Brasil dá adeus ao maior trio da história da seleção sem despedida

Nos últimos 18 anos, tinha sido assim. A gente falava Marta, e Cristiane e Formiga vinham junto, era quase que como um substantivo composto. Uma precisava da outra para existir. E, juntas, elas eram melhores. Juntas, elas existiram – e resistiram.

É fácil afirmar que não teria existido Marta e Cristiane se não fosse por Formiga e pelas tantas pioneiras que começaram essa história. E olhando para as características de cada uma delas, é impossível não notar que Formiga é essencial, Marta é genial, Cristiane é brilhante. Mas as três juntas são imbatíveis.

Essa conversa não é sobre resultados. Afinal de contas, elas nunca tiveram o mínimo para buscar o ouro que tanto queriam – e mereciam. É sobre história. É sobre representatividade. É sobre luta. A relação é de causa e consequência. O futebol é um sonho possível para as mulheres hoje porque Marta, Cristiane e Formiga construíram isso nos últimos 20 anos.

Tudo isso para dar a dimensão da notícia que veio na última sexta-feira, com a convocação da seleção feminina para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Esse texto não é sobre o que eu ou você achamos sobre o fato de Cristiane não estar na lista.

Pia Sundhage é uma técnica bicampeã olímpica que esteve nas três últimas finais do futebol feminino na Olimpíada e tem um currículo que dá a ela total liberdade, conhecimento e capacidade de ocupar o cargo que ocupa hoje e tomar as decisões que acha melhor.

Esse texto é para que não deixemos de perceber o impacto dessa ausência: é o fim de uma era. O adeus ao maior trio da história da seleção feminina sem chance de uma despedida.

Foram cinco Copas do Mundo com Marta Cristiane e Formiga: 2003, 2007 (o histórico vice-campeonato mundial), 2011, 2015 e 2019. Nelas, Marta se tornou a maior artilheira da história dos Mundiais com 17 gols, e Cristiane não fica muito atrás, tem 11. Se houvesse uma contagem de desarmes, pode apostar que Formiga lideraria com folga essa estatística na história das Copas.

Há 14 anos, quando chegaram à final do Mundial, elas subiram ao pódio com um faixa: “Brasil, precisamos de apoio”. Demoraria ainda uma década para o mínimo de apoio começar a aparecer.

Foram quatro edições olímpicas: 2004, 2008, 2012 e 2016. Duas pratas históricas quando o Brasil mal sabia da existência delas. Quando não havia sequer um Campeonato Brasileiro para elas disputarem. Aliás, há cinco anos, inclusive, o Brasil foi para a Rio-2016 com sete jogadoras de uma SELEÇÃO PERMANENTE, um time montado pela CBF para dar estrutura e condições básicas de treino para as jogadoras brasileiras já que os clubes por aqui não faziam isso, e a confederação pouco apoiava o desenvolvimento do futebol feminino em nível de competições. Diante de tudo isso, Cristiane se tornou a maior artilheira da história olímpica, com 14 gols.

Foto: Fifa

Não saberia dizer quantos gols de Marta tiveram passe de Cristiane ou vice-versa. Eu queria ter esses números, mas ainda bem, ao menos tenho as memórias. A dupla que se complementava dentro de campo e fazia o difícil parecer fácil. Jogavam e encantavam, enquanto Formiga fazia o serviço “sujo” lá atrás, mas também chegava ali na frente para fazer uns golzinhos de vez em quando.

O Brasil não fez por merecer ter esse trio. O país que sempre ignorou o futebol das mulheres não era digno de ter tanta genialidade em uma só geração. Elas tiveram todos os motivos para desistir. E, pra nossa sorte, persistiram.

Se hoje as novatas podem contar com a experiência de uma técnica bicampeã olímpica, o profissionalismo na gestão, a estrutura na preparação física desde a base na seleção brasileira, elas precisam ser eternamente gratas a todas que vieram antes. E especialmente a esse trio que, por duas décadas, foi o símbolo maior da luta das mulheres pelo direito de jogar futebol.

(Foto: Harry How/Getty Images)

Ainda bem que, ao menos na última Copa, tantos milhões de brasileiros tiveram a chance de ver Marta, Cristiane e Formiga em campo. Não dava para imaginar que seria a despedida, mas as três deixaram ali seus recordes: Cristiane se tornou a jogadora mais velha da história (34 anos e 25 dias) a conseguir três gols em um jogo de Copa do Mundo, superando, inclusive, Cristiano Ronaldo (33 anos e 130 dias); Marta, que se tornou a maior artilheira da história das Copas com 17 gols, superando o alemão Miroslav Klose; Formiga, aos 41 anos, se tornou recordista de Copas do Mundo, somando sete participações.

Mais do que números, fica a história. No futebol das mulheres, para sempre existirão duas eras – antes de Marta, Cristiane e Formiga, e depois de Marta, Cristiane e Formiga. E não há conquista maior do que o legado que esse trio vai deixar: por causa delas, as meninas de hoje podem sonhar.

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