(Foto: Divulgação)
Tóquio 2021 foi realmente um marco na vida de Beatriz Ferreira. A boxeadora se tornou a primeira brasileira da modalidade a chegar à uma final olímpica, virou ainda mais referência dentro do ringue e se tornou recentemente “personagem da Disney”.
“Você viu? (risos). Eu fiquei super emocionada, foi muito bonito, muito legal”, diz a atleta, integrante da campanha da Disney Princesas em mais uma edição do “Histórias que Inspiram”. O exemplo que inspirou Bia no projeto foi a da princesa Mulan. “Eu parei pra pensar e a história tem tudo a ver comigo, me identifiquei muito. Acredito que vou incentivar outras crianças a praticarem esportes”, completa.
Depois da prata conquistada na última Olimpíada, muitas pessoas tiveram o interesse de conhecer a vida de Bia Ferreira e descobriram, por exemplo, que sua relação com o boxe vem de berço (influência do pai, Raimundo Ferreira, mais conhecido como “Sergipe”). O que poucas pessoas sabem é que foi de um momento bem difícil da vida pessoal da atleta que a modalidade se fez ainda mais presente, quase que como uma necessidade.
+ ELE QUERIA UM MENINO PARA SEGUIR SEUS PASSOS, MAS VEIO UMA CAMPEÃ MUNDIAL
Início
Bia era adolescente quando seus pais se separaram. Àquela altura da vida, ela já tinha muita familiaridade com o boxe, mas tudo ainda pela diversão.
“Comecei a treinar muito cedo, era criança, 4 anos de idade. Começou a mudar meu pensamento quando meus pais se separaram, ali eu vivi um momento muito ruim, era a filha mais velha, minha irmã tinha 5 anos, ela não entendia que meu pai tinha saído de casa e pra explicar era difícil, eu também não entendia direito, queria que eles voltassem o mais rápido possível e ao mesmo tempo achava que era melhor eles estarem separados por conta das brigas. Então foi aí que comecei a me entregar mais aos esportes (quase sempre luta)”, explica a pugilista.
“Ali eu pensei: ‘Por que não pegar o boxe pra ser uma profissão?’. Ao mesmo tempo que o boxe me estressa, ele me desestressa (risos). É surreal quando estou lutando. Quando eu não quiser mais isso profissionalmente, provavelmente eu não vou parar de fazer como lazer”, completa.
Bia se tornou parte da equipe brasileira há 5 anos. Neste período, a atleta acumula mais de 29 conquistas, entre elas a prata em Tóquio 2020, o ouro no Mundial de 2019 e o recente vice-campeonato no Mundial de 2022.
“Consegui fazer seletiva em janeiro de 2016, a titular da minha categoria era a Adriana (Araújo) e em fevereiro de 2017 fui convocada para a vaga. Dali em diante minha vida mudou, todos os campeonatos eu quero trazer medalhas, só não trouxe no meu primeiro Mundial, na Índia, mas ali eu prometi pra mim mesma que ia ser campeã no próximo, e em 2019 aconteceu, foi surreal”, conta Bia, que em seguida avisa: “Eu gosto de prometer as coisas e cumprir, e está dando super certo (risos)”.
A obstinação pela vitória
Falar com Bia é se deparar o tempo todo com frases como “estou focada”, “vou buscar a vitória”, “quero a medalha de ouro”, tudo relacionado a conquistas. Nunca em tom de superioridade, mas sim resultado de um trabalho duro e sério.
“É difícil pra caramba ser uma atleta, é difícil pra caramba conseguir os resultados que eu consegui, foi difícil pra caramba chegar aonde estou hoje. Eu tive que abrir mão e abdicar de muita coisa. Fiquei longe da minha família, dos meus pais, adoeci sozinha, mas eu tinha um objetivo”, diz Bia.
Natural de Salvador, a baiana sempre teve o apoio dos pais. Mas, nos momentos de dificuldades, sempre decidiu se virar sozinha. “No meu primeiro campeonato eu fui punida por 1 ano e demoraram 1 ano para me responder. Ou seja, fiquei 2 anos parada e eu não tinha recurso nenhum. Eu dei aula de boxe pra ter verba e continuar treinando, o boxe sempre me salvou. Eu nunca quis pedir nada para os meus pais, eles sempre trabalharam duro para me dar as coisas”, explica Bia.
“Eu lembro disso tudo quando eu subo no ringue. E quando eu subo no ringue e tem uma adversária, eu vendo muito caro a minha derrota porque eu sei de tudo o que eu passei pra estar lá. Eu sou ambiciosa por vitória, por medalhas, isso é meu mesmo”, completa.
Tóquio 2021 e a busca pelo ouro olímpico
Na madrugada de 8 de agosto de 2021, o Brasil não dormia para ver a luta de Bia. Na semifinal a brasileira tinha passado pela finlandesa Mira Potkonen, que havia conquistado o bronze na Rio-2016.
Mesmo agressiva e confiante, não abdicando de lutar, Bia não levou o ouro. Por decisão unânime, os juízes deram a conquista para a irlandesa Kellie Harrington.
“Até hoje eu não consegui ver a luta, eu fico nervosa, parece que a luta não aconteceu, eu fico com uma adrenalina surreal. Eu estava bem consciente lá, sabia que eu tinha ganhado o primeiro e o segundo rounds. Poderia ter dado empate, eu sabia que ela estava tendo uma pontuação boa, mas eu fui pra cima, ela chegou a cair, mas não sei como eles (juízes) não viram isso. Quando eu estava no ringue foi uma surpresa, eu acreditei que eu tinha levado”, comenta a atleta.
“Mas, é aquilo, na hora fiquei muito triste, tinha batido na trave. Você ser prata dói mais do que você ser bronze porque você estava a um passinho do ouro. Mas é isso, acontece, a gente ganha e perde, a gente não pode é se contentar com a derrota”, completa.
Então, veremos Bia Ferreira em Paris 2024. Pela última vez em uma Olimpíada, será? “Eu acho que sim. Eu coloquei na minha mente que Tóquio era minha última Olimpíada, mas me deixou com aquele gostinho de quero mais, desde lá eu venho pensando nisso, treino pra isso, sei que tenho capacidade e boxe pra brigar pelo ouro”, explica a pugilista.
Trabalho mental e inspiração para a nova geração
Tamanha ambição e dedicação exigem não só uma entrega física, mas mental também. A natureza de Bia já transparece uma mulher consciente e pés no chão, e ela ainda faz questão de se cercar de bons profissionais que a ajudam na questão psicoemocional.
“O atleta é muito extremo, a gente sente muito as coisas e esse sentir demais pode atrapalhar durante a preparação. Eu estou desde 2016 na equipe e aprendi que é bom conversar, é bom ouvir outras pessoas, é bom entender. Hoje eu consigo me entender melhor, mas não o suficiente pra não precisar de ajuda e aí eu vou atrás das pessoas que eu confio pra conversar. Não dá pra ser campeã sozinha, tem um monte de gente que me ajuda a colocar os parafusos no lugar”, explica a atleta.
“Uma coisa é certa: Não podemos ficar muito feliz com a vitória e nem muito triste com a derrota, temos que agir. Eu passei por poucas derrotas, mas as que passei me serviram de combustível”, completa.
O nome de Beatriz Ferreira já está escrito e documentado no esporte brasileiro. Daqui em diante a boxeadora espera que outras representantes femininas também tenham condições de chegar aonde ela já chegou.
“Eu fico muito feliz de estar contribuindo com a história do boxe feminino, de estar fazendo parte desse crescimento. Nós somos boas, e por quê não? Ainda sofremos esse preconceito de que boxe é coisa de menino. Se você se empenha, o resultado vem, independentemente do gênero. Tem pais que vêm falar comigo perguntando se (o esporte) não é muito agressivo pra filha fazer e eu tento explicar ao máximo pra incentivar. Graças a Deus eu sempre tive o apoio da minha família e isso fez muita diferença na minha trajetória. As atletas brasileiras lutam de igual pra igual com qualquer país que tenha mais investimento que a gente. Mostro que não é fácil, tem que aprender a viver sem muitas coisas, mas por um propósito que vale muito a pena”, aponta a atleta.
“Eu nunca imaginei o que o esporte e o boxe, poderiam me proporcionar e hoje eu sou muito feliz vivendo tudo isso, faria tudo de novo, me dedicaria até mais. Eu tento incentivar isso: persista, insista e não desista”, finaliza.
Histórias que inspiram
No vídeo que conta sua história, Bia Ferreira relembra seu início no esporte, quando tinha apenas 4 anos, e o papel fundamental que seu pai desempenhou em sua formação dentro da disciplina. Força de vontade e coragem são traços marcantes na história de Bia, que muito se assemelham à jornada da princesa Mulan.