Com elenco ‘made in USA’ e apoio dos Marley, Jamaica busca classificação inédita contra Brasil

Foto: David Gray/AFP

Com uma vitória e um empate, a Jamaica depende apenas de um ponto diante do Brasil para avançar às oitavas de final pela primeira vez em uma Copa do Mundo – feminina ou masculina. Para efeito de comparação, com dois jogos na fase de grupos no Mundial de 2019, a equipe tinha zero pontos – perdeu na estreia para o Brasil por 3×0 e, na sequência, para a Itália por 5×0. Dito isso, como foi que a Jamaica conseguiu essa evolução já na segunda participação em Copas?

Bom, uma coisa é certa: investimento conta. E popularidade também. Graças à Cedella Marley, filha do icônico cantor Bob Marley, a seleção conseguiu fundos para se manter viva quando correu o risco de acabar. “O ano era 2008 e meu filho, Skip, chegou em casa com um flyer pedindo ajuda para as Reggae Girlz. Eu liguei para algumas pessoas para saber qual era a situação, e me disseram que o time terminaria porque não tinha financiamento”, contou Cedella Marley. “Não porque elas não eram boas, mas porque não tinham dinheiro. Para os meninos, tem; mas para as meninas, não.”

Foi o que bastou para que Cedella Marley se envolvesse de vez com as Reggae Girlz a ponto de se tornar embaixadora da seleção jamaicana. E isso só aconteceu após anos de investimento dela: em 2014, a seleção se tornou financeiramente independente depois de uma campanha vitoriosa que arrecadou 50 mil dólares (cerca de R$ 250 mil) para a disputa dos jogos da Concacaf. Nessa época, o foco era a vaga para o Mundial de 2015, que acabou não vindo.

Mesmo assim, a sementinha foi plantada justamente pela herdeira de Marley: Cedella viajou com a seleção durante o torneio para avaliar as necessidades das jogadoras com o objetivo de fazer com que elas pudessem competir em alto nível. “Elas não tinham kit, não tinham top esportivo, nutrição… Me pediram barras de cereal. Eu fiquei realmente irritada”, disse Cedella. Graças à ela, uma estrutura foi montada para atender as jogadoras – estrutura que se mantém até hoje.

Mas a base montada pela herdeira Marley foi só uma parte do todo. Foi preciso mais para estruturar uma equipe competitiva para se classificar ao primeiro Mundial disputado em 2019 e, especialmente, para a Copa do Mundo de 2023. Nesse ponto, outra pessoa também foi importante e deixou sua marca: o treinador Lorne Donaldson.

E quando saiu o grupo da Jamaica, com França e Brasil, ele nem se abalou: “A gente consegue um bom resultado diante da França e sacode as estruturas, deixa todo mundo nervoso”. Predestinado ou não, o empate sem gols diante das europeias, mais do que a vitória sobre o Panamá por 1×0, foi, para ele, “o resultado mais importante da história da seleção”. Porém a Jamaica quer mais. E Lorne Donaldson sabe que vai precisar de muita concentração para vencer o Brasil na última partida da fase de grupos e garantir a classificação inédita à fase mata-mata. “Espero um bando de hienas selvagens”, disse o técnico.

Lorne Donaldson assumiu a Jamaica em julho de 2022. (Foto: Fifa)

Donaldson recebeu a missão de comandar as Reggae Girlz em julho de 2022, um ano antes da Copa do Mundo. Mesmo com pouco tempo para preparar a equipe que disputaria as qualificatórias do Mundial, ele sabia exatamente o que fazer, já que tinha trabalhado na comissão técnica há bastante tempo. Buscou em países com mais tradição no futebol feminino jogadoras que tinham nacionalidade jamaicana. O resultado, que se aprofundou nesse ciclo, foi interessante: das 23 atletas convocadas, apenas cinco nasceram na Jamaica. Maioria no elenco, dez das convocadas nasceram nos EUA. Outras cinco nasceram na Inglaterra e as outras três que completam o elenco são da Alemanha, Hong Kong e Canadá.

Apesar disso, a Jamaica chegou até essa Copa do Mundo sob protestos das jogadoras. Elas divulgaram ainda em junho uma carta reivindicando melhores condições de trabalho e pedindo mais atenção da confederação de futebol do país.

“Por várias vezes, sentamos para conversar respeitosamente com a confederação a respeito de uma preocupação nossa com o planejamento, o transporte, as acomodações e as condições de treinamento, o acesso a recursos básicos. Nós inclusive nos apresentamos para os compromissos sem receber a compensação financeira prometida no contrato”, afirmaram as jogadoras em comunicado nas redes sociais.

“Nós esperamos que usando nossas plataformas para mostrar a situação real, nossos esforços serão recompensados. Esperamos que haja uma mudança imediata e sistemática na confederação e que os que a comandam tomem atitudes para proteger a integridade do futebol feminino”.

O caos do lado de fora não se refletiu dentro de campo, e a seleção jamaicana chega pra essa partida contra o Brasil já consciente de que fez uma campanha histórica conquistando os quatro pontos que somou até aqui no torneio.

Para conseguir uma classificação inédita na Copa do Mundo, a seleção vai apelar para o seu principal talento ofensivo. Uma das principais jogadoras da Jamaica – e do mundo –, Khadija Shaw, atacante do Manchester City, estará de volta para a partida contra o Brasil. A centroavante de 26 anos foi expulsa na estreia contra a França e cumpriu suspensão diante do Panamá, na segunda rodada. Ela é o trunfo ofensivo das Reggae Girlz, mas não é o único. E, segundo o técnico Lorne Donaldson, a seleção jamaicana não se limitará a apenas se defender contras as brasileiras.

Khadija “Bunny” Shaw (Foto: William West/AFP)

“Bunny Shaw está de volta, mas ela é só uma jogadora. Temos que estar prontos para pegar o Brasil. O Brasil vai atrás da gente. Elas têm que ganhar o jogo, então vão jogar tudo em cima de nós. A gente precisa se assegurar como uma unidade defensiva coletiva, que somos bons. Mas temos que tentar tirar alguma coisa, não podemos simplesmente sentar e dizer ‘vamos nos defender o tempo todo’. Precisamos jogar das duas formas, temos que tentar os gols”, apontou Lorne Donaldson.

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