Medalhista olímpica, Luisa Stefani fala de lesão: “Não me permito ficar pra baixo”

No caderninho de metas de Luisa Stefani, um tópico, com certeza, não estava presente. Durante aquela que considera sua melhor fase da carreira, a tenista sofreu uma grave lesão na semifinal do US Open e precisou passar por cirurgia. Ao lado de sua dupla, a canadense Gabriela Dabrowski, Luisa quebrava uma escrita de 53 anos sem brasileiras em semifinais do US Open – a última havia sido Maria Esther Bueno, também em Nova York, em 1968.

O bom momento no Grand Slam sucedeu a histórica medalha de bronze olímpica que Luisa conquistou em Tóquio ao lado de Laura Pigossi. Forçada a pausar a trajetória de sucesso, a paulista de 24 anos opta por usar este momento para ampliar os horizontes e projetar outras possibilidades da profissão.

“Durante a minha lesão a minha ideia é conseguir fazer parte de alguns projetos, mexer mais pauzinhos já que tenho mais tempo. Conseguir representar o Brasil já é uma maneira de ajudar na evolução do tênis. Quando eu for para o Brasil quero ir em alguns projetos, academias, motivar mais crianças. Já tenho alguns planos em mente, nos próximos meses devo conseguir estar mais presente”, conta a atleta, que começou no tênis “por acaso”.

(Créditos: @wander_imagem)

Início

Luisa e sua família se mudaram para os Estados Unidos buscando melhores caminhos no tênis. Ela e o irmão Arthur, hoje treinador deste mesmo esporte, sempre tiveram o apoio dos pais para seguir na modalidade. “A gente fazia vários esportes: futebol, natação, taekwondo, vôlei, handebol. Competíamos até xadrez em casa. Quando íamos para a praia na casa dos nossos avós, jogávamos frescobol e a minha mãe não conseguia jogar, então ela se inscreveu numa aula de tênis para aprimorar a coordenação e poder jogar com a gente. Ela gostou e também nos colocou, eu ia uma vez por semana, aos sábados, com um grupo de crianças e fui me apaixonando”, conta a atleta.

A identificação com o tênis foi tanta que Luisa guarda na memória um presente muito especial que ganhou dos seus pais de Natal. “Eu tinha 10 anos quando comecei a jogar. Com 12, 13 anos eu já competia Sul-Americano. Me lembro que em um Natal meus pais me deram a inscrição na Federação Paulista de Tênis, foi um dos presentes mais legais que recebi, lembro até hoje do sentimento”, diz a tenista.

A aptidão com a raquete era nítida para quem assistia a garota jogar. De tanto ouvir “dá uma chance para a Luisa que ela tem talento”, Alessandra e Marcelo decidiram levar toda a família para morar nos Estados Unidos. “Eles mudaram a vida deles para dar a oportunidade de jogarmos tênis. Nos EUA fui apresentada a uma outra realidade, ficamos aqui como família e isso foi uma grande diferença porque o momento de transição, 12, 13 anos é muito difícil, e ter a família do lado foi essencial”, afirma Luisa.

“Passei quatro anos estudando, jogando torneios e me formei no Ensino Médio. Fui para a faculdade de publicidade com a ideia de ganhar tempo, experiência. Inicialmente o plano era passar um ano, jogar por lá, trancar e voltar para o circuito profissional, fazer minha carreira e voltar para a faculdade, mas eu gostei tanto que fiquei mais dois anos e meio nessa universidade jogando tênis e estudando”, conta a jogadora.

“Foi uma transição difícil na época, não sabia se ia para a faculdade ou não, mas financeiramente era uma pausa para os meus pais porque ir para o tênis profissional é um esporte muito caro, você precisa bancar muita coisa, praticamente paga para jogar até chegar num nível alto”, completa.

Sonho x Remuneração

O lado financeiro do tênis muitas vezes é um empecilho na vida do atleta que pratica este esporte. No Brasil, por exemplo, não se vê grandes incentivos por parte do governo e nem campanhas de apoio que levem a modalidade às escolas e/ou faculdades. Outro agravante é que no tênis o atleta demora a ser remunerado.

“Uma das primeiras coisas é a visibilidade, as pessoas assistirem mais, se interessarem mais, entenderem que é possível. Fora mudanças sistemáticas, mais meninas jogando, torneios no país para os juvenis evoluírem, fazerem a transição para o profissional e irem mais longe. Depois da Olímpiada conseguimos trazer mais isso, pessoas assistindo, torcendo junto. Eu lembro quando eu morava em São Paulo o número de quadras diminuiu bastante, as academias são privadas, o equipamento é caro, não é um esporte tão fácil de acessar. Fora do Brasil tem 10 quadras públicas em cidades minúsculas”, diz a tenista.

“No profissional é um dos poucos esportes que nenhum atleta tem salário garantido, não é igual o jogador de futebol, de vôlei. No tênis você recebe pelos seus resultados, se você chega na primeira rodada, recebe o preço de uma primeira rodada, se você ganha um torneio, recebe o valor do título. Quem tem patrocinador, recebe de patrocinador, mas não são todos os atletas que têm, então você se vira”, completa.

(Créditos: @raygiubilo)

Dificilmente um tenista profissional chega à sua independência financeira sem algum tipo de suporte durante esse processo. No caso de Luisa, foram os pais. “Durante boa parte da minha carreira foi ‘paitrocínio’, ajuda da minha família mesmo. Além de você não ter uma equipe, um time que vai bancar suas despesas, como no esporte individual, tudo são suas despesas, viagens, alimentação, treinador, time, é tudo na sua conta. No juvenil você não é pago, na maioria dos casos, até você ser Top 100 na simples, 80 nas duplas, geralmente você tá pagando para jogar”, aponta a atleta.

“Quando passa na TV as pessoas só veem os torneios grandes, acham que o tenista tem muito dinheiro, isso é 1% porque a maioria, até chegar no topo, está ralando sem garantia. Eu, lesionada, não estou jogando torneio, então tecnicamente se eu não fizer outras coisas, não ganho dinheiro. É uma transição muito difícil, degrau por degrau, custos altos e remunerações não suficientes. A maioria dos tenistas se viram”, lamenta.

Ascensão

Hoje 9ª colocada no ranking de duplas da WTA – sua melhor colocação na carreira –, Luisa trilhou passos conscientes com metas bem estabelecidas. Isso inclui abrir mão de uma proposta para apostar em outra. “Eu fui do juvenil para o tênis universitário, o que não é muito comum para os brasileiros. Para mim foi muito boa essa escolha, mas a parte financeira é uma dificuldade grande, bancar um circuito o ano inteiro, viagens, encontrar uma equipe que funciona para você. O circuito universitário e o profissional podem ser solitários, é um esporte individual, você tem que ser muito independente, principalmente na quadra”, explica a atleta.

Desde 2018 atuando no sub-profissional, foi no ano seguinte que Luisa migrou do simples para as duplas, onde segue até hoje. “Em 2019 joguei meu primeiro Grand Slam em Roland Garros, foquei mais em duplas por causa da diferença de ranking, aos poucos meu simples foi caindo, em duplas foi subindo. 2019 foi um ano incrível, quebrei várias metas, cheguei no Top 100, fiquei mais em grandes torneios, me tornei mais independente financeiramente, era importante para mim conseguir com o tênis me bancar com meus próprios torneios e rotinas. Eu não tinha patrocinador, fui conquistando meu espaço até chegar a pandemia, que foi super complicado, com incertezas. Já esse ano de 2021 foi mágico, tive os melhores momentos da minha carreira, a Olimpíada, a medalha com a Lau (Laura Pigossi), outros ótimos resultados e até momentos mais difíceis”, diz Luisa.

A metodologia de uma campeã passa por todo um processo de planejamento individual e de equipe, como explica a tenista. “Minhas metas no tênis tento deixá-las bem claras, ponho prazos para atingir. Atualmente são: ser número 1 de duplas, ganhar um Grand Slam, ir a Paris 2024, voltar a jogar simples e aí chegar ao Top 100 (isso talvez demore um pouco mais). Também tenho metas fora da quadra, como devolver um pouco para o tênis tudo o que ele me proporcionou e estou vivendo, ajudar o tênis feminino, motivar as próximas gerações, trazer as duplas um pouco mais para o mapa, valorizar mais, é uma coisa que quero fazer. É importante ter essas metas claras e específicas”, explica a atleta.

“Ano passado tracei como meta atingir as Olimpíadas, estava difícil e chegou. Tenho a visão de onde quero chegar, mas não me preocupo tanto com elas para não virar uma decepção”, completa.

Como suporte, além da família, amigos e equipe, Luisa se apega ao trabalho com a psicóloga. Segundo ela, é importante cuidar da mente nas diferentes fases da vida. “Comecei no final do ano passado, me ajudou muito a conversar mais sobre como eu estava me sentindo, tanto dentro quanto fora de quadra. No momento de pandemia muitos torneios foram na ‘bolha’, ou seja, hotel, torneio, hotel, sem tempo para sair, andar, ficou tudo muito mais intenso. Eu recomendo para todo mundo, na minha opinião é você se abrir mais, colocar seus pensamentos para fora. Muitas vezes eu tinha dificuldade de me expressar, falar dos meus sentimentos, e atletas de alta performance tem tanta pressão, frustrações, lesões, é importante sempre ter alguém para conversar, que entenda do assunto”, afirma Luisa.

Fase difícil como aprendizado

Tudo vinha caminhando muito bem para Luisa, alguns pontos até excedendo as expectativas. Tóquio 2020 chegou de uma maneira surpreendente e terminou melhor ainda.

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“Entramos de última hora, foi a surpresa da vida receber a ligação de que tínhamos entrado. Foi um sonho, uma oportunidade linda que caiu do céu. A nossa meta era trazer o ouro para a casa, a gente não pensou muito no que ia acontecer. Uma coisa que a gente fez muito bem foi viver no presente, no momento, aproveitar cada experiência, a Vila Olímpica, o sentimento de estar lá, cada momento era muito especial. A gente não estava muito preocupada com o que ia acontecer, a gente só fez o nosso melhor a cada dia, cada momento, aproveitou bastante”, conta a jogadora.

“Toda a energia da competição em si foi suficiente para nos ajudar a alcançar as metas, a meta estava lá (na verdade era mais um sonho do que uma meta) e sabíamos muito claramente o que íamos fazer. Foi um passo de cada vez. Eu sabia que era possível, mas era muito distante”, completa.

As barreiras continuaram a serem quebradas. Depois dos Jogos Olímpicos de Tóquio, Luisa (ao lado de Gabriela Dabrowski) venceu seu primeiro título de WTA 1000 no Open de Montreal e caminhava para chegar à sonhada conquista de Grand Slam, quando se machucou no US Open de Nova Iorque.

“Esse ano tive a primeira lesão grave da minha carreira. Talvez no meu melhor momento, lutando pela primeira final de Grand Slam, talvez meu primeiro título, me sentindo muito bem fisicamente, mentalmente, tudo indo super bem e do nada esse susto”, conta a tenista.

“Eu sempre fui uma pessoa muito positiva, otimista, talvez seja uma das minhas maiores qualidades, de não me preocupar muito quando as coisas não vão bem e achar o lado bom rápido ou naturalmente. Na hora da lesão, por mais que seja uma coisa difícil de engolir, eu já consegui pensar nos próximos passos, o que ia precisar fazer para cuidar, ficar saudável. Para mim é muito ‘é o que é, a gente faz o melhor, agradece o que tem’. Às vezes o mais difícil é eu deixar me preocupar, deixar eu ficar para baixo, eu falo ‘hoje tá difícil, deixa você sentir um pouco, depois você volta’. Eu aceito as coisas como elas são, passo por elas e no final tudo vai dar certo”, completa.

De olho no futuro

A cirurgia no joelho direito de Luisa completou um mês no último dia 27. Ainda sem prazo para voltar às quadras, a tenista trabalha duro na recuperação. “Estou fazendo fisioterapia desde que saí da cirurgia, tenho melhorado bastante. É difícil dizer quando volto porque depende muito da recuperação, tenho metas da fisioterapia, a recuperação é puxada, parece que estou treinando mais do que quando estava jogando (risos). É um aprendizado, um momento diferente, estou animada com o progresso até agora”, conta a jogadora.

Uma pequena pausa na trajetória de conquistas daquela que hoje representa muito bem o tênis brasileiro feminino. No início da sua carreira, foi difícil encontrar mulheres como inspiração, e é isso que Luisa quer mudar para as novas gerações.

“Eu não tenho um ídolo. No tênis o meu jogador preferido é o Federer, que cresci assistindo. Mas eu me espelho e admiro muita gente, várias jogadoras com qualidades diferentes. As nossas meninas Bia, Teliana, Laura Pigossi, Carol Meligeni, eu torço muito, a gente se apoia, se ajuda, admiro a luta delas porque sei o quanto é difícil e o quanto elas querem também. Acho que a gente conseguiu elevar ainda mais o tênis brasileiro, me inspira muito ter uma geração super positiva crescendo, se ajudando e elevando o nível do tênis brasileiro”, finaliza a tenista.

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