O Palmeiras anunciou que a primeira entrevista coletiva do clube em 2024 com a presidente Leila Pereira seria exclusiva para mulheres. A notícia sobre a ação inovadora – não apenas no Brasil, como no mundo – gerou grande repercussão e incômodo a uma parcela de pessoas ligadas ao futebol. Muitos homens questionaram o motivo da restrição a eles. Leila abriu a coletiva com a resposta na ponta da língua: “Não sejam histéricos. Não é isso que falam pra nós, mulheres, quando reclamamos?”.
A primeira coletiva de imprensa de um time de futebol só para mulheres incomodou, mas o fato de a grande maioria das coletivas terem quase 100% de homens nunca gerou qualquer questionamento por parte desses mesmos homens. “Eu gostaria que os homens sentissem em uma hora da nossa entrevista coletiva o que nós sentimos desde que nascemos”, disse Leila, a única presidente mulher de um clube de futebol de elite da América do Sul.
“Eu constantemente vou a reuniões na CBF e só tem homem, na Federação Paulista só tem homem, na LIBRA só tem homem. Eu convoco coletiva de imprensa aqui na academia de futebol, vejo 30 homens e duas ou três mulheres. Por que isso? Eu me sinto extremamente solitária”, completou. Mas esse é um sentimento compartilhado por todas as 27 jornalistas que marcaram presença na coletiva realizada na Academia de Futebol do Palmeiras.
Leila restringiu a presença de homens para fazer perguntas e incentivou que os meios de comunicação enviassem câmeras mulheres, mas quantas empresas contam com mulheres nessa função? Mesmo entre as jornalistas, havia quem estivesse em uma coletiva de imprensa do Palmeiras pela primeira vez. Outra repórter que trabalha em um canal de esportes do Al Jazira, do Catar, disse: “Talvez eu não estivesse aqui se não fosse uma pauta só para mulheres”. Alguns meios sequer tinham mulheres na sua equipe para enviar. Entre as presentes na coletiva que quiseram perguntar, a presidente fez questão de responder a todas (o que fez a coletiva durar quase 2 horas).
Ainda na apresentação, Leila também ressaltou não ser normal ter apenas uma mulher à frente de um grande clube de futebol na América do Sul. “E por que isso acontece? Porque nós sofremos diversas restrições que nos impedem de chegar onde nós podemos estar.” O anúncio programado vindo do clube mais vitorioso do Brasil nos últimos anos gerou grandes expectativas. Leila até anunciou oficialmente a extensão do contrato com o técnico Abel Ferreira no comando do time masculino por mais um ano, até dezembro de 2025. Mas o foco, definitivamente, não era esse.
“Muitas pessoas estão esperando uma notícia bombástica. Pra mim, o que é extremamente relevante é que a sociedade enxergue nós, mulheres, como pessoas que querem só ocupar lugares que temos capacidade, só queremos mais oportunidades. Esse é o motivo dessa nossa coletiva”, destacou a presidente. Antes mesmo de abrir para as perguntas, Leila tinha razão: “Sem sombra de dúvidas, este é um dia histórico para nós, mulheres”.
Coletiva só para mulheres, mas cadê as mulheres negras?
A coletiva exclusivamente feminina com a presidente do Palmeiras Leila Pereira foi histórica e muito importante para “abrir os olhos do mundo que as mulheres são capazes e precisam de oportunidades”, como ressaltou a própria Leila. Mas a Duda Gonçalves, jornalista da ESPN, foi a única mulher negra presente na coletiva e esse é um problema sobre o qual é preciso falar também. A presença das mulheres é uma pauta importantíssima, mas é fundamental que os veículos se preocupem também com a pluralidade de vozes dando espaço também às mulheres pretas – que são ainda mais raras nas redações.
Palmeiras pode dar passos maiores no futebol feminino
Leila Pereira está começando o seu terceiro ano na presidência do Palmeiras, time que se tornou o mais vitorioso no futebol masculino do Brasil. No feminino, o clube tem aumentado os investimentos em grandes nomes. Ter contado com a atacante Bia Zaneratto em 2022 e 2023 é prova disso. Mas a permanência da jogadora da seleção brasileira ainda é incerta. “Estamos negociando. Não depende só do Palmeiras, porque existe proposta de fora do país. Às vezes, são propostas irrecusáveis que não temos como segurar a atleta”, respondeu Leila.
Com ou sem Bia Zaneratto, a presidente afirmou que o Palmeiras tem, a cada ano, melhorado as instalações e reforçado o elenco do futebol feminino. Para 2024, ela afirmou que as Palestrinas jogarão na Arena Barueri, que passará por reformas, e terão a categoria sub-20. Leila também repetiu que o maior desafio da modalidade é financeiro: “O grande problema do feminino é a questão de investimento, não dá pra comparar o volume de investimento com o masculino. Direito de transmissão, nós não recebemos absolutamente nada, então temos que, todas nós, lutar para mudar isso”.
Durante a coletiva, Leila não confirmou oficialmente qual era o valor que o Palmeiras feminino estava negociando com o próximo patrocínio master, mas disse que a busca estava bem encaminhada. No dia seguinte, a presidente fechou acordo com o site de apostas Esportes da Sorte no valor de R$ 25 milhões para o time feminino até o fim de 2024, segundo Luís Rosa, colunista do Uol.
Nos últimos anos, o Palmeiras passou a figurar entre os mais fortes e com maiores folhas salariais também no futebol feminino. Ainda assim, o clube tem potencial para dar passos maiores na direção de uma maior equidade e integração da equipe feminina com as principais estruturas do clube. As Palestrinas treinam quase que exclusivamente em Vinhedo, localizado a 80 km de São Paulo e alvo de críticas de jogadoras desde 2022.
“As nossas instalações em Vinhedo são muito interessantes, as meninas gostam de jogar lá. Vinhedo é um lugar maravilhoso. Vir treinar aqui, a nossa academia de futebol não comporta, mas as vezes as meninas vêm treinar e fazer exames médicos aqui”, disse Leila, após ser questionada na coletiva. Uma resposta condizente com uma presidente pouco atuante no futebol feminino, já que a estrutura em Vinhedo nem se compara a que existe na Academia de Futebol para os homens.
Outro ponto polêmico quando se trata de futebol feminino na gestão de Leila Pereira atende pelo nome de Alberto Simão. Em janeiro de 2023, o Dibradoras publicou uma reportagem com relatos de atletas, membros da comissão técnica e funcionários do clube que denunciaram o diretor Alberto Simão por assédio moral e psicológico e abuso de autoridade. Na coletiva, Leila comentou novamente sobre as denúncias envolvendo o diretor de futebol feminino do Palmeiras.
“Nós tivemos algumas denúncias totalmente infundadas sem comprovação absolutamente nenhuma. Eu não posso ser insensível e injusta de afastar um profissional por causa de fofocas e denúncias sem comprovação. Ele é uma pessoa da minha confiança, muito responsável e eu falo quase diariamente com ele. Ele está aqui por causa disso, porque ele é da minha confiança e, até hoje, ele tem tratado muito bem o nosso futebol feminino”, disse Leila, que nunca esteve em Vinhedo para acompanhar de perto o que acontece com as Palestrinas.
Apesar de pouco atuante no futebol feminino, Leila começou 2024 levantando um debate necessário na primeira coletiva de imprensa do Palmeiras no ano. “Espero do fundo do coração que eu não precise convocar novamente uma coletiva só com mulheres para estar com mulheres aqui. Que os veículos de imprensa abram a cabeça e coloquem mais mulheres. Foi um prazer imenso estar com vocês, somos maravilhosas”, encerrou Leila, após uma conversa de 1 hora e 48 minutos de atendimento às jornalistas.