O que fez a Espanha ser campeã na 3ª vez que disputou a Copa feminina?

Foto: Fifa/Divugação

A seleção espanhola soube deixar problemas entre jogadoras e comissão técnica de lado para desempenhar um futebol capaz de conquistar o primeiro título na Copa do Mundo feminina, mesmo sendo apenas a terceira edição disputada pelo país. Por isso, elencamos cinco pontos que impulsionaram a Espanha a chegar no auge do futebol feminino mundial, mesmo partindo bem depois de outras seleções.

1- Investimento e títulos nas categorias de base da seleção

Seleção espanhola: campeã mundial sub-17 | Foto: FIFA/Getty Images

A Espanha conquistou seu primeiro título no futebol das mulheres em 2018, quando foi campeã mundial Sub-17. No mesmo ano, foi vice-campeã mundial no Sub-20. E, ano passado, o país foi hegemônico nas categorias de base. Em 2022, conquistou o título inédito no mundial sub-20 e foi bicampeã mundial sub-17. Por sinal, das sete edições de Copa do Mundo da categoria que reúne atletas de até 17 anos realizadas pela Fifa, a seleção espanhola esteve no pódio por cinco vezes.

Salma Paralluelo é o exemplo mais evidente dos frutos que o fomento nas categorias de base podem render. Aos 19 anos, a atacante estreou na Copa do Mundo adulta, marcou dois gols e terminou como a melhor jogadora jovem da competição, além do título de campeã mundial. Ela ainda se tornou a única jogadora a vencer a Copa nas três categorias diferentes: sub-17, sub-20 e adulta. 

2- Crescimento da Liga Espanhola com bons patrocínios

Campeão da Primeira Divisão Feminina de 2015/2016, Athletic Club posa para foto com a patrocinadora que integrou o nome da liga na temporada seguinte

Chamada de Primera División Femenina, a liga espanhola de futebol feminino passou por mudanças importantes na temporada 2019/2020, como limitar os 16 clubes participantes a ter no máximo  quatro jogadoras estrangeiras e estabelecer um mínimo de atletas sub-23, com o objetivo de desenvolver o futebol de base feminino do país. Nesse período também foi criada a Supercopa da Espanha, decidida entre o campeão da liga nacional e da Copa da Rainha. 

Para que a liga feminina despertasse o interesse do grande público, os organizadores cederam a expertise em comunicação e divulgação do campeonato espanhol masculino, um dos mais vistos no mundo. Paralelamente, a profissionalização do futebol jogado por mulheres em grandes clubes, como o Barcelona, trouxe holofotes para a liga feminina e acirrou rivalidades com times que já tinham força na modalidade, como o Atlético de Madrid.

Um jogo entre Barcelona e Atlético de Madrid pela liga espanhola em março de 2019 contou com mais de 60 mil torcedores no estádio Wanda Metropolitano, nos arredores de Madri. A Liga Feminina continuou crescendo gradualmente em público, fechou acordos de televisão e passou a atrair mais patrocínios, como o contrato firmado com a empresa de energia renovável Iberdrola em 2016.

A profissionalização de jogadoras de grandes clubes da liga espanhola, porém, precisou de barulho para chegar a todas as equipes. Em 2019, atletas da primeira divisão fizeram boicotes e greves por melhores condições de trabalho. No início de 2020, veio o resultado: um acordo histórico que passou a prever salário anual a todas as jogadoras de futebol da elite, com direito a licença maternidade, pagamento em período de lesão e férias remuneradas.

3- Força de clubes de camisa no futebol feminino

Barcelona e Atlético de Madrid em jogo válido pela Primera Iberdrola | Foto: Barcelona/Divulgação

Apesar de profissionalizar o time feminino em 2015, o Barcelona viveu uma ascensão meteórica e se consolidou de vez como uma potência do futebol feminino após chegar na terceira final consecutiva da Champions League neste ano, tendo conquistado o título europeu em 2021 e 2023. 

O clube catalão é responsável também por abastecer a base da seleção espanhola. Das 23 jogadoras campeãs do mundo, nove são do Barça. Entre elas está a meia Aitana Bonmatí, que já tinha sido destaque da campanha vitoriosa do clube na conquista da Champions e terminou a Copa do Mundo com o prêmio de melhor jogadora da competição. 

A lista ainda conta com Alexia Putellas, dona de duas Bolas de Ouro, e Salma Paralluelo, jovem destaque da Copa do Mundo que chegou no time na última temporada. Isso sem contar com Jenni Hermoso, camisa 10 da Espanha que defendeu o Barça de 2014 a 2022. 

O Real Madrid começou a ter futebol feminino oficialmente apenas em julho de 2020 após 118 anos de existência, quando anexou o CD Tacón, um clube de Madri criado em 2014 que havia chegado na primeira divisão feminina espanhola naquele ano. Apesar de tardia, a chegada do Real na primeira divisão fortaleceu ainda mais a liga espanhola, que já tinha Barcelona e Atlético de Madrid como grandes marcas mundiais.  

Mesmo sem chegar no patamar do rival, o Real Madrid feminino contou com 12 jogadoras na Copa do Mundo, sendo sete delas na seleção da Espanha: caso da meia campista Teresa Abelleira, que esteve entre as melhores jogadoras do Mundial e Olga Carmona, autora do gol do título. No entanto, o clube ainda não conseguiu desempenhar grandes resultados em campo.

O Real foi vice-lider da primeira divisão da liga espanhola, 10 pontos atrás do campeão Barcelona, e não passou da fase de grupos da Champions League diante dos fortes Chelsea e Paris Saint-Germain, que caíram na sua chave. 

No início deste ano, porém, apostou em um reforço estrelar para tentar dar o salto de rendimento que lhe falta: contratou a colombiana Linda Caicedo, vencendo uma queda de braço com times poderosos como o Chelsea e o Barcelona pela atacante que havia recém-completado 18 anos. O desempenho de Caicedo na Copa do Mundo comprova o alto investimento do time que tem um projeto para mudar de patamar no cenário internacional do futebol feminino. 

4- Recordes de público nos estádios

Mais de 60 mil torcedores no Atlético de Madri x Barcelona pela liga espanhola, em 2019 | Foto: Atlético de Madri/Divulgação

Os times espanhóis estão envolvidos em oito dos 20 maiores públicos do futebol feminino em jogos de clubes. Apenas um deles não tem o forte Barcelona e foi disputado em 29 de janeiro de 2019, quando o futebol jogado por mulheres começava a alcançar números expressivos na Espanha. 

Naquele dia, o Athletic Bilbao havia batido o então recorde de público, ao levar 48.121 torcedores para assistir ao confronto contra o Atlético de Madrid, pelas quartas de final da Copa da Rainha, no estádio San Mamés, na cidade de Bilbao. “Essa é uma recordação para toda a vida”, disse o treinador do Atlético de Madri, José Luis Sánchez Vera. 

Na época, foi o segundo maior público do futebol feminino entre clubes, atrás somente dos 51.211 torcedres no Monterrey x Tigres pelo campeonato mexicano no ano anterior. O público foi maior até que os 45.423 de Chelsea x Arsenal, em Wembley, na final da Copa feminina da Inglaterra, em 2018. Para atrair os torcedores ao estádio em uma noite chuvosa de terça-feira, o Athletic convidou ao estádio todas as ex-jogadoras do clube e pessoas do esporte e da política: foram convidadas mais de 100 mulheres. A partida contou também com a presença do lehendakari (chefe do Governo basco) Iñigo Urkullu.

Dois meses depois, Atlético de Madrid e Barcelona se enfrentaram diante de 60.739 pessoas, batendo o então recorde mundial – atualmente, esse é o quinto maior público. O Atlético geralmente mandava os jogos no Centro de Treinamento, mas a liderança do time na Liga Iberdrola gerou uma busca alta de ingressos para o jogo contra o rival, obrigando a diretoria do clube a transferir a partida para o Wanda Metropolitano, com capacidade para 68 mil pessoas, nos arredores de Madrid. 

Os ingressos foram disponibilizados gratuitamente aos sócios e vendidos por 5 euros (cerca de R$22) ao público em geral. O jogo acabou com a derrota do Atlético por 2 a 0 para o Barça, com gols de Asisat Oshoala e Toni Duggan, mas foi um marco importante na popularização que o futebol feminino vivia na Espanha. 

A partir de 2019, o Barcelona passou a ter campanhas expressivas no principal campeonato europeu de clubes. Foi vice-campeão da Champions League feminina de 2018/2019, após perder para o Lyon na final, e caiu nas semifinais para o tradicional Wolfsburg, da Alemanha, na temporada seguinte. Mas em 2020/2021 conquistou o título europeu com uma goleada por 4 a 0 sobre o Chelsea na decisão. 

O título impulsionou os torcedores a abraçarem a equipe e protagonizarem os dois maiores públicos dos jogos femininos entre clubes na temporada seguinte da Champions. Primeiro, o Barcelona levou 91.553 pessoas ao Camp Nou para o clássico contra o Real Madrid, pelas quartas de final, que venceu por 5 a 2. Depois, recebeu ainda mais gente: 91.648 pessoas no jogo de ida das semifinais contra o Wolfsburg, que também venceu por 5 a 1. Naquela Champions de 2021/22, o Barça voltou a chegar na final, mas perdeu o título para o Lyon. 

Veja os maiores públicos de clubes femininos espanhóis 

Barcelona 5 x 1 Wolfsburg – 91.648
1º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: ida das semifinais da Champions League 2021/22
Estádio: Camp Nou (Barcelona)
Data: 22/04/2022

Barcelona 5 x 2 Real Madrid – 91.553 pessoas
2º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: volta das quartas de final da Champions League 2021/22
Estádio: Camp Nou (Barcelona)
Data: 30/03/2022

Barcelona 1 x 1 Chelsea – 72.262 pessoas
4º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: volta da semifinal da Champions League 2022/23
Estádio: Camp Nou (Barcelona)
Data: 27/04/2023

Atlético 0 x 2 Barcelona – 60.739 pessoas
5º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: 24ª rodada do Campeonato Espanhol
Estádio: Wanda Metropolitano (Madri)
Data: 17/03/2019

Barcelona 5 x 1 Roma – 54.667 pessoas
7º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: volta das quartas de final da Champions League de 2022/23 
Estádio: Camp Nou (Barcelona)
Data: 29/03/2023

Athletic Bilbao 0 x 2 Atlético de Madrid – 48.121
13º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: quartas de final da Copa da Rainha 2019.
Estádio: San Mamés (em Bilbao)
Data: 29/01/2019

Barcelona 3 x 0 Bayern de Munique – 46.967
14º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo: fase de grupos da Champions League 2022/23
Estádio: Camp Nou (Barcelona)
Data: 24/11/2022

Roma 0 x 1 Barcelona – 39.454
20º maior público entre clubes do futebol feminino
Jogo:  ida das quartas de final da Champions League 2022/23
Estádio: Estádio Olímpico de Roma
Data: 21/03/2023

5- Putellas e Bonmatí: inspiração a novas gerações

O futebol é um esporte coletivo e está cada vez mais tático e estratégico, mas os protagonistas continuam sendo quem está dentro de campo. São os jogadores e as jogadoras que mais marcam a memória de torcedores pelos dribles desconcertantes, jogadas encantadoras ou gols decisivos. Muitos passam a virar ídolos, a quem outras pessoas admiram e passam a seguir ou mesmo querer imitar. 

Tem sido assim, com Alexia Putellas, meio-campista eleita melhor do mundo pela Fifa e pela Bola de Ouro pelo segundo ano seguido no início deste ano. É inegável a força de um ídolo para inspirar gerações e Putellas tem exercido esse papel mundo afora e, especialmente, entre jovens promessas dentro da Espanha.

Jogadora do Barcelona desde 2012, Putellas foi fundamental na conquista da tríplice coroa do time na temporada 2020/2021, quando foi campeão da liga espanhola, da Copa da Rainha e da Champions League. Seu rendimento lhe rendeu o prêmio de melhor jogadora da Uefa, da Bola de Ouro e da Fifa em 2021, tornando-se a primeira jogadora a vencer os três prêmios em um mesmo ano. 

Na temporada seguinte, Putellas foi eleita a melhor do mundo pela segunda vez pela Fifa e pelo Bola de Ouro. Ela marcou 34 gols e deu 19 assistências em 42 jogos pelo Barcelona na temporada 2021/2022, sendo decisiva nas conquistas da Copa da Rainha e do campeonato espanhol. É verdade que não levou o título mais importante, já que o Barça foi vice-campeão da Champions League (perdeu a final para o Lyon, por 3 a 1), mas a meia terminou como artilheira do torneio, com 11 gols.

Importante pontuar que Putellas passou pelas seleções de base da Espanha: venceu o Campeonato Europeu Sub-17 em 2010 e 2011 e foi vice-campeã europeia sub-19, em 2012. Estreou na seleção principal em 2012 e participou das três Copas do Mundo femininas que a Espanha disputou em 2015, 2019 e 2023. Na última, Putellas não foi decisiva quanto de costume por ter voltado aos gramados perto do Mundial após ficar 10 meses afastada em recuperação do rompimento do ligamento do joelho. 

Mas a Espanha parece ter acertado a fórmula de produzir craques. A meia Aitana Bonmatí tem tudo para fazer com que o país permaneça representado na premiação de melhor do mundo da Fifa. Ao menos nas principais competições de clubes e seleções da temporada, ela já levou: foi eleita melhor jogadora da Champions League e da Copa do Mundo. Ao que tudo indica, se a Espanha continuar aliando o forte trabalho de formação de atletas à visibilidade que suas craques vem ganhando, esse título mundial será só o começo de muitas conquistas espanholas no futebol feminino.

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Uma resposta

  1. é obvio que foi na base que a Espanha cresceu.
    So quatro estrangeiras por equipe, dinheiro, clubes de camisa e patrocinio. Mas deu pena ver a inferioridad tatica, mental e ate certo ponto fisica do time do Brasil.
    E que de melhor nossas jogadoras tinham, a treinadora nao entendia nem valorizava. Escolheu alguns caminhos (e ate uteis) mas na trilha principal tinha muito buraco em que as jogadoras cairam.

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