Foto: Karina Costa/Dibradoras
Corinthians e Palmeiras protagonizaram uma final de tirar o fôlego na Libertadores Feminina há menos de um mês – quando o título ficou com o Alvinegro após vencer por 1 a 0. No último domingo (12), os dois clubes voltaram a se enfrentar pelo jogo de volta das semifinais do Campeonato Paulista, e as Palestrinas foram goleadas por 8 a 0 na Neo Química Arena. Assim, o placar agregado terminou 9 a 0, já que as Brabas do Timão saíram com a vantagem de 1 a 0 no primeiro jogo sem o técnico Arthur Elias, no fim de semana anterior, no estádio Jayme Cintra, em Jundiaí.
O Palmeiras não poderia ter gosto mais amargo no último jogo da temporada de 2023, que terminou sem títulos (foi eliminado nas quartas de final do Brasileirão pelo São Paulo, vice na Libertadores e desclassificado nas semifinais do Paulista). “A gente teve um ótimo ano passado, com os títulos da Libertadores e Paulista, e queria repetir ou fazer melhor. Mas infelizmente termina o ano da pior forma possível. É difícil falar qualquer coisa desse placar. É juntar os cacos e pensar no próximo ano”, lamentou a atacante Bia Zaneratto, a única representante do clube que se pronunciou após a derrota.
Uma goleada dessa magnitude diante do rival em um mata-mata expõe problemas que o Palmeiras vem tentando driblar, mas que volta e meia vêm à tona. Antes de mais nada, ela exige explicações aos torcedores. A última publicação oficial do Palmeiras feminino nas redes sociais foi o anúncio do fim do jogo (sem expor o placar). Passaram-se dois dias da derrota, mas nem o técnico Ricardo Belli nem o diretor de futebol feminino, Alberto Simão, declararam ou publicaram uma palavra sequer. O clube também não fez ou planeja fazer coletiva de imprensa.
Os 8 gols da semifinal do @PaulistaoFem entre @SCCPFutFeminino x @Palmeiras_FEM pic.twitter.com/GHobExRVYa
— Dibradoras (@dibradoras) November 13, 2023
Claro que uma derrota dessas, por mais dolorida que seja, não joga tudo que o Palmeiras fez de bom no lixo. Desde que retomou a equipe feminina em 2019, o clube vem investindo e fortalecendo o elenco a cada temporada. Principal protagonista do time, Bia Zaneratto chegou no início de 2020 e segue no time, que passou a figurar entre os mais fortes e com maiores folhas salariais nos últimos anos. O Palmeiras também conta com departamento e orçamento específicos para o futebol feminino e uma equipe de 17 profissionais.
O auge do projeto feminino do Palmeiras foi em 2022, quando foi campeão da Libertadores e levantou a taça do Campeonato Paulista. Ao todo, as Palestrinas somaram 33 vitórias e 111 gols marcados nos 44 jogos disputados naquele ano. Para 2023, porém, alguns destaques foram transferidos para outros clubes, como as meias Ary Borges e Julia Bianchi e as atacantes Sochor e Byanca Brasil. Mas o Palmeiras foi ao mercado e se reforçou com nomes de peso, como a goleira colombiana Kate Tapia e as atacantes Amanda Gutierres e Yamila Rodríguez.
Falta equidade na estrutura do Palmeiras
Ainda assim, o Palmeiras não contemplou as melhorias na estrutura de trabalho cobradas pelas jogadoras. “Acho que o clube hoje tem a ciência do que precisa ser melhorado, já foi passado. Talvez muitas pessoas não saibam, mas o nosso centro de treinamento é em Vinhedo. A gente não usa a estrutura que existe em São Paulo, do CT do Palmeiras masculino. Então é nesse ponto que a gente fala”, criticou Bia Zaneratto à Gazeta Esportiva, após a conquista do título paulista do ano passado.
Em Vinhedo, cidade localizada a 80 km de São Paulo, o Palmeiras criou uma estrutura profissional. Segundo balanço do ge, a estrutura da equipe feminina contempla centro de treinamento, moradia, alimentação, plano de saúde, plano dentário, academia, plano nutricional, acompanhamento médico específico e fisioterapia, além de acompanhamento psicológico. Em 2020, o diretor Alberto Simão se dizia contrário à mudança do time feminino do interior para a capital.
“Pensando em alimentação, fisiologia, locais de treinamento, apartamentos, fisioterapia, temos tudo em um raio de 1 km em Vinhedo. Não conseguiríamos fazer isso em São Paulo. Vir para São Paulo é coisa de futuro ainda, estamos satisfeitos. Acho que não é o momento de sair de uma estrutura assim para se aventurar em São Paulo. Acho que não vale mexer no que está dando certo”, disse o diretor de futebol palmeirense ao site ge, em 2020. Passados dois anos, Bia Zaneratto ressaltou a insatisfação com o centro de treinamento e foi a porta-voz das jogadoras por mais equidade na estrutura do clube.
“Precisavamos realmente conquistar algo para exigir essas cobranças. Hoje, o Palmeiras feminino tem dado retorno dentro e fora de campo. Vimos a quantidade de patrocínios que temos carregado”, disse Zaneratto, protagonista do ano mágico do Palmeiras em 2022. “Sabemos que o Palmeiras é um só, mas queremos que seja um só na questão estrutural também. Se o Palmeiras é um só, se o que vem para o Palmeiras é direcionado para o todo, que nós tenhamos uma estrutura digna de um campeão, como somos hoje, como colocamos o nosso nome na história”, completou a centroavante à Gazeta Esportiva, há um ano.
Mesmo com dois títulos de peso em 2022, outros problemas ficaram em evidência ao longo da temporada, como o afastamento da dupla de zaga titular composta por Agustina e Thais do jogo de volta da semifinal do Brasileirão – que acabou com derrota por 4×0 para o Corinthians, no Allianz Parque. A partir do caso, o Dibradoras publicou uma reportagem com relatos de atletas, membros da comissão técnica e funcionários do clube que denunciaram o diretor Alberto Simão por assédio moral e psicológico e abuso de autoridade.
O conteúdo foi rebatido pelo clube, que prometeu buscar medidas judiciais para defender a honra da instituição e dos nomes acusados. Alberto Simão foi contratado por Alexandre Mattos – então diretor de futebol do Palmeiras – para cuidar da montagem do departamento feminino em 2019 e segue como diretor da modalidade do time desde então, mesmo após as denúncias.
O centro de treinamento também continua sendo em Vinhedo, enquanto os jogos de mando de campo das Palestrinas são disputados no Allianz Parque, em São Paulo, e no estádio Jayme Cintra, em Jundiaí. Para agravar a situação, não existe supervisão ao trabalho realizado por Simão com o futebol feminino. A presidente Leila Pereira, por exemplo, nunca foi ao CT do time feminino, que é completamente separado do restante do clube.
Outra figura cativa no Palmeiras é o técnico Ricardo Belli, que teve a primeira passagem pelo Alviverde na retomada do projeto em 2019 e ficou até 2021, quando pediu demissão após uma temporada em que conquistou o bicampeonato da Copa Paulista e foi vice-campeão do Brasileiro daquele ano. O sucessor no comando do Palmeiras foi Hoffmann Túlio, mas só até o meio de ano, quando foi demitido mesmo com as Palestrinas na liderança do Brasileirão. Três semanas depois, o time anunciou o retorno de Ricardo Belli, que estava no sub-20 do Ituano.
Vale ressaltar também que o Palmeiras figura entre os principais clubes do cenário nacional do futebol feminino, mas ainda não conta com categorias de base femininas ativas. Assim, o clube não integra os campeonatos brasileiros sub-20 e sub-17 nem disputará a primeira edição da Copinha feminina, a Copa Feminina São Paulo de Futebol Júnior, que será realizada em dezembro. O time disputa apenas um campeonato de base com atletas/alunas das escolinhas e consulados do clube.
O que o Corinthians tem de diferente?
Desde que foi reativado, a gestão do Corinthians feminino passa diretamente pelas mãos de Cris Gambaré. Foi ela quem levou o projeto do futebol feminino corintiano para a diretoria alvinegra e fez com que ele saísse do papel na parceria com o Audax em 2016. Ela costuma dizer que “o Corinthians fez a lição de casa na casa dos outros”, mas que foi um período de muito aprendizado, imprescindível para que o clube já tivesse conhecimento para ter mais acertos do que erros quando investisse na gestão própria.
O trabalho de Cris passou também por convencer Andrés Sanchez, então presidente do Corinthians, a investir numa modalidade pela qual ele não tinha nenhuma simpatia. E deu certo! Por incrível que pareça, hoje, o cartola virou um fã declarado do time feminino. Em 2018, Cris Gambaré tornou-se a primeira diretora mulher da história do Corinthians, ao assumir a gestão da modalidade de maneira exclusiva. Em 2020, o clube já somava cinco títulos: Copa do Brasil (2016), Libertadores (2017 e 2019), Brasileirão (2018) e Paulistão (2019).
Uma das grandes responsáveis pelo crescimento do @SCCPFutFeminino ao longo dos anos: Cris Gambaré, diretora de futebol feminino no clube. A última conquista da dirigente foi conseguir profissionalizar o elenco feminino. Uma atitude que valoriza e respeita o trabalho das atletas. pic.twitter.com/l7CzPP9fRW
— Dibradoras (@dibradoras) January 17, 2020
Com essa bagagem de sucesso, deu um passo importante pro cenário do futebol feminino nacional: profissionalizou todas as atletas. Atualmente, o elenco feminino tem o mesmo modelo do masculino, com salários e registradas com carteira assinada. Nesse período, também ampliou os esforços para aproximar os torcedores da equipe feminina. O Corinthians foi um dos primeiros times a criar redes sociais exclusivas para o futebol feminino e incentivá-los cada vez mais a comparecer para ver as jogadoras atuando nos estádios, primeiro por meio de entradas gratuitas e, depois, com venda de ingressos – e segue sendo recordista de público em jogos de clubes femininos na América do Sul.
Em maio de 2019, o Corinthians criou a categoria feminina sub-17. Hoje, tem equipes do sub-14 até o sub-20. No departamento feminino, são aproximadamente 50 pessoas (além das atletas), sendo ao menos 70% delas com atuação direta na equipe adulta, em diferentes especialidades e áreas. Tem também um ônibus próprio para utilização da equipe adulta e de base, assim como equipe de segurança para jogos e, caso necessário, viagens. A estrutura ainda contempla Centro de Treinamento, auxílio na moradia, alimentação, plano de saúde e plano dentário, academia, nutricionista dedicada, acompanhamento médico específico e fisioterapia.
Arthur Elias deixou sua marca no time
Além da boa gestão, outro fator decisivo na trajetória vitoriosa do Corinthians feminino foi a manutenção do bom trabalho de Arthur Elias e sua comissão técnica. Uma das coisas que o treinador gosta de destacar sobre sua carreira é a importância de se cercar de bons profissionais. “O futebol feminino me trouxe essa possibilidade de terminar todos os anos, de completar meus trabalhos e nunca ser demitido, além de conseguir sempre ter pessoas extremamente competentes junto, mesmo sem ganhar dinheiro no começo”, disse Arthur.
Desde 2016, o Corinthians feminino soma 16 títulos, incluindo quatro Libertadores e cinco Brasileiros, e se consolidou como o maior projeto da modalidade no país. Segue sendo o time a ser batido, mesmo diante da mudança de cenário do futebol feminino no Brasil, com a chegada de mais investimento dos times de camisa e maior competitividade. “Nós não nos reinventamos. Evoluímos e trouxemos elementos novos que foram deixando aquilo que a gente já tinha de estrutura de jogo, ideia de jogo, mais complexo, imprevisível para esses adversários e desafiador para as meninas, que toparam”, avaliou Arthur.
O resultado dentro de campo tem muito do que é feito nos bastidores de um clube que investe na modalidade. “Reflete para uma evolução de todos os profissionais. Quanto mais tenho uma equipe multidisciplinar, mais as atletas precisam aproveitar isso. O feminino sempre foi muito sofrido, nos últimos anos elas têm respondido de forma fantástica e aproveitando essas condições que são melhores, mas eu entendo que tem que ainda ser bem melhor”, afirmou Arthur.
Como o Corinthians fica sem o Arthur?
O sucesso de Arthur Elias o levou, merecidamente, até o comando da Seleção Brasileira Feminina. Assim, o treinador se despediu do Corinthians em outubro, após quase oito anos de serviços prestados ao time. Claro que fica a dúvida de como será o Corinthians sem Arthur Elias. Mas, no primeiro teste após sua saída, as Brabas responderam muito melhor do que o esperado: vitória avassaladora por 9 a 0 no placar agregado diante do Palmeiras nas semifinais do Paulistão.
“Terminamos o ciclo do Arthur agora com oito anos, várias taças e conquistas. É um crescimento revolucionário na modalidade. Sabemos que a continuidade, o DNA do futebol feminino do Corinthians já foi criado e vai ser mantido, então agora é permanecer, continuar fazendo, deixando o legado dele e permanecendo com o futuro”, disse Cris Gambaré, ao portal Meu Timão.
Cris Gambaré fala com a segurança de quem lutou muito pelo futebol feminino e conseguiu implementar uma política bastante consolidada no Corinthians. Prova disso é que ela segue sendo um nome incontestável na gestão da modalidade dentro do clube, independentemente das mudanças de presidência. Tanto que os dois candidatos para a próxima eleição de presidente do Corinthians, que será realizada em 25 de novembro, prometeram mantê-la no cargo.
Candidato da situação, André Luiz de Oliveira, conhecido como André “Negão”, fez questão de ressaltar a boa relação com Cris Ganbaré. “Eu tenho uma relação de amizade muito grande com ela. Fui eu quem trouxe a Cris para a política do Corinthians. Foi uma das maiores aquisições que eu consegui para o Corinthians, porque ela está fazendo todo esse trabalho vitorioso e os corinthianos estão se orgulhando. Então, eu não vejo problema nenhum com ela, muito pelo contrário. Eu acho que ela só vai ter muito mais colaboração do que teve nos últimos anos”.
Mesmo o candidato da oposição, Augusto Melo, que prometeu uma reformulação geral na diretoria do Corinthians, disse que a exceção seria a Cris Gambaré no departamento de futebol feminino do clube. “A Cris é da situação. Mas se está fazendo um bom trabalho tem que dar sequência”, declarou Melo, ao podcast Coringão Pistola, em abril.
Por toda a construção realizada nos últimos anos, hoje o projeto de futebol feminino do Corinthians independe de quem assuma a presidência. O Corinthians feminino ganhou tamanha dimensão, que se tornou um alicerce do clube, agregando valor à marca, engajando a torcida e movimentando as finanças do clube. É simplesmente impossível acabar com o investimento na equipe feminina sem que haja uma cobrança forte de fora.
Enquanto o Corinthians feminino é parte importante e integrada ao clube, o mesmo não pode-se dizer do Palmeiras. As Palestrinas são agregadas do time alviverde, já que utilizam uma estrutura separada e não estão inseridas no clube por completo.