Fonte de talentos, projeto social preenche lacuna na formação de base de clubes femininos

Na falta de escolinhas e clubes de base, o projeto social Meninas Em Campo acolhe meninas, forma jogadoras e abastece até a seleção.

Desde o ano passado, os clubes de futebol feminino do Brasil foram abastecidos por 52 jogadoras que vieram de um mesmo projeto social. Delas, 12 foram convocadas para defender a seleção brasileira sub-17. A fonte de tantos talentos chama-se Meninas em Campo, um projeto sem fins lucrativos que nasceu em 2016, fruto de uma parceria entre o Colégio Santa Cruz e o Prodhe USP (Programa de Desenvolvimento Humano pelo Esporte). 

Com o objetivo de promover a formação esportiva e a inclusão social de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos em São Paulo, o projeto que hoje atende 241 meninas acabou preenchendo uma outra lacuna existente no futebol feminino.

“Quando olhamos para esses números, nos orgulhamos muito deles. É o resultado do trabalho da nossa equipe competente. Mas também são sintomas de um problema muito maior: não existem projetos sociais suficientes de futebol feminino no Brasil”, ressalta Sofia Cesar, que atua na área de Marketing e Inovação do Meninas em Campo.

 
 
 
 
 
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O Meninas em Campo não depende de nenhum clube para manter o projeto vivo. A única moeda de troca é a visibilidade. De acordo com uma campanha idealizada pela Global Fund for Women, apenas 1,9% de todas as doações para projetos sociais no mundo são destinadas para organizações dedicadas a meninas e mulheres. E quando se trata de organizações focadas em meninas e mulheres negras, o número cai ainda mais: 0,5%.

Isso é um problema estrutural no país onde mulheres foram proibidas de jogar futebol por mais de 70 anos e mulheres negras eram – e ainda são – silenciadas pelo racismo e possuem suas vidas limitadas pela cor, gênero e classe.

Famílias em Jogo

“O impossível é temporário.” Esse é o lema que o Meninas em Campo cultiva. Para Sofia Cesar, a missão do projeto é manter o sonho das garotas sempre vivo. “Para que elas acreditem que o impossível é temporário, basta elas quererem, se dedicarem. Acho que a gente dá todas as ferramentas pra elas conseguirem atingir o sonho delas e para saberem, cada vez mais, que o impossível é, sim, temporário”.

Gabrieli Vitória é atleta do Meninas em Campo desde 2019. “Quando estou no projeto, sinto uma alegria muito grande, uma gratidão, um orgulho de fazer parte de tudo isso, que é gigantesco. Às vezes, quando estamos aqui dentro, não temos noção do quão grande ele é”, enaltece. 

Dados de 2022 do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome apontam que 21,13 milhões das famílias brasileiras vivem em situação de vulnerabilidade econômica e social. Desse total, 17,2 milhões de lares, ou 81,5%, são chefiados por mulheres. A realidade em muitos lares brasileiros, principalmente os que se encontram em situação de vulnerabilidade, demanda para a mulher o papel do cuidado.

Sofia Cesar conta que chamava a atenção o número de meninas que abandonavam o projeto ao entrarem na adolescência. “Quando a menina faz 12 ou 13 anos, a família que está em situação de vulnerabilidade, muitas vezes, precisa que ela cuide do avô, do irmão mais novo. Como o papel social da menina é o de cuidar, ela tem que abrir mão do futebol”, explica a representante do ‘Meninas em Campo’.

Foi quando surgiu o programa Família em Jogo, que abriu as portas do projeto uma vez por mês para as famílias participarem de rodas de conversas e, em algumas oportunidades, receberem doações de alimentos. Iniciativa que passou a fazer os familiares das jovens jogadoras a valorizarem mais o projeto. “Conseguimos subverter esse papel social e fazer com que as meninas permanecessem no projeto e não abandonassem o futebol só porque ela é mulher”, observa Sofia.

Profissionais do Meninas em Campo também perceberam que muitas meninas chegavam no projeto com comportamentos agressivos, como xingamentos motivados por um simples erro de passe durante o treino. Por isso, o projeto estipulou a regra de trocar os xingamentos por elogios. “‘Se uma das meninas errar a bola, a colega vai chamá-la de linda. Se chutar pra fora do gol, a outra vai se referir a ela como maravilhosa. Assim, percebemos que muitas meninas não tinham o hábito de elogiar, porque elas não são elogiadas em casa. Passa por uma reconstrução de vocabulário”, diz Sofia.

Formação para goleiras e árbitras

Além de toda construção social, o Meninas em Campo conta com uma Escola de Goleiras, na qual as atletas podem se desenvolver desde cedo na posição. “Sabe aquela discussão que ‘o gol deveria ser menor’? Na verdade, nós não precisamos que o gol seja menor, só precisamos que as garotas sejam treinadas desde mais cedo. Para a posição do gol, elas começam a se formar a partir dos 15 anos, porque ninguém tem essa frente de formação de goleiras, então acaba sendo um negócio improvisado”, lamenta Sofia Cesar, do Meninas em Campo.

 
 
 
 
 
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A Copa do Mundo masculina disputada no Catar, em 2022, foi a primeira que teve uma partida de futebol comandada por arbitragem feminina em Mundiais. Pensando nisso, o projeto visa capacitar meninas para que, no futuro, não sejam a exceção e, sim, a regra. “A gente quer começar uma escola de arbitragem 100% gratuita, em parceria com a Federação Paulista (FPF).

“Esse é um campo que falta representatividade feminina também, até porque a gente levou 70 anos pra conseguir ocupar esse espaço, 23 edições de Copa do Mundo, isso se dá muito por ausência de espaço seguro ou por falta de representatividade. Então, a Escola de Arbitragem vem pra transformar isso também”, ressalta Sofia.

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