*Editado às 17h
Desde que o presidente Ednaldo Rodrigues assumiu o cargo na CBF, o discurso que a confederação tem pregado é de que o futebol feminino é uma prioridade na gestão. No entanto, em ano de Copa do Mundo delas, as atividades das categorias de base das seleções femininas de futebol estão travadas pela entidade.
Nesta semana, acontece a Liga de Desenvolvimento Sub-14 e Sub-16 na sede do Nova Iguaçu Futebol Clube, com as principais equipes do Brasil disputando o título. São jogadoras de vários estados diferentes tendo a chance de jogar um torneio nacional, uma etapa imprescindível da formação das atletas. Seria o momento ideal para observações da comissão técnica da seleção sub-17 para mapear novos talentos que poderiam vestir a camisa amarelinha. Mas a CBF não liberou verba para custear a ida da técnica Simone Jatobá para acompanhar a competição.
Não é um caso isolado. No ano passado, por exemplo, que era ano de Copa do Mundo sub-17, a seleção feminina da categoria teve poucos jogos preparatórios para o torneio. Detalhe: desde a competição, que aconteceu em outubro de 2022, a CBF não liberou nenhuma outra convocação para atividades da seleção sub-17.
O cenário da sub-20 não é muito diferente. A seleção que conquistou o bronze na Copa do Mundo da categoria em 2022 e que cedeu várias jogadoras para a seleção principal – as zagueiras Lauren e Tarciane, a lateral Bruninha e a atacante Aline Gomes são exemplos dessa última data Fifa – também não teve liberação da CBF para a convocação prevista para o mês de abril. Em fevereiro, as atletas conseguiram se reunir em Sorocaba para uma semana de treinos e foi só.
A reportagem procurou a CBF, que se manifestou por meio de nota (a íntegra está ao final da matéria):
“Não é verdade que a presidência da CBF não tenha aprovado a ida da técnica da Seleção Sub17, Simone Jatobá, na Liga de Desenvolvimento Sub 14 e Sub 16, a fim de observação de jogadoras, por motivos de custo e logística (…). Coordenação de Seleções considerou que não havia tempo suficiente para aprovar a ida da técnica. Além disso, a coordenadora irá realizar algumas reformulações nas seleções femininas de base, e a viagem em questão não seria adequada nesse momento. Já no que diz respeito à convocação da seleção Sub-20, a coordenação de seleções avaliou que não era estratégico este investimento, além do que causaria interferência no Campeonato Brasileiro.”
Sem liberação para observações
Um dos papéis mais importantes das comissões técnicas da sub-17 e da sub-20 é garimpar talentos. O Brasil é um país de dimensões continentais e há boas jogadoras surgindo em cada canto dele. Só que para descobrir essas atletas, é preciso que os treinadores das seleções de base possam acompanhar os jogos da categoria.
No entanto, há um entrave burocrático para isso acontecer. A liberação de verba de logística para representantes da comissão técnica da sub-20 acompanharem jogos do Campeonato Brasileiro da categoria foi tardia. No caso da sub-17, a competição está acontecendo sem que haja membros da comissão técnica acompanhando os jogos in loco.
Foi em competições como essa, da categoria sub-16, que Simone Jatobá descobriu a centroavante que depois representou o Brasil na Copa do Mundo da categoria. Jhonson jogava pelo Toledo, equipe paranaense, na competição, e a treinadora pôde observá-la nesses jogos e convocá-la para o Sul-Americano e o Mundial (foi o destaque da seleção no torneio).
Sem aprovação para convocações – mesmo que só para treinos, sem amistosos -, as seleções sub-17 e sub-20 ficam paradas, sem atividades, e sem mapear/lapidar novos talentos que podem, num futuro próximo, servir a seleção principal.
E tudo isso depois de o Brasil ter tido bons desempenhos nos Mundiais Sub-20 e Sub-17 em 2022, mesmo sem a preparação ideal. Falando em resultados, a seleção sub-17 foi campeã sul-americana, e a conquista do título rendeu uma premiação ínfima para a comissão técnica atual – o valor pago pela CBF foi menor do que um salário mínimo, apenas R$ 890.
Desenvolvimento é travado pela própria confederação
Toda vez que tem uma Copa se aproximando, volta a discussão sobre o Brasil não conseguir fazer frente às seleções mais fortes do mundo no futebol feminino. Isso se deve muito à falta de investimento e ao boicote que a própria CBF fez (e faz) à modalidade por décadas. O investimento nas categorias de base, algo trivial para desenvolver e lapidar novos talentos, demorou muito a acontecer. E ainda hoje é bastante limitado.
As seleções de base costumam ser deixadas de lado pela confederação após os Mundiais da categoria. Aconteceu também em 2019, quando tanto a sub-17, quanto a sub-20, passaram quase um ano inteiro sem técnicos. A CBF decidiu demitir quem comandava as duas seleções em 2018 e só anunciou substitutos em agosto de 2019. Ou seja, por quase um ano, não houve convocações, observações ou qualquer trabalho feito para mapear novos nomes na base do futebol feminino.
As competições nacionais de futebol feminino só começaram a acontecer em 2019 – e isso por causa do dinheiro do legado da Copa do Mundo de 2014 designado pela Fifa para ser investido especificamente na base da modalidade. Foi só aí que surgiu o Brasileiro Sub-18 e Sub-16 (que atualmente são o Brasileiro Sub-17 e Sub-20).
Até mesmo a Liga de Desenvolvimento Sub-14 e Sub-16 que é bancada com dinheiro enviado pela Conmebol (e é apenas organizada pela CBF) quase não saiu. A competição era pra ter acontecido em dezembro de 2022, mas a confederação brasileira postergou o torneio por conta da Copa do Mundo masculina. Depois, era pra ter sido em janeiro deste ano e, no fim, só foi viabilizada agora em abril por conta de uma parceria com o Nova Iguaçu Futebol Clube, que cedeu a estrutura para a realização da competição – e a divulgação de tudo aconteceu em cima da hora.
Prioridade?
Outra demanda antiga para a CBF é a criação de uma seleção feminina sub-15. Há pelo menos quatro anos existe esse planejamento na entidade, mas ele nunca saiu do papel. Em entrevista às Dibradoras, a coordenadora de seleções femininas, Ana Lorena Marché, afirmou que em 2023 seria criada a equipe sub-15, mas ainda não há confirmação sobre quando isso irá acontecer.
Trocam-se os presidentes, mantém-se o discurso das últimas gestões de que ‘futebol feminino é prioridade’, mas, na prática, a própria confederação segue boicotando a modalidade.
Na semana passada, em coletiva de imprensa para a Finalíssima, a técnica Pia Sundhage mencionou em uma resposta sobre a possibilidade do Brasil sediar a Copa do Mundo de 2027 o fato não ter uma seleção feminina sub-15. A treinadora da Inglaterra, Sarina Wiegman, ficou surpresa com a informação.
“As meninas de 14, 15 anos que querem representar a seleção, na Inglaterra, na Suécia, elas podem, mas não no Brasil”, disse Pia.
“Espero que o Brasil tenha uma seleção sub-15 assim que possível, porque vocês precisam disso. Estou surpresa que não tenham. E um pouco decepcionada”, afirmou Sarina, a comandante da Inglaterra.
Apesar dos avanços conquistados nos últimos quatro anos, é triste perceber que quem comanda o futebol brasileiro ainda trava o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil. A base tem tudo pra vir forte, é só garantir o mínimo de investimento para ela.
Abaixo, a Nota de Esclarecimento enviada pela CBF na íntegra:
Não é verdade que a presidência da CBF não tenha aprovado a ida da técnica da Seleção Sub17, Simone Jatobá, na Liga de Desenvolvimento Sub 14 e Sub 16, a fim de observação de jogadoras, por motivos de custo e logística. Muito pelo contrário, a CBF vem autorizando todas as solicitações que chegam por parte da Gerência de Seleções, referentes a todas as categorias do futebol feminino.
As decisões tomadas pela Gerência de Seleções Feminina, ocorreram com base em avaliações técnicas e estratégicas dos responsáveis da área. Mas nada do que foi solicitado deixou de ser aprovado.
Em relação à participação da técnica Simone Jatobá, da Seleção Feminina Sub17, na Liga de Desenvolvimento Sub 14 e Sub 16, a Coordenação de Seleções considerou que não havia tempo suficiente para aprovar a ida da técnica. Além disso, a coordenadora irá realizar algumas reformulações nas seleções femininas de base, e que a viagem em questão não seria adequada nesse momento.
Já no que diz respeito à convocação da seleção Sub20, mais uma vez não é verdade que a presidência não tenha aprovado a convocação. Todas as solicitações enviadas em relação à amistosos da seleção Sub20 e de outras categorias foram, igualmente, aprovadas.
Houve, por parte da Gerência de Seleções, a opção de não realizar a convocação, já que não haviam partidas previstas e seria apenas um período de treinamento em Sorocaba. A coordenação de seleções avaliou que não era estratégico este investimento, além do que causaria interferência no campeonato brasileiro. Em nenhum momento houve interferência na decisão dos responsáveis pela seleção feminina, que tem plena autonomia para tomar decisões e gerir as categorias do futebol feminino.
Reiteramos, então, que tudo que chegou à presidência da CBF, por parte da Gerência de Seleções do futebol foi aprovado na íntegra.