Alex Scott dribla proibição e faz mundo ver o protesto que a Fifa quis evitar

Desde muito antes da bola rolar, a Copa do Mundo Masculina de 2022 no Catar foi alvo de críticas devido às violações de direitos humanos no país-sede. Após discursos sobre união e tolerância na cerimônia de abertura, a Fifa ameaçou punir com cartões amarelos jogadores que utilizassem braçadeiras da campanha One Love, que protestava contra “todos os tipos de discriminação” no país.

Diante da ameaça, as sete federações envolvidas no protesto que teria jogadores usando os acessórios desistiram da manifestação. Mas a ex-jogadora e atual apresentadora e comentarista Alex Scott apareceu no gramado do palco do jogo de estreia da Inglaterra na Copa em transmissão da BBC vestindo a braçadeira. Enviada ao Catar, a ex-lateral-direita, que defendeu a seleção inglesa em 120 jogos e marcou 12 gols, não comentou a decisão publicamente e deixou a imagem falar por si só.

É importante lembrar que, embora o futebol masculino ainda seja um ambiente hostil às comunidades LGBTQIAPN+, o futebol feminino nasce e se desenvolve em um lugar de resistência ao machismo, racismo e LGBTfobias. Scott, uma das ex-jogadoras negras que questionou a falta de diversidade racial na seleção inglesa que conquistou a Euro feminina em julho, ocupa um espaço importante na TV britânica ao comandar o Match of the Day, um dos principais programas esportivos da emissora, além de ser comentarista em jogos de futebol masculino e feminino.

Scott, que prefere não rotular a própria sexualidade e evita falar muito sobre o assunto em público, escreveu em sua autobiografia que o seu “primeiro amor” foi a ex-companheira de Arsenal e seleção Kelly Smith. Ao jornal Mirror na época do lançamento, meses antes da Copa, ela afirmou que não poderia deixar essa parte da sua vida de fora. “Para mim, é como uma primeira história de amor, eu me apaixonei louca e profundamente. E sim, tem o coração partido e tudo o mais, mas foi uma grande parte da minha vida e eu não mudaria isso”.

Cobertura crítica à Copa

A BBC, rede pública de comunicações e principal veículo britânico, faz uma cobertura bastante crítica à realização da Copa no Catar. A emissora escolheu não transmitir a cerimônia de abertura e, em vez disso, passou o clássico entre Chelsea e Tottenham pela WSL, a liga de futebol feminino do país. Antes da vitória do Equador sobre o Catar por 2 a 0, a emissora exibiu uma série de matérias sobre os problemas da escolha do país-sede, a morte de milhares de trabalhadores imigrantes na construção dos estádios e as leis que criminalizam pessoas LGBTQIAPN+.

Já o jornalista estadunidense Grant Wahl revelou que, ao chegar para cobrir a partida, a segurança do estádio exigiu que ele retirasse a camisa com o símbolo do arco-íris para entrar no local. Ele conta que, ao se recusar a trocar de camisa, seguranças tomaram o seu telefone e o detiveram por cerca de meia hora, até liberarem a sua entrada. A justificativa era de que estariam o “protegendo” de possíveis agressões por parte de torcedores, que poderiam se incomodar pela camisa. A comentarista Claudia Neumann da rede pública ZDF, da Alemanha, também foi ao estádio vestindo uma camisa com as cores do arco-íris. Ela vestiu a camisa e uma braçadeira durante a partida entre EUA e Gales.

https://twitter.com/dw_sports/status/1594768722115411976

A organização Sports Media LGBT+, formada por profissionais da mídia esportiva britânica que são membros da comunidade, se pronunciou após a proibição da braçadeira. “Membros da nossa rede, inclusive alguns que estão trabalhando no torneio no Catar, estão chocados com as táticas de bullying da Fifa e desolados com a desistência das federações devido à pressão. Esta era uma oportunidade de se posicionar e mostrar solidariedade com pessoas LGBTQ+, especialmente com aqueles que vivem no Catar.”

A campanha One Love

Nos últimos meses, os capitães das seleções da Inglaterra, País de Gales, Bélgica, Holanda, Suíça, Alemanha e Dinamarca usaram a marca da campanha em amistoso que precederam o Mundial. No entanto, na manhã desta segunda-feira (21), a Fifa ameaçou a punição com cartões amarelos para quem entrasse em campo exibindo a marca da campanha.

“Como federações nacionais, não podemos colocar nossos jogadores em uma posição na qual eles podem sofrer sanções esportivas, incluindo cartões amarelos, então pedimos que os capitães não tentem usar as braçadeiras nos jogos da Copa”, diz o comunicado divulgado pelas federações.

Harry Kane usou a braçadeira de capitão com a campanha One Love no amistoso contra a Itália em setembro. Foto: Divulgação

A campanha One Love foi lançada em setembro de 2020 pela seleção holandesa, com adesão posterior de outras federações europeias. A iniciativa já havia sido criticada no passado por escolher não usar as cores do arco-íris da bandeira LGBTQIAPN+ e, ao invés disso, criar um design próprio. A justificativa é de que ela representa a luta contra “todo tipo de discriminação” – embora já exista a versão progressista do Orgulho, que inclui a bandeira trans e as cores marrom e preto para representar a diversidade racial dentro da comunidade.

Após a proibição da Fifa, a ONG Football v Homophobia (Futebol contra a Homofobia) também se pronunciou sobre o caso. “A decisão da Fifa de efetivamente proibir as braçadeiras durante jogos da Copa no Catar distancia ainda mais as nossas comunidades e um torneio no qual já nos sentíamos indesejados.”

Repressão no Catar

Esta não foi a única medida da Fifa e do comitê organizador da Copa para coibir manifestações de apoio aos direitos das comunidades LGBTQIAPN+ no Catar. Antes do jogo entre Estados Unidos e Gales, na tarde desta segunda, torcedoras do time europeu que levaram chapéus com as cores do arco-íris, denunciaram que funcionários da segurança do estádio Al Rayyan confiscaram os acessórios.

A ex-jogadora galesa Laura McAllister divulgou imagens que mostram o momento em que ela tenta entrar no estádio com o chapéu e é barrada pela segurança. Após um debate, ela é filmada saindo do local. Em entrevista à ITV, outra emissora detentora dos direitos de transmissão, ela contou o que aconteceu. “Eu não ia tirar o meu chapéu, e acho que outros torcedores sabiam que algo assim poderia acontecer. Alguns guardas disseram que tínhamos que tirar o chapéu, e quando perguntamos o motivo, disseram que era um símbolo banido e não poderíamos usá-lo no estádio.”

https://twitter.com/ballsdotie/status/1594784934367199233

No Catar, a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo é proibida por lei, com pena máxima de sete anos de prisão. De acordo com a Anistia Internacional, no Artigo 296 do Código Penal do país, “conduzir, instigar ou seduzir um homem de qualquer maneira a cometer sodomia” e “induzir ou seduzir homens ou mulheres de qualquer maneira a cometer ações ilegais ou imorais” é um crime.

 

Apesar de antes da Copa do Mundo a organização do evento ter sugerido que aceitaria torcedores e atletas LGBTQIAPN+, a Fifa e o Catar reinforçam que não existe um interesse em usar a Copa como uma ferramenta para promover a inclusão no país. Isso, somado à morte de milhares de trabalhadores, coloca a Copa do Catar como uma das mais controversas da história.

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