São José rebaixado: o que explica a queda e qual será o futuro do clube?

Foto: Raúl Ybanez / Agência NTZ

Campeão mundial, tricampeão da Libertadores, bicampeão da Copa do Brasil e tricampeão paulista, essas são as principais conquistas do São José Esporte Clube, tradicional equipe do interior de São Paulo e que, pela primeira vez, foi rebaixado no Brasileirão Feminino A1 – desde o novo formato do campeonato, criado em 2017.

O clube de São José dos Campos fez história no futebol feminino na última década, revelando inúmeras atletas e marcando presenças em decisões da modalidade. A derrota que sacramentou a queda da equipe do Vale do Paraíba aconteceu na quarta-feira passada (03), diante do Grêmio, no Estádio Martins Pereira, com o placar final de 3×1 para as visitantes.

Após a derrota, o clube se manifestou por meio de uma nota, assinada por Renata Ferreira, Coordenadora São José Futebol Feminino. No texto, Renata se declara como uma torcedora do time e assume que o rebaixamento machuca, além de pedir desculpas a todos.

Na última rodada do Brasileirão, o São José teve mais uma derrota: 3×1 para o São Paulo em Cotia.

A campanha da equipe no campeonato nacional de 2022 acabou com o clube ocupando a 13ª posição, com 9 pontos ganhos em 15 jogos. Foram apenas 2 vitórias no campeonato, 3 empates e 10 derrotas, com 11 gols marcados e 35 sofridos.

História do futebol feminino no clube
São José que era a base da seleção brasileira ganhou o jogo por 5×1 contra o Caracas (Foto Lucas Lacaz Ruiz/Folhapress)

O time de futebol profissional de São José dos Campos foi fundado em 1957, mas o feminino só foi criado em 2001 e contou com o apoio da Prefeitura da cidade para atingir o objetivo do momento que era disputar os Jogos Abertos do Interior. Depois disso, o primeiro grande passo alcançado pelas mulheres veio em 2010, quando a equipe chegou à primeira divisão do Campeonato Paulista, No ano seguinte, o time venceu sua 1ª Libertadores da América, em casa, vencendo o Colo-Colo do Chile.

O auge das Meninas da Águia foi em 2014, com a conquista do tricampeonato da Libertadores da América e do Mundial de Clubes (sendo o único clube brasileiro feminino a ter conquistado tal feito). Muitas jogadoras experientes vestiram a camisa do São José nessa época, como Formiga, Rosana, Bagé, Bruna Benites, Andressa Alves, Fran, Lelê, Poliana, Debinha, Letícia Santos, entre outras.

Com uma boa estrutura e contando com o apoio de empresas da cidade, o time rapidamente venceu muitos campeonatos e foi competitivo nos principais torneios do país por bastante tempo. Andressa Alves, ex-atleta da equipe (entre 2013 e 2014) e que atualmente defende a Roma, declarou ao site que relembra com carinho a época em que atuou pelo São José. “A gente tinha um timaço e conseguimos conquistar grandes títulos que vou sempre lembrar. Na época, a gente tinha um apoio muito grande da Prefeitura de São José e a estrutura do clube era muito boa, na parte de treinamento e academia. O salário vinha por meio da Prefeitura e era um investimento alto, tanto é que o elenco contava com as melhores jogadora da época”, contou.

São José campeão em 2014 (Foto: Reprodução Site Conmebol)

Mas, a partir de 2019, com a obrigatoriedade imposta pela Conmebol e pela CBF, os clubes da Série A (do Brasileiro Masculino) precisaram manter times de futebol feminino (adulto e de base) e isso implicou em uma transformação no cenário da modalidade.

“O São José com o formato atual, sem absolutamente nenhuma receita, além da sustentação da prefeitura, não tem como sobreviver no cenário profissional que o futebol feminino está buscando alcançar”, afirmou Mônica Esperidião, especialista em marketing e gestão, além de CEO e co-fundadora da Womens Experience Sports. Ela avalia que o clube terá dificuldades de se manter no cenário profissional se seguir com o formato atual, contando com pouca receita e sustentação apenas da Prefeitura da cidade.

Segundo Lucas Barbosa, torcedor e membro da Torcida Uniformizada do São José, a falta de uma gestão profissional por parte do clube, acabou contribuindo com a queda. “Com a mudança no ProFut e os times grandes entrando de vez, o São José não soube se preparar, a renovação que precisava acontecer não rolou e, de quebra, tomaram decisões muito questionáveis, como afastamento de jogadoras importantes. A torcida, no caso a TUSJ da qual faço parte, cobrou sempre uma postura, mas a diretoria sempre se esquivou. Deu no que deu, né?”, revelou ao site.

Ainda analisando a gestão, Lucas também reforça a falta de transparência e proximidade do clube com os torcedores. “A gestão como um todo, afastou o clube da torcida, deixou de esclarecer muitas coisas e decisões. Deixou de considerar a realidade do clube, de tratar toda a situação da maneira que precisava ser tratada. Convenhamos, estava muito nítido, há tempos, que o São José cairia esse ano. Só aqui no Martins Pereira levou 6 da Ferrinha (em abril deste ano). Então assim, se o barco tá afundando, o capitão tem que ser proativo, né?”

Futuro do São José

Nesta temporada, o São José contou com um elenco formado por 24 atletas e 10 membros de comissão técnica. Segundo informações do clube, o São José tem o apoio da Prefeitura por meio da da LIF (Lei de Incentivo Fiscal). A lei complementar 608/2018, permite que o incentivador possa destinar 100% do seu IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) ou ISS (Imposto Sobre Serviços). Essas empresas –ou pessoas físicas– incentivadoras devem entrar com uma contrapartida no valor de 20% do imposto destinado ao projeto. Isso não impede o São José de ter patrocínios de empresas privadas – são cinco atualmente. Ainda assim, o clube é mantido majoritariamente com a verba da prefeitura.

(Foto: Adriano Fontes/Divulgação/São José)

“Um clube de futebol profissional pode se sustentar de diferentes formas de receitas, apoio do setor público, como no caso do São José, vendas de ingressos, direitos de transmissão e acordos de patrocínios, ou ainda, venda de produtos do clube – merchandising, programas de relacionamento, realização de eventos, etc. De maneira simples, se o São José busca ainda ser um clube competitivo para disputar a 1ª divisão do futebol brasileiro, seria necessária uma reestruturação no modelo do clube, que permita acordos de parceria público-privado. O rebaixamento de um clube nesse modelo, demonstra que o desenvolvimento do futebol feminino atravessa uma fase de repensar objetivos e propósitos”, declarou Mônica.

Acompanhando o time de perto nas arquibancadas, Lucas tem visão parecida. “O clube achou que continuar do jeito que estava, mesmo com todas as mudanças (na modalidade), o rio continuaria seu curso. Muito também porque nunca foi uma gestão com expertise em futebol. Claro, deu certo por tanto tempo, muito em razão das atletas, do investimento que a Prefeitura fazia (ainda investe, mas se tornou irrisório frente aos grandes clubes) e não tinha quem varresse o mercado. Aí, o São José além de ter boas jogadoras, conseguia revelar atletas através do Atleta Cidadão, muito em função, também, de dar suporte com atletas mais experientes no elenco, mesclando-as. Quando o futebol ficou mais sério, e os grandes clubes chegaram com gestões realmente profissionais, foi ficando evidente o tamanho do abismo e da diferença que faz a gestão”, analisou o torcedor.

Pensando em mudanças na gestão, o São José Esporte Clube assinou, na última semana, o memorando de intenção para a venda da SAF (Sociedade Anônima de Futebol) para uma empresa interessada. Nesse sentido, Andressa Alves vê este caminho como uma solução, mas alerta sobre a importância de manter viva a essência do clube. “É uma solução válida pra ter mais dinheiro e pagar as dívidas do clube, mas é importante não deixar o time virar apenas uma empresa”, opinou.

Mônica também pondera que o São José pode seguir diversos caminhos para seguir na ativa, mas que é preciso pensar em uma reestruturação. “Os clubes podem também escolher ser clubes de formação, desenhar projetos adequados para captação de patrocínios pela Lei de Incentivo para manter as categorias de base. O importante é ter em mente que a reestruturação é inadiável e ela precisa estar de acordo com os objetivos propostos pelo clube em questão, afinal, todos estamos buscando a profissionalização da categoria, consequentemente, é necessário pensar num formato sustentável, só assim alcançaremos o desenvolvimento tão desejado do futebol feminino.”

Para finalizar, Mônica também reforça a importância dos clubes enxergarem o futebol feminino como uma realidade que já virou negócio. “Não podemos nos basear em sempre defender o futebol feminino só como projeto de responsabilidade social, de igualdade de gênero e empoderamento feminino, o futebol como negócio literalmente está sobre a mesa na categoria e somente clubes e entidades que se enxergarem assim farão parte deste futuro profissionalizado”, finalizou.

O próximo desafio do São José na elite do futebol profissional é a disputa do Campeonato Paulista. A equipe estreia nesta quarta-feira (10), contra o Red Bull Bragantino. A partida será às 15h, no Martins Pereira, em São José dos Campos.

Leia na íntegra a nota sobre o rebaixamento do futebol feminino

São José se tornou referência no futebol feminino em um contexto totalmente diferente do atual. A equipe joseense foi campeã mundial, tricampeã da Libertadores, bicampeã da Copa do Brasil e tricampeã paulista, entre outros títulos regionais, numa época em que o esporte tinha pouco investimento e visibilidade no país.

A realidade do futebol feminino no Brasil começou a mudar em 2019, quando a CBF obrigou que os 20 clubes da Série A mantivessem um time de futebol feminino – adulto e de base, com o objetivo de incentivar a prática do esporte entre as mulheres e fortalecer a Seleção Brasileira.

Essa exigência revolucionou o futebol feminino brasileiro.

Como se sabe, a equipe joseense é mantida praticamente com recursos públicos, com limites orçamentários rígidos e regulamentados, o que torna inviável a concorrência com os grandes clubes do país, que investem alto para contratar as principais jogadoras, visando títulos.

Nesse período, o São José revelou inúmeras atletas, como Gislaine, que hoje está no São Paulo; Carlinha, que atuou por mais de 10 anos em clubes de ponta; Duda Batista, Rafa Soares, Vitória Bruna, Geisi, que passaram por categorias de base da Seleção Brasileira, entre outras.

São José segue como referência regional no esporte. A equipe acaba de conquistar o título de campeã dos Jogos Abertos da Juventude com 100% de aproveitamento e sem ter sofrido um único gol. No momento disputa os Jogos Regionais, visando a classificação para os Jogos Abertos, em outubro. E neste mês, estreia no Campeonato Paulista, com condições de realizar uma boa campanha, sendo a atual vice-campeã da Copa Paulista, quando venceu o Palmeiras em pleno Allianz Parque no último jogo da final de 2021.

Vitórias e derrotas fazem parte do esporte e o rebaixamento à Série B nacional não diminui a história construída pelo futebol feminino joseense ao longo dos anos. Pelo contrário, motiva o poder público a seguir aquele que sempre foi seu foco, o investimento responsável nas categorias de base, revelando atletas por meio do programa Atleta Cidadão, e manter o apoio à equipe principal através dos recursos advindos da LIF.

Compartilhe

Facebook
Twitter
Pinterest
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *