Casos de LGBTfobia aumentam no futebol brasileiro: como combater essa realidade?

Foto: Rafael Ribeiro/Vasco

Hoje, 17 de maio, é o Dia Internacional de Combate à Homofobia. Nesse dia, em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças (CID). A data ganhou forte simbolismo na luta contra o preconceito e a discriminação contra pessoas LGBTQIA+ sob a perspectiva de equidade, diversidade e tolerância em todos os âmbitos da sociedade, inclusive, nos esportes.

Desde então, passaram-se 33 anos. Mas ainda tem torcedores que pensam que ecoar cânticos homofóbicos é torcer. Não é! Fazer “piadas” com expressões preconceituosas também não é engraçado. Afinal, “piada só tem graça quando todos os envolvidos se divertem com ela; se alguém se sentir ofendido, não pode mais ser considerada piada”, como bem ressalta Débora Silveira, em artigo publicado no Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol de 2021, realizado pelo Observatório da Discriminação Racional no Futebol.

Em 2022, 74 casos de LGBTfobia ligados ao futebol brasileiro foram registrados dentro e fora de campo, segundo o Anuário do Observatório do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, com apoio da CBF. O número aponta para uma alta de 76% nos episódios ocorridos em estádios, redes sociais e mídia. Em 2021 foram 42 casos desse tipo de preconceito e, em 2020, ano do início da pandemia de covid, com os campeonatos paralisados, foram 20 episódios registrados.

No último domingo (14), o clássico entre Corinthians e São Paulo deste domingo, em Itaquera, pelo Campeonato Brasileiro, teve de ser paralisado durante alguns minutos pelo árbitro Bruno Arleu de Araújo devido aos cantos homofóbicos de parte da torcida alvinegra. Como ocorre com frequência em jogos contra o São Paulo, torcedores corintianos entoaram “Vamos, vamos Corinthians, dessas bichas teremos que ganhar”. O Corinthians até advertiu o público pelos telões da Neo Química Arena, dizendo que cantos homofóbicos são proibidos, mas o efeito foi contrário, e corintianos passaram a entoar as ofensas com mais força.

Palavras usadas como chacotas por uns são sinônimos de ameaças e intimidações que geram medo a pessoas LGBTQIA+, uma realidade ainda muito frequente, principalmente, no âmbito do futebol. “São casos que se repetem toda semana, é uma luta complexa e desafiadora. A LGBTfobia é um mal social que se alastra em todos os ambientes, em especial no futebol. Essa intolerância motivada por ódio e discriminação é profundamente violenta e deixa marcas profundas. Temos uma pesquisa de 2018 que indica que 62,5% dos LGBTQ+ brasileiros já pensaram em suicídio”, alerta Onã Rudá, fundador do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, ao site da CBF.

Onã Rudá, fundador do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+ | Foto: André Borges/CBF

Os números de violência que ameaçam a vida de pessoas LGBTQIA+ são alarmantes no Brasil. Em 2022, 256 delas foram assassinadas ou cometeram suicídio a cada 34 horas no país, segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB). No esporte mais popular do Brasil, alguns torcedores se juntam em coletivos e torcidas LGBTQs como uma alternativa para fazer valer o direito de cultivar a paixão pelo futebol ou qualquer outro esporte, inclusive, nos estádios, ginásios e arenas. O Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, por exemplo, acionou oito clubes brasileiros no Superior Tribunal de Justiça Desportiva por atos de homofobia praticados pelas respectivas torcidas em 2021. 

Nesses oito casos, o Procurador Geral do STJD, Ronaldo Piacente, explicou que “a Procuradoria tem se empenhado para combater todos e quaisquer atos discriminatórios no futebol, porém existem regras processuais a serem respeitadas no nosso ordenamento jurídico, entre elas a capacidade para estar em juízo, ser jurisdicionado da Justiça Desportiva. Estando ausente algum dos requisitos, como o caso do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, não há como prosseguir com a denúncia”.

Avanços para coibir e punir atos de LGBTfobia no futebol

Desde fevereiro deste ano, a CBF incluiu no Regulamento Geral de Competições a possibilidade de punir esportivamente um clube em caso de discriminação para além dos casos de racismo, contemplando também discriminação de orientação sexual, de sexo, de gênero, etnia, procedência nacional, religião, entre outras infrações que “afrontem a dignidade humana”, como o ocorrido no clássico paulista pela sexta rodada do Campeonato Brasileiro masculino.

A alteração no regulamento passou a prever quatro tipos de sanções: advertência; multa de até R$ 500 mil, mas que pode ser revertida em prol de causas sociais, inclusive por meio da dedução de cotas a receber; vedação de registro ou de transferência de atletas; e perda de pontos e de mandos de campo. 

Em 2019, a FIFA se posicionou de maneira firme, com recomendação para punições à violação de Direitos Humanos, como injúria racial e homofobia. Desde então, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) determinou que gritos homofóbicos no Brasil são passíveis de punições desportivas. Também em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou o crime de homofobia ao de racismo.

Assim, abriu espaço para a Justiça Desportiva também punir condutas homofóbicas com base no artigo 243-G. Foi quando a Justiça Desportiva emitiu a recomendação a árbitros, auxiliares e delegados das partidas para relatarem a ocorrência de manifestações preconceituosas na súmula e/ou documentos oficiais dos jogos. O STJD também passou a incentivar clubes e Federações a realizarem campanhas educativas junto aos torcedores, atletas e demais partícipes das competições. 

No entanto, mudanças comportamentais demandam tempo e, principalmente, participação ativa dos envolvidos para cumprirem as recomendações e os novos regulamentos. No jogo entre Náutico e Sampaio Corrêa, pela Série B do Brasileiro de 2021, o árbitro Ivan da Silva Guimarães Júnior paralisou a partida por conta de gritos homofóbicos no Estádio dos Aflitos, em Recife, mas não relatou a paralisação nem fez referência às ofensas homofóbicas na súmula, que recebeu um adendo posterior. Pelas redes sociais, o Náutico publicou que “a homofobia e qualquer outro preconceito não combinam com nossas cores”.

“Se nenhuma autoridade da partida registrar na súmula ou em outros documentos oficiais da partida, é preciso que seja enviado ao tribunal uma “notícia de infração”, que é distribuída entre os procuradores e eles decidem se acatam ou não e, a partir disso, apresentam ao tribunal a denúncia”, destacou Onã Rudá, em artigo do Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol de 2021. Para o fundador do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, um passo importante que precisa ser dado é a construção de um protocolo que padronize e oriente de forma direta como todos os árbitros do Brasil devem agir diante de cada situação de discriminação. 

Mesmo após conseguir efetivar a denúncia em casos desse tipo, os desafios são constantes. Em 2020, o TJD-RJ não considerou os gritos de “bicha” proferidos durante um Flamengo e Fluminense como ofensivos. Tivemos avanços nos últimos anos, é verdade. Em 2021, o Flamengo foi o primeiro clube punido pelo STJD com multa de R$ 50 mil por cânticos homofóbicos da torcida em notícia de infração enviada pela Canarinhos LGBTQs. Em janeiro de 2022, mais uma notícia culminou em punição, dessa vez, ao Fluminense. Mas multas em valores ainda irrisórios para o contexto das duas principais divisões do futebol brasileiro. 

Apesar de lento, o avanço em relação a uma postura mais ativa dos clubes contra a LGBTfobia também é perceptível. Desde 2020, as ações afirmativas começaram a dar mais visibilidade à causa no futebol. Clubes criaram camisas comemorativas e em edições especiais com a temática da diversidade e jogadores do elenco principal entraram em campo vestindo camisas com as cores do arco-íris. Em 17 de maio do ano passado, por exemplo, 66 clubes das Séries A, B, C e D do Campeonato Brasileiro fizeram algum tipo de postagem nas suas redes em alusão à data e 58 não se manifestaram.

 

São atitudes simbólicas que funcionam como respostas para opressões estruturais carregadas de violência que continuam sendo reproduzidas camufladas como piadas ou tidas como tabu. Em 2021, o Grupo LGBTQIA+ precisou entrar na Justiça contra a CBF para pedir explicações pela falta da camisa nº 24 na numeração oficial da Seleção Brasileira que disputou a Copa América.

O problema é que antes o assunto era silenciado, deixavam passar, achavam graça. Mas chega. Basta. Não cabe mais. Na verdade, nunca coube. O direito de torcer sem medo deve ser assegurado a todes, sem distinção. E esse é um objetivo possível e que deve ser exigida pela sociedade, por meio tanto de ações educativas, quanto posições ativas dos agentes do futebol para fazer com que as regras contra a LGBTfobia sejam aplicadas e os responsáveis por atos preconceituosos sejam punidos de maneira a coibir a reincidência.

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