Visibilidade e luta aumentam número de mulheres em cursos da CBF

O futebol brasileiro tem visto cada vez mais mulheres não só assistindo e torcendo, mas também jogando, comentando, narrando e trabalhando. Enquanto algumas conseguem – depois de muita luta – alcançar espaços e viver do esporte, o caminho ainda é muito tortuoso para a maioria. Ainda assim, a visibilidade daquelas que chegam estimula outras a olharem para o esporte como uma profissão ao invés de lazer.

Braço educacional da Confederação Brasileira de Futebol, a CBF Academy é responsável desde 2016 pela formação de profissionais do futebol, com mais de 50 cursos. De acordo com dados fornecidos pela entidade, o número de mulheres cadastradas em todos os cursos aumentou exponencialmente após 2019, mesmo com a pandemia. Além de licenças para treinadores, a Academy também oferece formação em psicologia do esporte, fisioterapia, planejamento de carreira, gestão, direito, marketing, entre outros.

Em 2019, a CBF Academy teve 62 mulheres capacitadas em cursos em geral. No ano seguinte, foram 318, e o número aumentou para 420 em 2021. Se antes elas eram 4% do público dos cursos, em 2020 já eram 11%. Nas licenças para treinadores, o número saltou de 18 em 2019 para 32 em 2021 – em 2020, com as licenças B e C para futsal e B para beach soccer, foram 37 mulheres capacitadas.

“O que eu percebo nas licenças C, quando as mulheres passam, elas querem se preparar. Elas querem buscar conhecimento para ter uma forma de se aproximar mais do sucesso. Tipo ‘sei que desta forma eu aumento a probabilidade de dar certo’”, avalia Débora Ventura, treinadora do Fortaleza e instrutora de futebol feminino na Licença C.

Ela, que concluiu a licença em 2016 e foi a primeira a se formar como treinadora, comemora o aumento de mulheres que buscam essa capacitação. Para ela, a visibilidade de Emily Lima, atual treinadora da seleção do Equador e ex-comandante da seleção brasileira, foi fundamental para que outras mulheres vissem que também poderiam alcançar esse posto.

“Quando eu me formei na Licença Pro, logo a Emily foi para a seleção brasileira e esse mercado deu um boom. A Fifa começou a exigir e a dar recursos para as confederações, incentivando que eles motivassem as mulheres e colocassem mulheres no cargo”, contou a treinadora.

Dificuldade de acesso

A dificuldade já começa no acesso a estes cursos e capacitações. Quando Débora começou, por exemplo, ela não teve acesso a descontos no pagamento destes cursos, algo que mudou com a criação do programa Mulheres no Jogo. Desde setembro de 2020, a CBF Academy oferece bolsas de estudo para mulheres, além de garantir que elas tenham prioridade em 20% das vagas de cada curso. Em contrapartida, as bolsistas devem ter 100% de presença obrigatória, estagiar nas unidades da CBF School e participar de eventos como voluntárias.

Ainda assim, o acesso é dificultado, principalmente em se tratando de mulheres não-brancas. Thaissan Passos, atual treinadora do time feminino do Corinthians Sub-20, lamenta que durante os seus anos de qualificações para as licenças C, B e A da CBF Academy, não tinha colegas de classe negras. “Essa é uma realidade em todos os setores da sociedade, e no futebol não é diferente”, aponta.

Entre as principais dificuldades, ela enumera a falta de oportunidades, a falta de iniciativas que apontem um cargo técnico como um possível caminho profissional, e os valores dos cursos. Uma pessoa que escolha cursar as licenças C, B, A e PRO e queira investir o próprio dinheiro, pagando o valor completo dos cursos, vai desembolsar mais de R$ 43 mil. Com o aumento do apoio à presença de mulheres, Thaissan torce para que mais se interessem em ocupar estes espaços.

“Além de buscar conhecimento e estar apta a desenvolver as funções dentro do esporte, podemos dividir o espaço com outros profissionais. Isso, cada vez mais, vai quebrando certos paradigmas em relação à falta de conhecimento da mulher dentro do futebol.”

Lindsay Camila, treinadora do time feminino do Atlético-MG e primeira treinadora a vencer uma Libertadores, também lamenta que, mesmo após todo o estudo, ainda seja difícil encontrar uma posição no futebol – seja ele masculino ou feminino. “Mesmo eu tendo me formado na Europa, tendo jogado, feito cursos, ter um tempo maior de formação do que algum menino recém-formado, quem seria contratado seria o menino que acabou de sair da faculdade e nem se especializou em futebol.”

Débora também fala sobre a dificuldade de encontrar um espaço no futebol mesmo após a qualificação. Ela chegou a ter convites de clubes, mas com ofertas salariais muito baixas. “Quando eu saio da seleção e volto para os clubes das prefeituras, a seleção não avisou que nosso período tinha acabado. A gente viu pela televisão que não estava mais. A gente ficou seis meses sem oportunidade, porque quem vai gerar oportunidade se nem sabem que a gente está no mercado?”

Lindsay fez a sua formação como treinadora na França e trabalha na área técnica desde 2006. Ela trabalhou com as categorias de base do Lyon entre 2006 e 2010, além de passagens por lugares como Luxemburgo e Dubai. No entanto, só ficou mais conhecida no mercado brasileiro ao conquistar a Libertadores Feminina com a Ferroviária. Ela diz que teve “sorte” por conseguir dedicar tempo à sua formação sem precisar se preocupar com cuidar da família, por exemplo, mas entende que esta não é a realidade de boa parte das ex-jogadoras do Brasil.

“A gente não tinha os nomes aparecendo em lugares, e isso fazia com que as atletas, ex-atletas ou pessoas que tivessem interesse em estar no futebol duvidassem se elas iam conseguir sobreviver. Infelizmente, o amor não paga as contas e não consegue pôr comida dentro de casa.”

Ela compara as formações que realizou na França e no Brasil, e comemora que, graças ao apoio dos clubes e das federações, não precisou pagar nada pelas licenças, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Lindsay tem uma licença PRO pela Uefa e licença A pela CBF. “A Uefa dá mais oportunidade, lá existem muito mais treinadoras, mais equipes, eu acredito que seja cultural. Isso vem de anos e anos. A gente, no Brasil, voltou a poder jogar na rua em 1983, enquanto em 1978 já tinha campeonato francês. Olha quão atrasada a gente está.”

Apesar de todas as dificuldades, as mulheres vão ocupando cada vez mais espaço para diminuir a desigualdade de gênero. Nesta edição da Série A1 do Brasileirão, por exemplo, são cinco treinadoras, um recorde na competição. Na gestão, na mídia esportiva e nos gramados, os números também crescem. É um movimento que veio para ficar.

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