Pia faz autocrítica sobre Olimpíada e quer ataque com estilo mais ‘brasileiro’

Antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio começarem, quando foi perguntada sobre qual era o objetivo da seleção feminina na competição, a técnica Pia Sundhage respondeu que seria “chegar às quartas-de-final”. Parecia uma resposta protocolar, afinal, a treinadora bicampeã olímpica e três vezes finalista dos Jogos deveria almejar mais do que isso.

Não é que não almejasse. Mas Pia sabia da dificuldade que o Brasil havia enfrentado em todo o ciclo olímpico. A pandemia de Covid afetou o mundo todo e todas as seleções, mas a brasileira acabou um pouco mais prejudicada pela forma como o país lidou com a doença. Com os casos ainda se multiplicando por aqui, a seleção não conseguia amistosos contra adversários mais fortes e chegou a ter que passar as datas Fifa de abril somente com treinos na Granja Comary. Considerando tudo isso, Pia preferia ser mais conservadora nas previsões. E ela chegou a dizer em entrevista ao Dibradoras: “Somos a zebra, mas chegando às quartas, tudo pode acontecer”.

Brasil foi eliminado nas quartas-de-final contra o Canadá (Foto: CBF)

O Brasil chegou às quartas e enfrentou um adversário conhecido, para o qual nunca havia perdido sob o comando da sueca. E seguiu sem perder, mas acabou eliminado pelo Canadá nos pênaltis. Ao final da disputa, a treinadora ficou mais tempo no gramado, parecia estar realmente abatida com o que havia acabado de presenciar ali.

Na primeira entrevista coletiva depois dos Jogos Olímpicos, perguntamos a ela sobre o que passou em sua cabeça naquele momento. Pia Sundhage não escondeu a autocrítica e disse que “poderia ter feito melhor” em Tóquio

“Depois do apito final e do último pênalti foi muito difícil. Muito triste. Foi pesado porque eu decepcionei muita gente que estava comigo. Porque eu acho que havia uma diferença tão pequena…e eu sou parte da diferença e gostaria de ter feito melhor”, afirmou.

Os últimos dois jogos do Brasil, contra Zâmbia, ainda na primeira fase, e contra o Canadá nas quartas-de-final ficaram marcados por uma baixa produção ofensiva da seleção brasileira. Além disso, principalmente contra as canadenses, o Brasil não foi eficiente em duas chances claras criadas e acabou eliminado nos pênaltis.

As críticas às escolhas da treinadora e ao estilo de jogo que ela implementou na seleção naturalmente se multiplicaram após a eliminação. Nem mesmo o fato de o Canadá ter sido campeão olímpico amenizou os questionamentos ao trabalho da sueca. A sensação era de que dava para ter feito mais – e a própria treinadora admitiu isso.

Marta foi convocada para participar dessa nova fase da seleção; Pia disse: ‘Ela foi importante no passado, é no presente e vamos ver como será no futuro’ (Foto: CBF)

“Uma lição para aprender é que existe uma diferença muito pequena entre ser bem-sucedido e não ser. E é muito importante aproveitar a jornada. Acho que podemos fazer melhor, é uma questão de detalhes. Vou começar por mim, eu poderia ter feito melhor. Especialmente na parte ofensiva”, reconheceu.

“Nós fizemos coisas ótimas na defesa, se você olhar para os escanteios, defensivamente, fomos muito bem protegendo a área. Nós gastamos bastante tempo treinando o ataque nos escanteios, mas não fizemos gols assim. Existe espaço para melhorar e existe espaço pra refletir. Acho que, no todo, a defesa foi boa. No ataque, o meu trabalho será fazer algo mais ‘brasileiro’. Nós precisamos ‘dançar mais’, precisamos aproveitar as oportunidades, precisamos de mais liberdade na frente e, ao mesmo tempo, organização. Isso é algo difícil. Vamos tentar fazer coisas diferentes com jogadoras diferentes agora.”

Mudanças

O primeiro passo para a mudança é sempre reconhecer os problemas. E isso Pia fez muito bem nessa primeira convocação após os Jogos de Tóquio. Além disso, ela, que prometia renovar a seleção após a Olimpíada, já anunciou seis novidades entre as 23 jogadoras convocadas para os amistosos contra a Argentina em setembro.

“Para conseguir resultados diferentes, temos que fazer coisas diferentes. E fazer diferente é trazer novas jogadoras e ver como elas podem atuar para termos um time coeso. Jogadoras novas mescladas com algumas mais experientes para ver se conseguimos ter uma fórmula vencedora. Eu acredito que é importante olhar para a Copa América do ano que vem, mas também olhar para jogadoras mais novas para ver se podemos fazer algo diferente na Copa do Mundo”, disse.

Uma outra mudança importante passa pela decisão da auxiliar Lilie Persson de vir morar no Brasil para trabalhar mais de perto com a seleção e com as jogadoras que atuam no futebol brasileiro. Ela é a responsável justamente por treinar a parte ofensiva da equipe e avalia que há muita coisa a evoluir ali. Lilie também prometeu um pouco mais do “estilo brasileiro” no ataque.

“Nós fizemos algumas coisas boas no ataque no jogo contra a Holanda, por exemplo, mas contra a Zâmbia e contra o Canadá não…existe espaço para melhorar. Primeiro de tudo, temos que analisar, claro, se isso aconteceu por uma questão técnica, por uma questão tática, ou foi a parte mental, a parte física… acho que é um pouco de tudo isso, na verdade”, avaliou.

“A Pia mencionou que nós vamos ter um ataque mais livre, dando mais liberdade às jogadoras, mas elas também precisarão ter coragem para aproveitar essa liberdade e também vão precisar da parte física para saber usar essa liberdade. Acho que vocês vão ver mais ‘samba style’ no futuro.”

A outra parte importante para permitir ao Brasil fazer frente às principais seleções do mundo é justamente uma preparação mais forte. Para os Jogos de Tóquio, a seleção não pôde fazer tantos amistosos quanto gostaria (por conta da pandemia) e também teve de enfrentar oponentes não tão fortes, como Argentina e Equador, por exemplo.

Mas não foi só a pandemia que atrapalhou isso. Por conta da falta de organização da CBF com o futebol feminino antes da chegada de Duda Luizelli na coordenação das seleções, o Brasil não planejava com antecedência seus amistosos. Esse é um pedido que Pia tem para o futuro.

Lilie Person, auxiliar técnica de Pia (Foto: Laura Zago/CBF)

“Como você se torna um vencedor? Você precisa lidar com todos os obstáculos e enfrentar os melhores adversários.  E isso é uma coisa que estamos vendo com a Duda, para termos sempre um planejamento com antecedência, não só de seis em seis meses, mas um planejamento de dois ou três anos. Para garantir que a gente vá jogar contra os melhores adversários sempre. Foi isso que a Holanda fez quando ganhou a Euro em 2017, elas jogaram contra as melhores, é assim que se aprende a lidar com a pressão.”

Nos próximos dias, a comissão técnica da seleção fará uma avaliação do trabalho desenvolvido até aqui desde 2019 e um planejamento para o futuro. Mas uma coisa que Pia fez questão de ressaltar na coletiva é que ela está empolgada com o que vem por aí.

“Acho que agora, depois de ter passado um tempo desse jogo, acho que temos um bom plano. Porque durante todo o caminho até aquelas quartas-de-final, aquele momento específico, quando a goleira canadense defendeu o último pênalti, nós tivemos uma jornada fantástica. Fizemos muitas coisas boas. E sabendo que temos tanto potencial para sermos melhores, agora eu tenho ainda mais energia para seguir no futuro. Espero que da próxima vez eu não decepcione ninguém.”

 

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