A despedida da jogadora Formiga, de 43 anos, da seleção brasileira contou com diversos ingredientes na noite de quinta-feira (25), na Arena da Amazônia em Manaus. A partida pedia festa, homenagens e casa cheia, afinal, a jogadora mais longeva da história do futebol brasileiro daria adeus à camisa verde e amarela, que serviu com total comprometimento por 26 anos.
Quando o Torneio Internacional de Futebol Feminino foi anunciado, em 9 de novembro, a CBF declarou que os jogos em Manaus serviriam como preparação para a Copa América. E, no primeiro duelo diante da Índia, Formiga se despediria da seleção. E pronto, esta foi a informação mais relevante sobre os amistosos.
Desde o anúncio dos jogos, algumas coisas deram bastante errado. Começando com a demora na definição do horário e transmissão das partidas até informações sobre a venda de ingressos para o público. Essa negociação de direitos (que não é feita pelo departamento de futebol feminino) emperrou a divulgação do jogo, que só começou a ser feita na terça-feira pela manhã. Falamos sobre isso aqui no site, no dia 23 de novembro (terça-feira), dois dias antes dos jogos.
Formiga vestirá pela última vez a camisa da @SelecaoFeminina na quinta-feira e, até agora, a 2 dias do evento nenhuma informação sobre ingressos para o jogo na Arena da Amazônia. Mais um capítulo do descaso da @CBF_Futebol com o futebol feminino. https://t.co/vYZSQ0cEGd
— Dibradoras (@dibradoras) November 23, 2021
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É inadmissível o atraso na divulgação de um evento que marcaria o adeus de uma jogadora do tamanho de Formiga. Além dele, os preços cobrados pelos ingressos (R$ 80,00 o mais barato) e a pouca distribuição gratuita prejudicou e muito o espetáculo tão esperado. Era a 1ª vez na história que a CBF se prestaria a homenagear uma jogadora e, mesmo com mulheres ocupando cargos importantes na gestão da modalidade – especialmente Duda Luizelli, como Coordenadora de Seleções -, algumas decisões dependeram do aval de pessoas que têm, de fato, o poder da caneta na entidade.
É importante salientar que a CBF vive uma crise institucional pesadíssima com a suspensão do então presidente, Rogério Caboclo, até março de 2023, após denúncias de assédio sexual por parte de uma funcionária da entidade. Com isso, Ednaldo Rodrigues, ex-presidente da Federação Baiana de Futebol, assumiu a cadeira do antigo dirigente e ficará no cargo até abril de 2023.
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Com toda essa mudança estrutural, o futebol feminino também sentiu os efeitos em sua gestão. Caboclo usava a modalidade como uma de suas bandeiras e, sob seu comando, o futebol delas avançou bastante (equiparação no valor das diárias e o patrocínio exclusivo às mulheres foram algumas das conquistas mais importantes) – obviamente que nada disso apaga a acusação grave que ele sofreu e pela qual foi corretamente afastado.
Diante do novo comando, algumas decisões demoram mais para ser avaliadas e aprovadas. E foi nessa esteira de acontecimentos que se organizou a despedida de uma das maiores jogadoras da seleção brasileira.
Direto de Manaus, pudemos acompanhar a preparação de um evento bonito para o adeus de Formiga. Vídeos comemorativos, placas de homenagem, camisa especial e presença da família no estádio (até mesmo o aval para trazer os parentes de Formiga da Bahia até Manaus exigiu uma “luta” interna para aprovação) foram alguns componentes necessários para dar o toque especial que o momento pedia.
A FAMÍLIA DA FU CHEGOU! Pela 1ª vez, Dona Celeste (71 anos) vai assistir um jogo de sua filha no estádio! Ela veio de Salvador para acompanhar a despedida de Formiga, junto com Nina (assessora), Taila (sobrinha), Edinalva (amiga da família) e Erica (esposa da Fu). QUE LINDO! pic.twitter.com/ZNmFisyQXg
— Dibradoras (@dibradoras) November 25, 2021
Mas algumas coisas ainda ficaram faltando. Marta, companheira de Formiga por décadas na equipe brasileira, que estava convocada para atuar ao lado da camisa 8, não se apresentou à seleção na data estipulada alegando problemas pessoais. Como era possível dar adeus à Formiga sem a presença de Marta? Além da camisa 10, Cristiane também foi outra jogadora que compôs o trio mais vitorioso da história do futebol feminino e, sem ter a chance de se despedir da seleção, a camisa 11 não foi convocada para os Jogos Olímpicos de Tóquio e também não foi incluída nos planos do jogo de despedida de Formiga.
Dias antes de seu último jogo acontecer, Formiga afirmou em entrevista coletiva que sentiria falta da presença das amigas. “Elas fazem parte da minha história, duas guerreiras que vêm ao meu lado lutando por melhorias e, nesta reta final, não faz sentido elas não estarem presentes. Espero que num futuro próximo a gente esteja vestindo a mesma camisa em prol da modalidade”, declarou. Muitos outros nomes que estiveram com ela por vários anos nessa trajetória também não estiveram presentes.
Formiga lamentou as ausências de Cristiane e Marta na sua despedida:
“Fico feliz de iniciar esse momento de homenagem. Espero que outras possam ter esse privilégio também. Uma Cristiane também, que ela possa ter uma despedida merecida pelo tanto que fez e continua fazendo + pic.twitter.com/n3lB3Kd6bu
— Dibradoras (@dibradoras) November 24, 2021
A despedida: pouco público e 15 minutos
Diante de tanta desorganização, da falta de divulgação e da demora para começar a venda de ingressos (além do preço muito caro), o resultado pôde ser observado na Arena da Amazônia. Três mil cento e noventa e quatro pessoas estavam presentes no estádio – que tem capacidade para receber mais de 44 mil torcedores e tinha liberação para receber 30 mil por conta das restrições da Covid.
Calor da torcida e apoio da arquibancada não faltou, mas Formiga merecia mais e, se isso não aconteceu, a culpa é exclusivamente da CBF e seus responsáveis (em diversos setores dentro da entidade) que não trataram o evento com a grandeza que deveria.
Antes mesmo da bola rolar, soubemos que Formiga jogaria apenas nos minutos finais – como praxe em muitas despedidas de jogadores de futebol. Mas é importante dizer: para a comissão técnica, o torneio – realizado em Data Fifa – serviria como jogos preparatórios para a Copa América e para Formiga se despedir apenas na primeira partida.
Com a decisão tomada pela treinadora Pia Sundhage em colocar a grande estrela da noite nos minutos finais, estava claro que tudo aquilo que envolve campo e bola é exclusivamente decidido pela comandante. E até aí tudo certo e muito justo.
Mas diante de tudo que foi exposto aqui (atraso na divulgação do horário dos jogos e das venda de ingressos, preço alto para os torcedores, ausência de nomes importantes em campo, presença da família de Formiga, especialmente a mãe que a veria jogar pela 1ª vez em um estádio) talvez seria de bom tom premiar os presentes na Arena, a família e a própria Formiga com um pouquinho mais de carinho. Até porque, um amistoso contra a Índia, que ocupa a 57ª colocação no ranking da Fifa, nem pode ser considerado um teste de verdade para o Brasil – o placar evidenciou isso: 6 a 1.
Nas arquibancadas, a comoção foi geral quando a camisa 8 não foi anunciada entre as titulares. No segundo tempo, a voz que ecoava era “Formiga, cadê você, eu vim aqui só pra te ver”. E eles a viram somente aos 31 do segundo tempo, acenando para o povo antes de entrar e se posicionando dentro da área, querendo deixar seu golzinho. Ela bem que teve duas boas oportunidades, mas a bola não entrou.
Ao final da partida, todas as homenagens foram feitas. Marta apareceu de surpresa, entregou flores para a companheira e fez um discurso pra lá de emocionante. Formiga foi reverenciada dentro de campo e muito aplaudida, tietada e amada pelas pessoas das arquibancadas. Manaus entregou amor para Formiga, mas se fosse melhor organizado e houvesse mais tempo, entregariam o dobro, o triplo…
Após a partida, era inevitável não perguntar sobre Formiga e o pouco tempo que a atleta teve em campo. Quem fez a primeira pergunta foi Isabela Damazo, questionando se a escolha da treinadora foi tática. Pia começou respondendo a pergunta em português, declarou que ela era a melhor, mas se esquivou de responder, de fato, o que foi perguntado.
Na sequência, Renata Mendonça repetiu a pergunta, pedindo uma explicação mais clara. E a resposta veio em um tom mais sério e contido: “O motivo pelo qual a Formiga jogou 15 minutos é porque ela não está no futuro da seleção. E nós temos que construir esse futuro.”
Perguntamos por que Pia não começou o jogo com Formiga e só utilizou a camisa 8 nos últimos 15min: “O motivo pelo qual a Formiga jogou 15 minutos é porque ela não está no futuro da seleção. E nós temos que construir esse futuro. Ela jogou e quase fez gol, foram 15 min incríveis” pic.twitter.com/2q6aZeNg6C
— Dibradoras (@dibradoras) November 26, 2021
De fato, a lendária dona da camisa 8 não faz parte do futuro da seleção em campo mas, sem ela, nem haveria futuro. Ela merecia um pouquinho mais do tempo de agora para dar um adeus mais justo. O jogo da última quinta-feira (apenas ele) marcou a despedida para uma atleta que fez muito pelo Brasil no passado e no presente.
É uma pena que a entidade (presidente, dirigentes, coordenadoras e a treinadora) não souberam dimensionar o valor que Formiga tem. Quem nunca duvidou do tamanho de Miraíldes Maciel Mota foram os milhares de torcedores que viveram as emoções desses últimos dias em todos os cantos do mundo.