ioiô e outros exercícios, se as jogadoras estão felizes e se elas seguirem o plano de jogo. E é claro que no primeiro jogo todo mundo vai estar nervoso. Então o segredo é tentar manter a calma e acreditar naquilo que temos trabalhado por tanto tempo. É fácil dizer, mas pode ser difícil fazer. Jogadoras como a Marta, têm experiência, a Duda já não teve tantas experiências com essa intensidade. Se nós focarmos no plano de jogo, nós vamos estar bem defensivamente, e aí nós vamos ganhar confiança e aí poderemos fazer alguns gols.

Dibradoras: Quais são os favoritos na disputa do ouro?

Pia: Acho que o mais difícil é os Estados Unidos. E também estou apostando no Japão. Porque sei que elas estão reunidas há muito tempo, elas fazem um gol e ganham 1 a 0. O Japão vai se apoiar no tempo que elas estão juntas, os EUA vão se apoiar na história delas, essa história vitoriosa é contagiosa.

 

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