O Campeonato Paulista Feminino deste ano nem começou e já está dando o que falar. Isso porque a FPF (Federação Paulista de Futebol) anunciou um aumento exponencial na premiação oferecida aos participantes. Se em 2021, o Corinthians, tricampeão Paulista, ficou com R$140 mil reais pela conquista, neste ano, o campeão levará para casa R$1 milhão pelo feito.
Ao todo, serão distribuídos R$2,6 milhões em premiação. Um valor recorde que representa um aumento de quase 2.000% em relação ao que era pago antes. E que, muito mais do que isso, mostra como acreditar no produto do futebol feminino pode trazer retorno.
É claro que nada disso aconteceu do dia para a noite. Até pouco tempo atrás, os jogos do Paulista feminino sequer eram transmitidos na TV. Mas com o crescimento do interesse pela modalidade – principalmente a partir da Copa do Mundo de 2019 -, a FPF foi conseguindo aos poucos colocar jogos decisivos da competição nas grades da TV aberta e fechada (TV Cultura e Sportv foram alguns dos que exibiram semifinais e finais).
Um trabalho que começou ainda quando Aline Pellegrino era diretora da modalidade na Federação e que teve continuidade agora com Thais Picarte como coordenadora. Duas ex-jogadoras que sabem o potencial do futebol feminino e sempre acreditaram que ele poderia dar retorno financeiro. Quando melhor ficou o produto – com mais times de camisa e com um nível mais alto na competição -, mais interesse ele despertou de patrocinadores e veículos.
Em 2020, o Facebook também adquiriu os direitos de transmissão dos jogos e promoveu a competição na rede social. Agora, a Centauro entra como grande patrocinadora e detentora de direitos de transmissão que potencializou a premiação do torneio.
Os jogos serão exibidos no Facebook da marca e também em outros veículos, como Sportv, TNT Sports, Youtube, Eleven Sports e o próprio Paulistão Play.
Mas com a chegada de mais patrocinadores, foi possível para a FPF tornar o campeonato mais atrativo também para os participantes – afinal, o investimento dos times precisa ser recompensado também por meio das premiações.
Na apresentação da novidade em evento na loja da Centauro na Avenida Paulista, Thaís Picarte falou para ao Dibradoras sobre o que representa mais essa conquista: “Sustentabilidade, é uma forma de auxiliar os clubes a manterem suas equipes, e também serve para inspirar outras federações, mostrando que o trabalho dá frutos, pode atrair investimentos, empresas e que realmente o futebol feminino tá cada vez mais profissional, tem que ser visto como um produto que pode ser rentável”, afirmou.
Especialista na área, Mônica Esperidião, CEO e co-fundadora da Womens Experience Sports, diz que essa nova fase do Paulista feminino mostra o potencial do produto. “Mostra que o futebol feminino será rentável a curto ou médio prazo, porque se não nós não teríamos marcas entrando nos campeonatos. Pensando nas marcas, a empresa não entraria se não visualizasse que isso daria retorno pra eles. A partir do momento que colocam mais dinheiro, clubes melhoram seus times, seu desenvolvimento de negócio, e esse ciclo vai virando virtuoso. Estamos numa rentabilidade possível a curto, médio prazo.”
Não é caridade, é negócio
É impossível que haja lucro com um produto sem que antes haja investimento nele. Por muito tempo, o futebol feminino foi negligenciado, visto como um “estorvo” para federações e clubes, como se fosse uma “obrigação” de custo que nunca teria retorno.
A partir de 2019, quando os clubes masculinos foram obrigados a manter equipes femininas (para poderem disputar competições como a Libertadores e a Série A do Brasileiro, por conta das regras de licenciamento da Conmebol e da CBF, respectivamente), muitos deles criticaram a medida por entenderem que teriam “um gasto a mais” sem qualquer perspectiva de retorno.
A verdade é que por muito tempo essa visão preconceituosa e “resistente” ao futebol feminino impediu o seu desenvolvimento. Dirigentes de clubes e federações entendiam que manter equipes ou competições de mulheres seria algo apenas para fazer “caridade” uma boa ação, e não enxergavam a modalidade como um produto, um negócio que, se bem cuidado, poderia dar um bom retorno financeiro.
Aquelas velhas máximas “ninguém quer ver futebol feminino”, “futebol feminino não dá audiência”, sempre repetidas sem que ninguém tentasse efetivamente comprová-las na prática. Ah, ninguém quer ver? Então coloca na grade da TV aberta para ver se realmente ninguém tem interesse. Começa a divulgar os jogos para ver se ninguém quer assistir. Para dizer que não dá certo seria necessário ao menos tentar – algo que passou a ser feito somente a partir de 2019 com o futebol feminino.
Com a exibição da Copa do Mundo pela primeira vez na TV Globo, a emissora de maior audiência no país, deu para se ter uma noção do potencial da modalidade. Aliás, antes disso, nos Jogos Olímpicos de 2016, a terceira maior audiência dos eventos transmitidos tinha sido justamente para o futebol feminino.
E, no entanto, clubes e federações demoraram muito para terem essa visão. E, em alguns casos, cometeram erros estratégicos cruciais.
Foi o caso do contrato que a CBF fechou em 2019, antes da Copa, para garantir a transmissão do Brasileiro feminino na TV aberta. É claro que, naquele momento, ainda não havia um interesse de várias emissoras, então o poder de negociação da confederação era baixo. No entanto, a opção dos dirigentes da época foi de fechar um contrato que garantia exclusividade na TV aberta à Band por quatro anos (2019, 2020, 2021 e 2022). Um contrato que, praticamente, não teve nenhum custo para a emissora.
Na época, já era possível ao menos imaginar que, depois da Copa do Mundo de 2019, poderia haver um crescimento do interesse no futebol feminino. Por toda a visibilidade (inédita) que a modalidade teria durante aquele período, era de se esperar que o produto (Brasileiro feminino) aumentasse seu valor depois daquele Mundial.
Se a CBF efetivamente acreditasse no produto à época, será que ela realmente teria assinado um contrato de quatro anos aceitando ficar sem receber nada pelos direitos de transmissão negociados – com exclusividade, inclusive?
Ao que parece, um erro de estratégia foi cometido naquele momento e impediu a entidade de ter mais retorno com o Brasileiro feminino. Com isso, ela seguiu arcando com todos os custos da competição, que ganhou mais patrocinadores nesse meio tempo, mas ainda assim, não conseguiu lucrar. Será que em 2020 ou 2021 a CBF não poderia ter assinado um contrato mais lucrativo se tivesse enxergado o verdadeiro potencial do Brasileiro feminino ainda em 2019?
“Quem lá atrás negociou isso talvez não fosse interessado no futebol feminino, não acreditava no próprio produto. Esse caminho estratégico foi pensado nessa época porque as pessoas que estavam ali não estavam pensando no futebol feminino”, afirmou Mônica Esperidião.
O resultado disso é que a premiação da competição seguiu a mesma de 2017 até 2021. O valor pago ao campeão é de R$120 mil e ao vice é R$60 mil. Em 2022, ainda não foi divulgado se o valor se manterá o mesmo ou não. Caso se mantenha, teremos a diferença gritante entre a premiação oferecida numa competição nacional e numa competição estadual – já que o Paulista feminino pagará quase 10 vezes mais ao seu campeão.
Tudo isso mostra que o futebol feminino é e sempre foi um negócio. Azar de quem não enxergava assim antes.