Após quase 100 anos, mulheres quebram mais uma barreira na Copa: o apito também é delas

(Foto: B/R Football)

Noventa e dois anos: esse foi o tempo necessário para que pudéssemos ver um trio de arbitragem feminino em uma partida de Copa do Mundo. O feito aconteceu nesta quinta-feira (01) quando, pela primeira vez a FIFA, convocou mulheres para fazer parte do quadro de arbitragem da competição.

No pontapé inicial do jogo entre Costa Rica e Alemanha – válido pelo grupo E – a francesa Stéphanie Frappart, a mexicana Karen Diaz Medina, a brasileira Neuza Back e e a quarta árbitra Said Martinez, de Honduras, ocuparam um espaço que nunca havia sido concedido à elas na tradicional competição de futebol que acontece desde 1930. Além delas, a canadense Kathryn Nesbitt esteve na equipe do VAR.

“É incrível este momento da arbitragem feminina na Copa do Catar. Desde a Copa da Alemanha (em 2006) se cogita a participação de mulheres, inclusive uma francesa foi convidada para participar do processo seletivo, porém não foi aprovada nas avaliações. Hoje voltamos a ter uma francesa, extremamente profissional e com uma dedicação incrível, com condicionamento físico de dar inveja a muitos homens, e que também possui conhecimento técnico e experiência de grandes jogos masculinos”, comemorou Ana Paula Oliveira, Presidente da Comissão de Arbitragem da Federação Paulista de Futebol.

Quem é Stéphanie Frappart
Árbitra Stéphanie Frappart durante a EURO 2017 na partida entre Noruega e Dinamarca (Foto: ©Sportsfile)

Stéphanie Frappart tem 37 anos e faz parte do quadro de árbitros da Federação Francesa de Futebol (FFF) desde 2014. Em abril de 2019, ela teve a oportunidade de apitar, pela 1ª vez, um jogo de Primeira Divisão na França. O confronto foi entre Amiens e Strasbourg pelo Campeonato Francês Masculino.

Na época, em entrevista à AFP, Frappart disse que a escolha dela para atuar na primeira divisão foi um “reconhecimento de sua competência”. “Eu não quero receber benefícios ou ser escalada na Ligue 1 porque sou mulher. O que estou conseguindo agora é reconhecimento pelo meu trabalho”, afirmou.

Em agosto do mesmo ano, Frappart quebrou mais uma barreira quando apitou o duelo masculino entre Liverpool e Chelsea válido pela final da Supercopa da UEFA. Ela foi a primeira mulher a arbitrar uma decisão da competição europeia (antes dela, a suíça Nicole Petignat apitou três jogos da fase de qualificação da Taça UEFA, entre 2004 e 2009).

 

No futebol feminino a árbitra francesa também tem bagagem. Frappart apitou a final da Copa do Mundo Feminina, em Lyon, entre Estados Unidos e Holanda. Antes disso, Frappart já havia atuado como árbitra na Copa do Mundo Feminina de 2015, no Canadá, e no Mundial Sub-20 de 2018, apitando inclusive a final entre Espanha 1×3 Japão.

Em 2020, Stéphanie conquistou mais um feito: atuou no jogo entre Juventus e Dínamo de Kiev, se tornando a primeira árbitra a apitar uma partida da Liga dos Campeões. Neste ano, ela também se tornou a primeira mulher a comandar uma partida do Real Madrid, que venceu o Celtic pela Champions.

Neuza Back
(Foto: Liamara Polli / CBF)

Aos 38 anos, Neuza já coleciona experiência na arbitragem. Nascida na cidade de Saudades, em Santa Catarina, a profissional é filiada da Federação Paulista de futebol (FPF) e tem mais de 100 partidas na Série A e B do Campeonato Brasileiro. Neuza se formou em Educação Física e faz parte do quadro de árbitros da Fifa desde 2014.

A assistente atuou também no Mundial de Clubes FIFA de 2020, na primeira arbitragem completamente feminina da competição, ao lado da árbitra Edina Alves Batista. Além disso, também formou o primeiro quarteto feminino a apitar um jogo da CONMEBOL Libertadores em 2019. A árbitra assistente tem ainda no currículo a participação nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio, e 2021, em Tóquio.

No Mundial do Catar, Neuza já havia atuado como quinta árbitra em outras duas partidas e como Offside VAR no confronto entre Irã e Estados Unidos. Nesta quinta-feira (01), a assistente fez a sua estreia em campo.

“Falar da Neuza é chover no molhado. Uma mulher que possui uma determinação incrível, muito estudiosa, procurou superar todas as barreiras da melhor forma possível por meio do trabalho no campo de jogo. Se há uma árbitra preparada, esta árbitra é a Neuza. Estou muito feliz, pois estamos trabalhando juntas desde 2014 e de lá para cá Neuza só evoluiu. Esta escala (na Copa) é uma realização de um sonho, é fruto de muito trabalho. Meritocracia pura!”, declarou Ana Paula ao site.

Karen Díaz Medina
(Foto: Imago7)

Mexicana, nascida na cidade de Aguascalientes, Karen tem 38 anos, é formada em Engenharia Agroindustrial e estreou na arbitragem profissional em 2009, quando atuou na Primeira Divisão do futebol nacional em 2016, em duas finais e uma Campeã dos Campeões da Liga MX.

Ela é árbitra FIFA desde 2018 e participou de eventos internacionais relevantes, com destaque para os Jogos da América Central e do Caribe em 2018, Copa do Mundo Sub-20 Concacaf 2018, Copa do Mundo Sub-17 da Concacaf 2019, Pré-Olímpico Feminino 2020, Copa Árabe da FIFA, classificação para o Campeonato da Concacaf para a Copa do Mundo Feminina e para os Jogos Olímpicos, Campeonato Concacaf Sub-20 de 2022, Eliminatória masculina da Concacaf para o Catar, eliminatória feminina da Concacaf de 2022, a Liga das Nações e o Campeonato Feminino da Concacaf de 2022.

Em outubro deste ano, a Federação Mexicana de Futebol parabenizou Karen pela conquista do Prêmio Nacional de Esportes de 2022, na categoria de arbitragem. O prêmio é concedido pela Comissão Nacional de Cultura Física e Esportes (Conade), do Ministério da Educação Pública (SEP) de seu país.

Com o feito de hoje, Karen se tornou a primeira mulher mexicana a atuar em uma Copa do Mundo. Antes de fazer parte do trio principal jogo entre Costa Rica e Alemanha, Karen já havia atuado como suplente em outras três partidas: Marrocos x Croácia, Portugal x Gana e Austrália x Tunísia.

Mulheres ainda são minoria, mas começam a ganhar espaço

Atualmente, 227 profissionais fazem parte do quadro de árbitros da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Um número até bastante expressivo, mas quando o recorte de gênero é feito, o resultado não é nada animador: apenas 30 mulheres fazem parte desse grupo.

 

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Como árbitros assistentes, o número das mulheres é maior, mas ainda muito discrepante se comparado aos homens: entre 381 profissionais, 288 são homens e 93 são mulheres.

O número total de homens que atuam na arbitragem da Confederação Brasileira (principais e assistentes) é quase cinco vezes maior do que o número de mulheres: 535 contra 123 postos ocupados por elas.

Em 2019, a Federação Paulista de Futebol (FPF) contava com 400 árbitros em seu quadro e apenas 14 eram mulheres. Na época, a Federação lançou turma exclusiva para mulheres em seu curso de arbitragem com o objetivo de fomentar a participação feminina nos quadro da entidade.

O primeiro grupo chegou a participar das aulas, mas por conta da pandemia, o curso precisou ser suspenso. Por enquanto não há previsão de uma nova turma feminina, mas a escola de árbitros tem feito um trabalho de divulgação direcionado para atrair mais mulheres para o curso de arbitragem que a FPF realiza desde 1953 em parceria com a Escola de Árbitros Flavio Iazzetti.

Brasileiras são pioneiras na arbitragem
Léa Campos se tornou a primeira árbitra mulher do futebol mundial (Foto: Acervo Pessoal)

A primeira árbitra de futebol reconhecida pela FIFA é brasileira. Ela se chama Léa Campos e no final da década de 60 já havia concluído o curso de arbitragem, mas não tinha tido a oportunidade de apitar uma partida.

Depois dela, foi Silvia Regina quem fez história na arbitragem brasileira. Ela foi a primeira mulher a apitar jogos da elite do campeonato brasileiro masculino, clássicos e competições internacionais, como a Sul-Americana. Em 2008, quando se aposentou, Silvia Regina foi convidada para trabalhar na FPF e para fazer cursos especializados pela FIFA para atuar como instrutora de árbitros e de instrutores também.

“Fiz meu primeiro curso nos anos 80 por curiosidade e fui gostando, participando de jogos amistosos e apresentações. Naquela época era uma coisa extraordinária uma mulher ser jogadora de futebol ou árbitra. Ver uma mulher no campo de jogo era um espetáculo apenas para atrair a curiosidade das pessoas”, contou às Dibradoras em 2019.

Silvia Regina na FPF (Foto: Rodrigo Corsi/FPF)

Por mais de 20 anos, Silvia Regina apitou jogos amadores e, pela FPF começou a fazer partidas oficiais. Daí em diante, a carreira se projetou muito rápido. Ela relembra que, naquela época, entrava em campo buscando fazer o melhor, sem pensar que se tornaria pioneira ou um exemplo para tantas outras mulheres. E somente quando se aposentou dos gramados é que percebeu que se tornou uma referência.

“Depois que parei de apitar foi que comecei a refletir. Revi meu currículo, as partidas que fiz e parecia que não era eu. Vi aquela mulher apitando clássicos, como São Paulo e Corinthians, com grandes jogadores em campo e aí eu pensei: ‘olha o que eu fiz, olha o legado que vou deixar para as pessoas que querem ser árbitros de futebol.’ É possível, é só você gostar muito e se dedicar a isso”, afirmou.

Para Silvia Regina, as mulheres de hoje têm consciência de que é possível exercer a profissão de árbitra, mesmo que a aceitação ainda não seja maior do que anos atrás. “A procura tem sido maior e a preparação delas para estar nesse ambiente também. Hoje elas estão melhores preparadas do que nas décadas passadas.”

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