O segredo de Emma Hayes para montar um Chelsea multicampeão

A temporada de 2021-22 do Chelsea foi vitoriosa, mais uma vez sob o comando da treinadora Emma Hayes. A equipe se sagrou tricampeã da FA WSL, a liga de futebol feminino da Inglaterra, e bicampeã da FA Cup. Nascida e criada na região de Camden, em Londres, Emma vai completar dez anos nos Blues em agosto. Além da identificação dela com a equipe, outro detalhe chama a atenção (além dos palavrões proferidos): a relação dela com as jogadoras.

A verdade é que é perceptível o efeito da comandante no Chelsea. Quem acompanhou o Chelsea levantando as taças da FA WSL e da FA Cup em uma semana viu uma treinadora extremamente satisfeita. A única constante entre os momentos mais difíceis e os mais felizes é a sinceridade. Após o segundo título, ela disse mais de uma vez que estava “feliz pra caralho” e contou os planos para a noite: “Quero beber muito com meu time. Quero ser carregada pra casa hoje.”

 

Após dez anos vestindo a camisa azul, Hayes passou por altos e baixos. No entanto, cada vez mais se percebe um time que entende o que a treinadora exige e se esforça para corresponder às expectativas. Perguntada pelas Dibradoras sobre o segredo para montar um time tão vencedor, ela primeiro brincou que não ia contar a ninguém. Mas depois explicou: “Eu valorizo caráter. Eu valorizo quem elas são em momentos difíceis. Eu valorizo… companheiras de time. Escrevi uma coisa para elas hoje sobre isso. Sobre como indivíduos contribuem para o trabalho do time, mas são os times que fazem a diferença no que estamos fazendo.”

O jogo contra o City na final da FA Cup foi o último de três jogadoras com a camisa do time londrino: Joanna Andersson, Drew Spence e Ji So-Yun. Emocionada, Emma levou a camisa de Ji, assinada, para a coletiva, e prometeu emoldurar e pendurar em casa. “Não posso dar uma estátua a ela, mas quero que ela saiba que estarei honrando ela do melhor jeito que eu posso, colocando ela em evidência”, disse ela sobre a sul-coreana, que defendeu os Blues entre 2014 e 2022. “Se eu pudesse, colocaria Drew Spence e Jonna Andersson também, lado a lado. Percebi hoje que elas estão indo embora, e quero chorar porque estou perdendo três pessoas incríveis.”

 

Analisar o crescimento do Chelsea sob o comando de Hayes é acompanhar os altos e baixos da equipe que levou alguns anos até se estabelecer como uma das principais do futebol feminino inglês. A série One Team, One Dream, produzida pelo DAZN, conta um pouco do processo da treinadora em montar a equipe que atualmente domina os troféus ingleses. Ela passa pelo fim sofrido da temporada 2018-19, com a derrota na semifinal da Champions League feminina e a perda do título inglês para o rival Arsenal, até a sequência de conquistas das últimas temporadas. Serão seis episódios de cerca de 40 minutos de duração, lançados aos domingos. O primeiro foi publicado no dia 29 de maio no YouTube do DAZN dedicado à Champions feminina – lamentavelmente, apenas em inglês e sem legenda.

O primeiro episódio mostra mais de perto a relação de Emma com as suas atletas. Após uma temporada difícil, ela deixa claro que aquelas que não se dedicarem ao clube não terão uma vaga entre as 11 titulares. Além disso, a treinadora fala sobre a dificuldade de conciliar a maternidade com o trabalho – na coletiva de imprensa após a eliminação para o Lyon nas semifinais da Champions, ela afirma que, por ter tido um bebê, não pôde se dedicar tanto ao time no início da temporada. E que, por isso, a culpa da falta de resultados seria exclusivamente dela.

 

Outro ponto marcante nesta evolução do Chelsea foi a chegada de Sam Kerr ao clube em novembro de 2019 e a sua boa relação relação com Hayes. Na coletiva após o título da FA WSL, em um jogo contra o Manchester United no qual Kerr marcou dois gol(aços) em um placar de 4 a 2, a jogadora fez questão de ficar com Harry, filho de Hayes, no colo. Ela foi chamada de “a melhor babá do mundo” pela comandante – além de outros elogios.

“Ela é a melhor por um motivo, e mais uma vez se impôs por esse clube. Eu disse a ela: ‘venha para o Chelsea e você vai ganhar troféus’. Posso sentar aqui confiante e dizer que nós duas tomamos a decisão certa. Ela sabe que consegue lidar com essas situações e entregar quando mais importa. E o mais importante: ela se diverte no que está fazendo.”

No clube desde 2012, Hayes acumula cinco títulos da liga, três da copa, duas FA Women’s League Cup e um FA Community Shield. Ela também foi eleita a melhor treinadora do mundo em 2021. No mesmo ano, em julho, ela assinou uma extensão de contrato com o clube com um detalhe curioso: sem data-limite. E, no jogo contra o United – em que o Chelsea sofreu no primeiro tempo, indo ao vestiário no intervalo com um empate em 2 a 2 -, Hayes mostrou mais um pouco da sua filosofia. “Eu quase mudei o time com 30 minutos. Mas quis dar ao time a oportunidade de tentar para ver se conseguíamos achar uma solução. Eu não entro em pânico. Não é do meu feitio.”

 

Após a conquista da FA WSL, ela disse às Dibradoras que não pensaria no futuro ainda, especialmente considerando as mudanças pelas quais o clube pode passar após a venda. “Eu busco soluções, não problemas”. Ainda assim, Hayes faz questão de acompanhar a evolução das suas jogadoras – principalmente as mais jovens. No primeiro episódio da série, Beth England fala sobre como, apesar de ter se sentido perdida ao ser emprestada ao Liverpool na temporada 2017-18, ela voltou ao Chelsea em sua melhor forma.

Na série, a treinadora questiona se a queda de rendimento de England – que sofre com dores devido à endometriose – é responsabilidade do clube ou da atleta. Nos episódios seguintes (spoiler de Tom Garry, repórter do The Telegraph que cobre futebol feminino e teve acesso ao restante do conteúdo), Hayes e sua equipe montam um plano diferenciado para cuidar da jogadora, que evoluiria para ser eleita a melhor da temporada e vice-artilheira da FA WSL.

 

“Tive que aprender do jeito mais duro como Emma lida com as coisas. Mas, no fim das contas, de um jeito, me ajudou a ser quem eu sou. Ela foi muito dura comigo em algumas partes da minha carreira. De ir para um clube tão grande quanto o Chelsea para eles dizerem que, naquele momento, eu não era tão boa para eles. Naquele momento, eu pensei que eles iam me mandar para outro lugar e quase senti como se tivesse falhado. Fui emprestada achando que nunca mais voltaria. Foi um período muito difícil, mas foi a melhor coisa que já me aconteceu, porque eu pensei que iria provar para eles que era boa o bastante.”

Para quem está com o inglês em dia, fica a recomendação da série One Team, One Dream. E, se nada mudar durante a janela de meio do ano – já que há especulações de uma saída de Hayes do clube -, a próxima temporada da FA WSL começa em setembro. Não importa onde ela esteja, ainda teremos muitas chances de ver Emma Hayes (xingando e) dibrando por aí.

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