Nesta quarta-feira, a sueca Pia Sundhage foi demitida do cargo de treinadora da Seleção Feminina de Futebol. O anúncio foi feito pela CBF após uma reunião realizada na entidade com a treinadora.
“Encerramos a partir de hoje o trabalho de Pia com a CBF. Quero agradecer a ela e a todos aqueles que conviveram e fizeram parte da comissão técnica da Seleção Brasileira Feminina de Futebol, que participou da Copa do Mundo Feminina FIFA 2023 . Pia trouxe também, nesse período de 2019 até aqui, um trabalho que, para a CBF e para o futebol brasileiro como um todo, foi muito importante. Desejamos a ela, em seus novos desafios, todo o sucesso”, disse o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues na nota divulgada pela entidade.
Pia chegou ao comando da Seleção em 25 de julho de 2019 – que, na época, era presidida por Rogério Caboclo – e comandou a equipe em 57 partidas, contabilizando 34 vitórias, 13 empates e 10 derrotas no período. Com ela no comando, a equipe brasileira foi campeã da Copa América em 2022 e, ao longo dos quatro anos, marcou 139 gols e sofreu 42.
Os resultados nos grandes torneios, porém, decepcionaram. Na Olimpíada de Tóquio, o Brasil caiu nas quartas de final para o Canadá, e na Copa do Mundo veio o pior resultado em quase 30 anos: a eliminação na primeira fase em um grupo com França, Jamaica e Panamá (a seleção encerrou a campanha com apenas uma vitória contra as panamenhas).
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Pia foi a primeira mulher a comandar o time feminino brasileiro em uma Copa do Mundo e sua passagem pelo país deixa algumas mudanças, críticas e legados. O currículo da treinadora, com bicampeonato olímpico com os Estados Unidos e uma medalha de prata com a Suécia na Rio-2016, pesaram a favor das reivindicações feitas por melhorias e maior profissionalização da modalidade e da própria seleção feminina.
Comissão técnica com presença feminina e equipe multidisciplinar
Assim que foi apresentada como treinadora da Seleção Brasileira, a primeira foto oficial já demonstrou mudanças, mostrando mulheres como protagonistas. Naquela ocasião, foi a primeira vez na história em que as mulheres foram maioria ocupando cargos de destaque nas seleções (principal e de base).
Pode parecer mínimo, mas foi simbólico. Faltavam ex-jogadoras fazendo parte da gestão das seleções brasileiras. Faltavam mulheres comandando o jogo que sempre foi negado a elas.
Além disso, a comissão técnica e multidisciplinar comandada por Pia na Copa do Mundo foi formada de maneira igualitária, com mulheres ocupando os mais diversos cargos. Das 34 pessoas que faziam parte da delegação da equipe, 17 eram mulheres: Ana Lorena Marche (coordenadora de Seleções Femininas), Lilie Person (assistente técnica), Sthefânia de Lacerda (supervisora), Mayara Bordin (supervisora), Ivi Casagrande (preparadora física), Marina Gusson (psicóloga), Vanessa Fernanda (analista de desempenho), Ann-Helen Grahm (observadora técnica), Paula Benayon (médica), Ariane Falavínia (fisioterapeuta), Laura Zago e Ayana Simões (assessoras de imprensa), Thais Magalhães (fotógrafa), Isadora Barbosa (assessora de marketing), Renata Mattos (assessora de planejamento), Bruna Grisolia e Marcela Sant’anna (seguranças).
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Organização e planejamento
A técnica Pia Sundhage prezava por organização e planejamento, mas nem sempre era atendida. E, por isso mesmo, foi muito importante ter uma treinadora com nome consolidado na modalidade comandando a Seleção Principal para que pudesse fazer cobranças sem amarras.
Um exemplo recente aconteceu em abril deste ano, na coletiva de imprensa que antecedeu a Finalíssima (confronto entre Inglaterra x Brasil em Londres). Pia opinou sobre o interesse do Brasil em sediar a Copa do Mundo de 2027 deixando claro que o país precisa se esforçar muito para fazer a modalidade evoluir.
“Quando você sedia um grande evento como esse, é um legado com relação à estrutura e organização. Não é só durante aquelas semanas ou mês do torneio. Brasil precisa melhorar se quiser sediar a Copa. No momento não temos seleção sub-15, sub-16, tem meninas que querem representar o Brasil e não podem”, disse a técnica.
(…) O Brasil precisa melhorar se quiser sediar a Copa. No momento não temos seleção sub-15, sub-16, tem meninas que querem representar o Brasil e não podem."
— Dibradoras (@dibradoras) April 5, 2023
Justamente por ser respeitada, a presença da treinadora no país também foi importante para que mudanças estruturais pudessem ser implantadas às vésperas de grandes torneios. Para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em de 2021, a Seleção Feminina fez sua preparação pré-competição no Centro de Treinamento da Nike, em Portland. Ali, Pia Sundhage fez os últimos ajustes no elenco antes de embarcar para o Japão.
Para a Copa do Mundo, novas conquistas foram alcançadas. A comissão técnica brasileira adotou uma logística especial para diminuir o impacto das 13 horas de diferença da Austrália em relação ao horário de Brasília. Pela primeira vez, a seleção viajou em voo fretado para uma Copa Feminina, podendo escolher o melhor horário de decolagem e trajeto até Gold Coast (litoral leste australiano), onde a equipe fez duas primeiras semanas de treino antes de começar oficialmente a competição.
Calendário de jogos contra seleções mais fortes
A temporada de 2022 – preparatória para a Copa do Mundo – foi bem produtiva para a equipe brasileira, que conquistou o título da Copa América e realizou 19 jogos, sendo 12 vitórias, 3 empates e 4 derrotas. A seleção chegou a ficar 10 jogos sem perder uma partida. Entre os adversários enfrentados estavam: Holanda, França, Finlândia, Espanha, Hungria, Dinamarca, Suécia, África do Sul, Noruega, Itália e Canadá.
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No ano da Copa, o Brasil disputou a She Believes Cup, enfrentando Japão, Estados Unidos e Canadá. Na sequência, disputou a Finalíssima contra a Inglaterra e fez um amistoso contra a Alemanha e outro contra o Chile. Entre todos esses oponentes, a maioria estava no top 15 do ranking da Fifa. E ao contrário de 2019, quando o Brasil chegou à Copa com nove derrotas consecutivas, incluindo algumas para seleções de pouca expressão, como a Escócia, desta vez a seleção chegou ao Mundial depois de ter vencido o Japão e a Alemanha e empatado com a Inglaterra (todas top 10 do ranking).
Organização tática e valorização de preparo físico
Desde sua chegada ao comando do time brasileiro, o setor defensivo foi o primeiro ponto de atenção trabalhado por Pia e, no final do ano passado, a técnica declarou ter visto melhoras nessa parte. “Acho que a defesa hoje, comparando com como elas jogavam três anos atrás, ou até mesmo como elas jogam na Europa ou no Brasileiro, é um pouco diferente. É um desafio para várias jogadoras abraçar o 4-4-2 defensivamente porque nós não temos a bola, e uma jogadora brasileira vai querer a bola. Mas temos que ser espertas e inteligentes, e é o que está acontecendo agora”, avaliou após os duelos contra o Canadá.
Outra cobrança frequente feita pela treinadora às atletas era pelo cuidado com o preparo físico. Em diversas entrevistas, a treinadora deixou claro a importância desse cuidado. Durante os Jogos Olímpicos, Pia falou sobre o assunto e valorizou o período de treinamento que teve com as atletas em Portland, nos Estados Unidos, como preparação para Tóquio-2021. Na ocasião, a técnica afirmou que hoje enxerga que as jogadoras estão niveladas, mas reforçou a importância do trabalho contínuo. “Estou muito feliz com a melhora da preparação física, mas acho que temos que pensar nisso também no futuro e também para as próximas gerações”, opinou.
Se a defesa era o setor mais organizado da Seleção – e que ainda assim apresentou falhas durante a Copa – o entrosamento do ataque e a tomada de decisão das atletas do setor era um ponto de atenção do time há, pelo menos, dois anos – desde a eliminação dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
“Tem uma coisa que podemos fazer um pouco melhor, que é trocar o ponto de ataque. Falei várias vezes sobre desafiar a linha, o que é importante porque vai pressionar as adversárias. Mas quando você move o time para um lado, nós precisamos mudar o ponto de ataque, e é algo que eu acho que precisamos melhorar.
Ainda no final de 2022, Pia falou sobre a renovação do time e sobre a importância de encorajar as jovens jogadoras. “Você nunca sabe se elas estão prontas, mas você precisa acreditar. Lembro quando vi os treinos da Kerolin a primeira vez. Hoje, as pessoas nos Estados Unidos falam sobre as qualidades dela. Queremos encorajá-la a fazer mais, o drible. Às vezes não funciona e dizemos a ela: tente de novo. Mas tudo é sobre o time. Depende como a Kerolin vai se sair jogando com Angelina, Duda…precisamos ter paciência e acreditar”, concluiu a treinadora.
Integração da equipe principal com a Sub-20
O trabalho que Jonas Urias e Jéssica de Lima fizeram com a seleção sub-20 em 2022 impressionou pela organização tática do time em campo. E algumas dessas jogadoras que conquistaram um resultado histórico (o terceiro lugar no Mundial da categoria) fizeram parte do ciclo da Seleção Principal.
LAUREN TITULAR!
— Dibradoras (@dibradoras) July 24, 2023
Segundo apuração das Dibradoras, a zagueira de 20 anos começará a partida contra o Panamá ao lado de Rafaelle. Kathellen seria titular, mas sentiu uma fisgada e será preservada.https://t.co/REfI83tf8n
A zagueira Lauren e a lateral Bruninha, foram convocadas pela técnica Pia Sundhage, Aline Gomes, da Ferroviária, esteva na lista de suplentes da Copa e alguns outros nomes também figuraram convocações da treinadora, como a meio-campista Yayá e a zagueira Tarciane.
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Seleção Brasileira em evidência
Com a chegada de Pia Sundhage, o time brasileiro passou a ficar em evidência na mídia (nacional e internacional) e ganhar mais relevância na modalidade. Jornalistas, analistas e treinadores de outras equipes passaram a acompanhar o trabalho da técnica, destacar seus feitos e também, claro, criticar algumas de suas decisões.
Com a conquista da Copa América, neste ano a técnica da seleção concorreu ao prêmio Fifa The Best e foi finalista na categoria como melhor treinadora da temporada de 2022. Em entrevista à CBF TV, Pia falou sobre a indicação. “Estou muito orgulhosa. Como todos sabem, isso é bom para a comissão técnica, e eu tenho que agradecer às jogadoras. Esse reconhecimento significa muito.”
Mas nem só de elogios foi marcada a passagem de Pia pelo Brasil. Um dos episódios que geraram críticas durante a passagem de Pia pela Seleção aconteceu justamente na partida de despedida de Formiga, uma das jogadoras mais lendárias da história do Brasil, em novembro de 2021.
O jogo aconteceu em Manaus e o adversário era a Índia. Na ocasião, a treinadora optou por colocar a jogadora em campo apenas aos 30 minutos do segundo tempo, frustrando a torcida e grande parte da imprensa brasileira e internacional. “O motivo pelo qual a Formiga jogou 15 minutos é porque ela não está no futuro da seleção. E nós temos que construir esse futuro”, foi a resposta dada pela treinadora.
Perguntamos por que Pia não começou o jogo com Formiga e só utilizou a camisa 8 nos últimos 15min: “O motivo pelo qual a Formiga jogou 15 minutos é porque ela não está no futuro da seleção. E nós temos que construir esse futuro. Ela jogou e quase fez gol, foram 15 min incríveis” pic.twitter.com/2q6aZeNg6C
— Dibradoras (@dibradoras) November 26, 2021
Outra decisão tomada pela treinadora e que foi bastante questionada nos últimos anos foi a não convocação de Cristiane – jogadora histórica da seleção – para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Desde 2021, a atacante não faz parte dos planos da treinadora e durante a convocação para a Copa do Mundo deste ano, Pia novamente demonstrou incômodo ao ser questionada sobre a ausência da atleta do Santos. “Para mostrar respeito às 26 jogadoras que estamos levando, nós deveríamos falar dessas jogadoras, e não de quem não foi convocada“, respondeu a treinadora sem maiores explicações.
+ Sem Cristiane, mas com Bárbara e Mônica, Pia mostra incoerência em convocação para Copa
A convocação de atletas que não fizeram parte do ciclo pré-Copa por parte da treinadora também foi alvo de críticas de grande parte da imprensa e torcida, mas a grande decepção foi a eliminação do time ainda na fase de grupos da Copa do Mundo.
E, para além disso, Pia cometeu alguns erros e não soube encorajar sua equipe. Os resultados diante de França (derrota por 2×1) e Jamaica (empate sem gols) mostrou fragilidades e limitações das atletas dentro das quatro linhas e expôs passividade por parte da treinadora, que não conseguiu mudar o time em momentos cruciais e pouco usou as atletas que estavam no banco.
Na coletiva pós-jogo contra a Jamaica – que sacramentou a eliminação brasileira no Mundial -, de maneira fria e simples, Pia admitiu a responsabilidade pela eliminação – assim como fez em Tóquio-2021 – e ressaltou que precisa olhar para trás e buscar soluções para os problemas encontrados.
“No final o resultado é minha responsabilidade, mas não minha apenas. Tem a ver com a forma como trabalhamos, a nossa preparação. Eu realmente tenho que pensar se poderia ter feito diferente, mas agora não tenho resposta para isso. Nós fizemos uma boa preparação, bons jogos e bons treinamentos”, disse. “No fim das contas, a Jamaica jogou defensivamente e foi um 0 a 0. Não é uma grande diferença entre falha e sucesso.”
E, para finalizar, o último ato da treinadora em solo australiano foi decepcionante. Um dia após a eliminação, Pia e seus assistentes técnicos se despediram do staff e voltaram para a Suécia, deixando as atletas e parte da comissão na espera de seus retornos. Não pegou bem essa saída rápida, em menos de 24h após uma das piores derrotas da história da seleção. Esperava-se um pouco mais de presença e acolhimento por parte da treinadora.
O que podemos esperar daqui pra frente?
A presença de uma treinadora capacitada e campeã no futebol feminino mexeu com as estruturas da modalidade no Brasil. Como listamos no texto, muitas conquistas foram alcançadas no extracampo e muitos desses avanços foram fundamentais para fortalecer outras camadas do esporte, como o desenvolvimento da base, a competitividade dos campeonatos e a busca por atletas comprometidas com o trabalho.
Agora, sob o comando do presidente Ednaldo Rodrigues, a CBF tem a incumbência de escolher um novo (a) comandante tão bom ou ainda melhor do que foi Pia Sundhage nos últimos quatro anos. O que não se pode aceitar é retroceder. É necessário que se contrate pessoas capacitadas e comprometidas com a modalidade, seguir com a manutenção dos direitos e autonomias conquistadas pelo Departamento do Futebol Feminino, prezar por diversidade na montagem da nova comissão técnica, seguir apoiando e investindo no desenvolvimento de atletas e boas condições de trabalho durante todo o ciclo.