Foto: Oscar J. Barroso / AFP7 via Getty Images
Dois dias depois de beijar sem consentimento a atleta Jenni Hermoso, campeã com a seleção espanhola, na cerimônia de premiação da Copa do Mundo de 2023, o presidente da Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF), Luis Rubiales, foi denunciado no Conselho Superior de Desporto (CSD) do seu país; terá a situação discutida em assembleia geral de urgência na própria federação e foi abertamente criticado por diversas autoridades – entre elas o premiê em exercício, Pedro Sanchez.
Nesta quarta-feira (23), Jenni Hermoso se pronunciou pela primeira vez após o caso por meio da Associação de Futebolistas Profissionais da Espanha (Futpro): “Meu sindicato Futpro e minha agência TMJ estão encarregados de defender meus interesses e serem interlocutores neste assunto”.
A nota oficial, emitida pelo Futpro, expressa a “firme e total condenação de quaisquer condutas que atentem contra a dignidade das mulheres”. Diz ainda que solicitou à RFEF que implemente os protocolos necessários e adote medidas exemplares.
“Também entramos com denúncia ante o Conselho Superior de Desporto para que, dentro de suas competências, apoie e promova ativamente a prevenção e intervenção ao assédio ou abuso sexual, machismo e sexismo”, diz outro trecho da nota.
Antes disso, o único momento em que a atacante comentou como se sentia foi numa transmissão ao vivo em redes sociais, direto dos vestiários da seleção espanhola, pouco depois da conquista do título. Ela disse que “não tinha gostado” do beijo e que “nada poderia ter feito”, já que tinha sido pega de surpresa.
De acordo com informações do site Marca, um dos principais veículos esportivos do país, Jenni teria sido coagida no avião de volta da Austrália para a Espanha para que atuasse na defesa do presidente e que participasse do vídeo em que ele pedia desculpas. Ela se negou, isolando Rubiales nas críticas que se amontoavam no dia seguinte ao ocorrido.
Em comunicado, a RFEF anunciou uma assembleia geral de urgência para o próximo dia 25 (sexta-feira) a pedido das federações territoriais para discutir a situação do presidente. “Baseando-nos nos últimos acontecimentos durante a cerimônia de premiação do Mundial feminino (…) estão abertas as diligências internas da Federação referentes a assuntos de integridade, assim como todos os protocolos aplicáveis”. A expectativa da imprensa espanhola é que Rubiales apresente sua própria carta de demissão até o dia da assembleia.
Denúncias e pedidos de afastamento ao Conselho Superior de Desporto
A Liga Profissional de Futebol Feminino (Liga F) pediu o afastamento de Rubiales do cargo de presidente da RFEF ao CSD: “É o momento de dar um passo à frente. O contrário seria uma humilhação para todas as mulheres e a maior derrota do esporte espanhol e do nosso país”.
O partido político Sumar também ingressou com uma denúncia no CSD contra Rubiales por “infração grave”, pedindo que o presidente seja afastado do cargo. A deputada Marta Lois, responsável pela redação do texto, disse que “deve ser posto em prática o protocolo de autuação frente à violência sexual”. Já a segunda vice-presidente do governo, Yolanda Diaz, lembrou que “as federações esportivas estão sujeitas à Lei do Esporte e o CSD deve atuar para que o machismo não saia impune”.
O premiê em exercício, Pedro Sanchez, se pronunciou após ter recepcionado a delegação campeã do mundo no palácio La Moncloa. Ele classificou o beijo como “um gesto inaceitável” e os pedidos de desculpas de Rubiales publicados nas suas redes sociais como “insuficientes”.
“Em relação ao senhor Rubiales e toda a polêmica que ocorreu, em primeiro lugar, acho que elas, as jogadoras, fizeram de tudo para vencer. Mas é verdade que houve alguns comportamentos, neste caso do senhor Rubiales, que mostram que em nosso país ainda há um longo caminho a percorrer em termos de igualdade e respeito e na equiparação de direitos entre mulheres e homens”, disse Sanchez.
Há alguns anos o governo de Pedro Sanchez tenta se atualizar na luta contra preconceitos, notadamente em relação às mulheres. Em maio de 2022, foi aprovada na Espanha a Lei da Garantia Integral da Liberdade Sexual, mais conhecida como “Solo sí es sí”, que endurece o conceito de agressão sexual e estupro.
O texto se baseia, principalmente, na necessidade do consentimento antes da relação sexual para caracterizar o crime. “Só se entenderá que há consentimento quando este tiver sido livremente expresso por meio de atos que, diante das circunstâncias do caso, expressem claramente a vontade da pessoa”, diz um trecho.
É com base nessa lei, aliás, que o jogador brasileiro Daniel Alves foi preso em janeiro deste ano por ter estuprado uma jovem de 23 anos numa boate em Barcelona em 30 de dezembro de 2022 – quando a lei já estava em vigor, portanto.
Entenda o caso Rubiales
Na premiação da Copa do Mundo, que viu a Espanha campeã pela primeira vez, o presidente da RFEF, Luis Rubiales, beijou sem consentimento a jogadora Jenni Hermoso, camisa 10 da seleção, após abraçá-la efusivamente. Ele também abraçou outras jogadoras, mas beijou apenas a atacante.
Já nos vestiários, Jenni comentou em uma transmissão ao vivo no Instagram que “não tinha gostado do beijo”, pareceu surpresa quando viu as imagens pela primeira vez e reiterou que “nada poderia ter feito”. Momentos depois, o próprio Rubiales apareceu nos vestiários ao lado da jogadora, dizendo que convidaria as atletas campeãs para Ibiza, onde seria celebrado o casamento entre ele e a camisa 10.
No dia seguinte, Rubiales publicou um vídeo em suas redes sociais pedindo desculpas: “Temos uma relação magnífica, assim como temos com outras jogadoras. Cometi, seguramente, um erro, tenho que admiti-lo. Porque, num momento de celebração, sem qualquer má intenção ou má-fé, aconteceu o que aconteceu, creio que de maneira muito espontânea”.
