*Contribuíram com a matéria as jornalistas Ludmilla Florencio e Tayna Fiori*
Atual campeão da Libertadores (logo na primeira vez que disputou a competição) e recém bicampeão Paulista (após 21 anos do primeiro título estadual), além de duas vezes campeão da Copa Paulista, o Palmeiras tem colhido frutos desde que retomou a equipe feminina, em 2019. Fortalecendo elenco e investimento a cada temporada, os resultados recentes sugerem que o clube está no caminho certo na modalidade.
Porém, problemas internos desde a remontada volta e meia vêm à tona, e o último de grande relevância – afastamento da dupla de zaga titular em dia de jogo decisivo – deixou marcas e transbordou um copo que vinha enchendo há alguns anos. Após a saída de Agustina e Thais em setembro de 2022, o Dibradoras ouviu inúmeras denúncias de atletas e funcionários que passaram pelo clube desde 2019.
O teor dos relatos revela um possível modus operandi do diretor executivo do Palmeiras, Alberto Simão, além do staff que cuida da modalidade. Contratado por Alexandre Mattos, então diretor de futebol do clube paulista, para cuidar da montagem do departamento em 2019, quando a Conmebol passou a obrigar os clubes masculinos garantidos na Libertadores a criarem uma equipe feminina, as pessoas ouvidas pelo Dibradoras acusam Simão de assédio moral e psicológico – além de abuso de autoridade.
“O tempo que eu fiquei lá eu não desejo para ninguém”, “é um cara que não gosta de democracia”, “eu não renovaria, não tinha mentalidade para continuar”, “é um clube com nome muito forte, mas quem trabalha ali são pessoas sujas”, “ele simplesmente manipula tudo”, “estando ali dentro você aceita situações de manipulação, ele tem sempre resposta para tudo, mas tem um momento que você para de aceitar”.
Para entender a razão de todas essas frases ditas por pessoas que trabalharam com o diretor, é preciso voltar lá em 2019. O primeiro imbróglio a partir da criação do time aconteceu com a técnica Ana Lúcia, convidada por Cícero Souza (gerente de futebol) para encabeçar a retomada do time feminino no clube.
“No meu primeiro encontro com o Alberto ele falou que só conhecia a Marta, que não sabia mais nada de futebol feminino”, conta a ex-treinadora.
O início do projeto
Acompanhada da supervisora Renata Pelegatti, Ana Lúcia Gonçalves chegou ao Palmeiras com autonomia e liberdade para montar o projeto, incluindo a escolha da cidade-sede, Vinhedo, muito por conta de sua experiência neste tipo de trabalho (tendo passado por Audax e Ponte Preta, por exemplo). Não demorou muito para surgir a primeira divergência com Alberto Simão, que nunca antes havia tido experiência com a modalidade.
“Eu que contratei todo mundo. O Alberto só falava por telefone e eu e a Renata correndo atrás de moradia, alimentação. Ele viu algumas coisas pela internet, chegou a ligar num lugar que foi motel, sem estrutura alguma, não tinha nem restaurante, e fechou esse lugar. Aí eu falei para ele: ‘Se você colocar as meninas lá eu me desligo imediatamente’, ele disse que eu não faria aquilo. Na mesma época deu o incêndio do Ninho do Urubu (no Rio de Janeiro) e no mesmo momento eu liguei para o Cícero (Souza, gerente de futebol)”, explica Ana.
“Isso foi em fevereiro, o Alberto voltou para Belo Horizonte e só retornou no final de outubro. Tudo o que tinha de material lá era meu. Eu acertei com o Cícero as condições de trabalho do pessoal, até que o Alberto ligou para todo mundo da comissão e diminuiu o valor que eu tinha acertado e me disse que precisava diminuir por conta do orçamento. Isso me deixou muito decepcionada. O pessoal da minha comissão era tudo doutor, fisiologista, preparador físico, fisioterapeuta, fazíamos reuniões toda segunda. O Alberto passou a ser cobrado por GPS, plataforma de salto, exames que o médico solicitava, e ele não liberava nada. Até que na nossa terceira reunião ele parou de ir”, completa.
Além de toda estrutura e do time profissional, Ana ficaria responsável, também, pela formação de uma categoria de base. Outro assunto que técnica e diretor se desentenderam. “Ele é um cara que não gosta de democracia, ao contrário de mim. Do nada disse que não teria mais categoria de base. Eu questionei a razão, e ele me disse: ‘Porque não, porque eu não quero e nós não somos obrigados a nada’. Chegou o campeonato de base e ele sugeriu de montarmos uma peneira para ter uma equipe em duas semanas, eu disse: ‘Não conte comigo’. Então eles foram atrás do Ricardo Belli”, fala Ana.
Após passar boa parte da temporada da A2 distante do time, Alberto Simão retornou para acompanhar a partida do acesso contra a Chapecoense, jogo de volta das quartas de final, em Vinhedo. Ali, mais uma tomada de decisão do diretor que ia contra o combinado com a treinadora.
“Quando montamos o projeto, nós alugamos uma casa sede para fisioterapia, análise de vídeos. Nenhuma atleta ficaria hospedada porque tinham dois homens dormindo lá (o roupeiro e o massagista). Um dia antes do jogo do acesso, no sábado, o treinador de goleiros chegou em mim e falou: ‘Ana, o Alberto trouxe quatro atletas e colou elas lá na casa sede. Elas são menores, duas estão de muletas e duas vieram para testes, chegaram ontem’. Eu fiquei muito brava, fui falar com ele, perguntei se ele queria mandar nas minhas decisões. Ele respondeu: ‘Eu não estou louco e vai ser isso’. Na reapresentação eu chamei as meninas e contei para elas, elas ficaram doidas, nem elas podiam estar na casa sede”, afirma Ana.
“Logo depois desse fato, nós treinamos, almoçamos, chamaram a Renata lá na casa, ela voltou em 10 minutos e disse que tinha sido demitida. Logo depois fui eu, questionei o motivo, o Simão levantou e falou: ‘Incompatibilidade’ e saiu. Minha comissão ficou doida, foram falar com o Alberto, ele tentou convencer todo mundo a ficar, ninguém quis, pediram demissão tudo ali na hora”, completa.
Algumas atletas mais experientes do elenco tentaram iniciar um motim em defesa da treinadora, mas foram aconselhadas pela mesma a seguirem trabalhando. Ana optou por falar com Cícero Souza, que se desculpou e na época disse saber da integridade das profissionais, mas que “infelizmente não podia fazer nada, não podia bater de frente com Alexandre Mattos (quem levou Simão para o clube)” e que “não tinha tempo para cuidar do feminino”.
Acusação de envolvimento com doping de atletas
Ana e Renata foram desligadas do Palmeiras com um retrospecto de nove vitórias em nove jogos, 40 gols marcados, nenhum sofrido e o acesso para a Série A1. Na época, o clube justificou ser uma “readequação na filosofia de trabalho do departamento” e puxou Ricardo Belli da base para o lugar de Ana. Mas, o que saiu na imprensa era a suspeita do envolvimento da treinadora e da supervisora no caso de doping das atletas Kerolin e Vivi (pegas durante a disputa da Libertadores Feminina com o Audax, comandado por Ana Lúcia, no final de 2018).
“Tínhamos acertado com elas para jogarem no Palmeiras, avisei o Cícero do caso do doping, ele disse para eu ficar tranquila que o clube faria a defesa de ambas. Eu perguntava para o Alberto sobre o caso e ele falava que era sigiloso, foi outro desgaste grande. Ele não contratou quem eu falei que era especialista no assunto, contratou um cara de Minas Gerais que não tinha o aparelho para analisar a substância, então não ia ter como apresentar a defesa. Se eu ficasse sabendo disso, óbvio que eu ia falar com o Cícero”, conta Ana Lúcia.
“Durante o processo de doping as atletas não podem treinar, e logo que veio esse comunicado, passamos para ele (Alberto) e ele disse: ‘Vão continuar treinando normal, ninguém vai ser punido aqui’. É assim que ele agia”, completa.
Após a demissão de Ana e Renata, saiu na imprensa que, segundo relatos de pessoas de dentro do Palmeiras, ambas estariam envolvidas no caso de Kerolin e Vivi (negado pelas profissionais). A comandante tenta até hoje na justiça tirar uma publicação do ar que liga o nome das duas ao caso.
“Pedi retratação do Palmeiras, afinal, como fomos demitidas por doping sendo que isso é justa causa? Sendo que o Palmeiras defendeu as meninas? Isso acabou com a minha vida, 30 anos de futebol manchados. O tempo passou e quem ficou de errada na história foi a gente, atrapalhou nosso futuro”, diz Ana.
“É muito desafiador o futebol feminino, o projeto era meu e da Renata, fizemos parceria com Guarani, Ponte, Audax e Palmeiras, foi parceria pela minha influência política. Eu espero que seja feita justiça com toda a injustiça que foi feita comigo. Eu avisei que tinha muita coisa estranha lá. Ele (Alberto) perseguiu as atletas que eu levei, teve uma que sofreu acidente de moto e ele não fez nada, não quis pagar o tratamento, não queria renovar, a ameaçou, tirou ela dos treinos”, conclui a treinadora.
Negligência médica com atletas e festas com bebida alcoólica durante a temporada
As fontes ouvidas pelo Dibradoras reafirmam o contado por Ana Lúcia Gonçalves sobre a maneira de Simão lidar com as divergências e situações. “Na época da Ana Lúcia ele não teve uma reunião para contar o que houve, simplesmente ignorou tudo e a gente ficou perdida, mas não questionou, tinha jogo e não tinha treinador. Ele (Alberto) sempre fica em silêncio, ignora e continua como se nada tivesse acontecido”, diz um dos relatos. “Vi melhorias e problemas, e por ter melhorias, coisas que a gente reclamava, como a condição do gramado em Vinhedo que lesionava diversas atletas, ele dizia: ‘Vocês não tinham nada antes, e agora estão reclamando’. Era isso, quando a gente perdia, ele não aparecia por uma semana, quando ganhava, conversava, era mil maravilhas”, aponta outro depoimento.
Entre os relatos, acusação de suposta negligência médica por parte do clube a atletas lesionadas. Um dos depoimentos fala sobre jogadora que teria pago do próprio bolso para ter tratamento adequado.
“O clube contratou residente para nos atender. Pagamos infiltrações do nosso próprio bolso e não tivemos reembolso. Teve atleta com lesão grau 2 que precisava operar o joelho e o médico liberou para jogar. Tinha atleta lesionada usando uma única muleta, sem ter o par do apoiador, e quando você ia cobrar isso do Alberto, ele passava a te tratar diferente”, diz uma das fontes.
Outro caso de suposta negligência médica teria acontecido com a zagueira Thais, que se despediu do clube em setembro de 2022 e estava desde o início do projeto. Uma das fontes contou que a atleta teria pago do próprio bolso para tratar de uma alergia no corpo que o plano de saúde do clube não cobria. Além disso, precisava de roupa específica para treinar sob calor e sol até curar a infecção de pele e o clube não providenciou a vestimenta. “Eles são bem desumanos, não pensam na pessoa, só no desempenho”, fala a fonte.
Após conquistar o acesso para a séria A1 em 2019, a temporada seguinte trazia muita expectativa por se tratar de um dos maiores clubes do país (no masculino, até então) e com poder financeiro para investir no feminino. Porém, em 2020 o Palmeiras lidou com mais polêmicas e não avançou para as finais do Brasileirão e Paulistão.
“O grupo estava bem dividido em 2020, a comissão pagava bebida alcoólica para um grupo e o outro era excluído, tinha o grupo que dizia quem jogava, quem não jogava. Do meio de 2020 para o fim (as festas) aconteciam regularmente, era ganhar um jogo que tinha bebida para comemorar. Aí liberavam para algumas atletas um dia a mais porque chutaram o balde. A casa da comissão, o mesmo lugar que fazíamos os tratamentos, as reuniões, faziam também as festas”, conta uma das pessoas ouvidas.
No começo da pandemia da Covid-19, algumas atletas demonstraram a Alberto o desejo de ir para suas casas, ficar com suas famílias até entenderem o que aconteceria. De acordo com as fontes, o diretor fez com que elas permanecessem. “Fiquei cinco meses sem ver a minha família, porque segundo ele iríamos retornar aos treinos em 15 dias. E eu não podia reclamar, porque, segundo ele, o ‘Palmeiras pagou o meu salário’. Se acontecesse algo com a minha família, eu nunca mais iria vê-los”, diz o relato.
“Foi se criando um grupo de atletas que comandava a equipe, com tratamento diferente, percebia que o diretor comandava através do técnico, tanto que trouxe o Belli de volta. Na pandemia havia grande problema em gerenciar pessoas, teve, inclusive, duas meninas querendo cometer suicídio. Não tinha acompanhamento psicológico, disseram que tivemos acompanhamento psicológico na época e isso é mentira”, completa.
Ação de marketing e caso Stefany Krebs
Stefany, Ary Borges, Ottilia, Angelina, Rosana, Karen e Monica. As novas integrantes do time feminino do Verdão! Bem-vindas! #AvantiPalestrinas pic.twitter.com/d753DOKdmh
— SE Palmeiras (@Palmeiras) January 8, 2020
Uma das polêmicas que se tornou pública pelas jornalistas Ludmilla Florencio e Tayna Fiori na TNT Sports Brasil envolveu Stefany Krebs, primeira atleta não ouvinte a atuar no futebol de ouvintes. O clube anunciou a jogadora ao lado de outros reforços em 2020, garantindo, inclusive, totais condições de trabalho. Porém, o dia a dia mostrou uma outra face do negócio.
“A pior conduta que se teve foi do Alberto usar a imagem da Stefany em prol do marketing do clube. Eles usaram da boa vontade e do sonho dela de jogar. Falaram que teria intérprete, que cuidariam dela, nada disso aconteceu. Quem morava com ela que a ajudou. A comissão fazia descaso dela. Quando começava o treino ela era muito excluída, falavam que ela era preguiçosa, limitada e que não tinha tesão para aprender as coisas. O Ricardo (Belli) chegava perto dela, dava uns gritos na orelha dela para ver se ela ouvia. Aí claro que tomamos as dores dela, o grupo se dividiu, as brigas internas ganharam mais força”, diz um dos depoimentos.
“Chamaram uma equipe de televisão para fazer matéria sobre o caso dela e fingiram tudo. Montaram uma sala de aula para parecer que estávamos tendo aula de libras, disseram que tinha intérprete, toda estrutura para ela. Mentira”, afirma outro.
Mas não foi só o caso de Stefany que, segundo relatos, foi utilizado apenas para marketing. No Campeonato Paulista daquela temporada (2020), o Taboão da Serra foi goleado pelo São Paulo por 29 a 0. Na ocasião, Nini, capitã do time do interior, disse que a equipe sequer tinha uniforme de treino, e então o Palmeiras decidiu doar chuteiras, camisas e livros para as jogadoras do Taboão, ação que ocorreu na véspera do confronto entre as equipes.
“Nós ganhamos chuteiras da Puma de segunda e terceira linha, aí o Alberto chegou e perguntou se poderíamos doar essas chuteiras para ele fazer esse marketing com o pessoal do Taboão. A maioria não concordou porque no feminino tem muitas meninas que não têm patrocínio e diversidade de chuteira, outras doaram porque tinham outro par para usar. Um dia antes do jogo contra o Corinthians (semifinal do Paulista), o Alberto chegou no treino, reuniu todo mundo e saiu tirando camiseta para quem deu as chuteiras e falou: ‘Tem gente que está aqui mas deveria estar na merda, perderam a oportunidade de ganhar a camiseta’. Um pré-jogo contra o Corinthians, semifinal, já foi todo mundo desmotivado. Ele como diretor, fazer essas coisas, é ridículo”, aponta uma das fontes ouvidas.
Renovação de contratos e atletas selecionadas
Desde a retomada da modalidade chama a atenção o tanto de atletas que deixam o clube a cada fim de temporada. Segundo os depoimentos, a possível prática adotada pela diretoria era ignorar o assunto a cada fim de vínculo. “Em 2020 saiu uma leva grande de atletas. Não entraram em contato com ninguém na época, nem para renovar, nem para dispensar. Foi a coisa mais bizarra, eu que mandei mensagem avisando do meu desligamento”, pontua uma das pessoas ouvidas.
“Ele (Alberto) mentia a respeito das atletas, falava mal para não assinarem com outros clubes. Pareciam saídas naturais, de final de ano, muita gente não sabia o que era. Quando estamos dentro, a gente não percebe tantas coisas, mas dá pra ver quando o time enfrenta uma ex-atleta, o rancor que ela joga contra”, diz outro relato.
As fontes apontam, também, uma possível conduta inadequada do diretor com jogadoras convocadas por suas seleções. “Ele (Alberto) punia as atletas da forma dele, atleta convocada para seleção que ele não autorizou, prejudicou a menina de um sonho. Já teve caso que ele nem informou a jogadora que ela foi convocada, queimou a menina com o time nacional dela”, afirma uma das fontes.
Afastamento de Agustina Barroso e Thais Ferreira
A equipe, que ainda faz seus treinamentos em Vinhedo, no Estádio Nelo Bracalente, e em uma academia de bairro, acumulou outro momento turbulento com a saída de Agustina e Thais do elenco na semifinal do Campeonato Brasileiro Feminino de 2022, em situação polêmica, antes da partida contra o Corinthians, por uma suposta briga pela braçadeira de capitã – naquele dia, os pais da atleta argentina estavam no Brasil pela primeira vez para acompanhar uma partida da filha, na qual ela não conseguiu atuar.
“Ele (Alberto) sempre dá um jeito de virar a situação, de fazer parecer que você é louca. Ele disse para a Agustina que ela teria que ir para um psiquiatra porque estava com problemas psicológicos, mas ela nunca teve esse diagnóstico por parte de um profissional. Que ele usaria isso para justificar o afastamento dela, que ela tinha que se tratar. Em uma reunião, a Thais falou que ele estava muito errado e pediu para sair do clube (seria o ponto alto de um acúmulo de situações vividas pela própria zagueira e outras companheiras de trabalho), mas ele não liberou, ela não foi treinar, ficou esperando uma conversa com o Belli (Ricardo) e com o Alberto, como essa conversa não aconteceu e ela ainda era atleta do clube, parecia que tudo estaria certo para o jogo contra o Corinthians, mas chegou na hora e as duas não estavam nem relacionadas”, conta uma das fontes ouvidas.
Outras afirmam que tanto o diretor quanto o técnico Ricardo Belli tinham possíveis práticas xenofóbicas com Agustina – Alberto, inclusive, teria reclamado de ter que conversar com o irmão e empresário da atleta por conta do sotaque argentino. “Nos treinamentos o Ricardo (Belli) menosprezava a Agus, xingava ela, dizia que argentina não prestava, que argentina só servia para bater, que era tudo porra louca, que não tinha consciência, era tudo esquentadinha. A Agus ali dentro sofreu muito abuso psicológico, me surpreendeu ela ter ficado todo esse tempo”, diz uma das fontes ouvidas.
Estes possíveis problemas dentro do clube não ficavam somente focados em uma atleta. As supostas falas preconceituosas eram direcionadas para todas que confrontavam o diretor. Até mesmo para as jogadoras que estavam desde o começo do projeto que retornou em 2019, como a própria Thais.
“Ele falava que tirou a Thais da favela, que ela era ‘uma negra de favela’. Algumas situações eram bem pesadas (…). Tem jogadora que não entrava numa sala sozinha com ele, porque sabia que ele ia atacá-la com palavras”, aponta um dos relatos.
“A Agustina passou muita coisa lá dentro, e as coisas pioraram para a Thais quando ela se aproximou mais da Agus. A Thais passou a não querer mais ficar nas festas, parou de beber, dizia que estava se cuidando mais por influência da Agus, e a Agus sempre cobrou da diretoria responsabilidade das atletas por conta dessas festas. A Thais era queridinha do Alberto, e isso mudou”, afirma uma das pessoas ouvidas pela reportagem.
“Ocorreu uma briga muito grande em relação a matéria da Stefany, porque não defendemos a diretoria, sendo que tudo era verdade. Recebi muitas mensagens de várias pessoas que saíram do clube, elas não falaram com medo do que podiam fazer e do futuro delas”, aponta em exclusiva.
Mesmo com a evolução e crescimento da categoria, a possível falta de apoio deixava muitas atletas com receio de se manifestarem. Por isso, algumas ignoravam os acontecimentos dentro do Palmeiras para se preservarem. O medo falava mais alto: “conta as coisas para você ver o que acontece”.
Os primeiros problemas expostos foram relacionados com a história do time em 2019 e 2020, mas as histórias novas foram dos últimos anos, principalmente 2022. Ao longo das entrevistas da diretoria e da presidente Leila Pereira, o Palmeiras afirma que houve um crescimento e um investimento muito maior na categoria. O clube até mesmo conseguiu novos patrocinadores que foram importantes para a conquista da Libertadores e do Paulista Feminino na última temporada.
No entanto, fora das quatro linhas, o pedido é só um: “Cuidem das meninas que não tiveram voz. Parece que as erradas sempre somos nós. Cuidem das meninas”. Ao se desligarem do clube, muitas dessas fontes relatam acompanhamento psicológico para superarem o abuso sofrido enquanto estiveram por lá.
“O que me deixa em paz é que a verdade em algum momento aparece”, diz uma das pessoas entrevistadas. “Eu achei que tinha construído uma carreira bonita ali, mas foi destruída”, fala outra. “Ignoraram minha saúde mental, tive crise de ansiedade pela primeira vez na minha vida, foi o pior ambiente que eu já vivi na minha carreira profissional”, completa mais uma. “Ele manipula as meninas, usa elas como escudo. As meninas são vítimas de um processo. Ali dentro você precisa ter cuidado do que fala e como fala”, conclui.
O clube foi procurado em setembro do ano passado e informou que “as supostas denúncias veiculadas pelo site da TNT foram feitas, segundo a própria reportagem, com base em relatos de profissionais que haviam saído do clube e não quiseram se identificar. À época, Simão conversou com a direção do clube e apresentou provas de que as acusações não correspondiam à realidade. A seriedade do projeto do time feminino do Palmeiras não permite ilações. Cabe salientar que o Ministério Público acompanhou todos os trâmites e ratificou a ótima estrutura oferecida às atletas”.
Procurado novamente em dezembro de 2022 – desta vez pelo Dibradoras – para se posicionar contra as denúncias recentes retratadas pelas fontes, o Palmeiras disse por meio de sua assessoria de imprensa que não iria comentar o assunto.
ATUALIZAÇÃO
Na manhã de sexta-feira (06), o Palmeiras emitiu uma nota oficial em resposta aos relatos divulgados. Segue abaixo:
“A Sociedade Esportiva Palmeiras repudia as acusações levianas, feitas em sua maioria por fontes anônimas, contra os profissionais do nosso time feminino de futebol, em especial o diretor Alberto Simão.
O clube desenvolve um trabalho competente e sério com essa modalidade, como atestam as recentes conquistas da Conmebol Libertadores e do Campeonato Paulista, além da chegada de cinco novos patrocinadores ao longo da temporada de 2022.
O Departamento de Futebol Feminino cumpre com rigor todos os seus compromissos, conta com colaboradores extremamente capacitados em diferentes áreas e, a cada ano, recebe mais investimentos com o intuito de proporcionar às atletas uma estrutura cada vez melhor.
Críticas são bem-vindas e contribuem com o aprimoramento do projeto, contanto que não tenham o revanchismo como norte. Denúncias e insinuações sem fundamento contra a agremiação e seus dirigentes precisam ser provadas por quem as faz; do contrário, não passam de difamação.
O Palmeiras e o diretor Alberto Simão tomarão todas as medidas judiciais cabíveis para salvaguardar a honra da instituição e de todos os profissionais injustamente atacados.”
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