Não queremos um dia especial, queremos igualdade e respeito o ano inteiro

(Destaque: Exposição “Visibilidade para o Futebol Feminino” no Museu do Futebol – Foto: Roberta Nina / Dibradoras)

Chegou o Dia da Mulher. E, mais uma vez, o oito de março é pauta em diversas mídias, empresas, clubes de futebol e por aí vai. Talvez esse seja um dos poucos dias do ano em que as mulheres são realmente vistas, aplaudidas e valorizadas pelo que são e fazem.

Pra muita gente, o oito de março geralmente é sinônimo de flores, chocolates, presentes, aplausos, campanhas, descontos e afins. Nesse dia também – pasmem! – as empresas permitem até que as mulheres ocupem uma posição de destaque, olha só que legal!

Sabe aquele programa esportivo que durante 364 dias por ano é ancorado por homens do jornalismo esportivo? Vejam só, no oito de março é permitido ter uma mulher no comando. Não é maravilhoso? Eles cedem espaço a uma jornalista para que elas possam ter esse gostinho de ser tratada com igualdade.

O programa SportsCenter, da ESPN, foi apresentado somente por mulheres pela 1ª vez em 2022 (Foto: Divulgação/ESPN)

Outra coisa que normalmente acontece é ver aquele companheiro (marido, namorado e afins) presentear a parceira que ele ama na data específica. No restante do ano, não faltam agressões (verbais e físicas), mas o oito de março é sa-gra-do. Na política, na ciência, no direito, na magistratura, na pesquisa, na universidade, no esporte, não faltarão homenagens e discursos: “o dia da mulher é todo dia”.

Não, não é todo dia. Aliás, quase nunca é dia da mulher. Todo dia, na verdade, é dia da mulher ganhar menos do que o homem desempenhando a mesma função, todo dia é dia de sofrer violências (segundo Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registra um estupro a cada 10 minutos) e todo dia é dia de lembrarmos as opressões que tentam nos fazer desistir da luta pelo mínimo: igualdade de direitos.

E já que essa data existe, resolvemos deixar claro o que REALMENTE as mulheres querem.

Igualdade 

Se pudéssemos resumir em duas palavras o que as mulheres mais precisam seria igualdade e respeito. Só assim a vida delas passaria a ser melhor e mais justa.

Começando pela igualdade e parafraseando o título do livro maravilhoso da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie: é necessário que sejamos todos feministas. É preciso entender, de uma vez por todas, que a luta central do feminismo é buscar a igualdade dos direitos civis entre homens e mulheres.

E já será um grande passo quando as pessoas compreenderem que o feminismo NÃO é o contrário de machismo e NÃO é um movimento liderado por mulheres que detestam homens e querem prejudicá-los. Não é nada disso!


Precisamos lutar por um estado igual, especialmente quando nos referimos a status, direitos e oportunidades. As mulheres querem ter o poder de decidir o que querem fazer de suas vidas, sem serem julgadas por aquilo que a sociedade impõe, como por exemplo: jogar futebol, ser dona de casa, não querer ser mãe, usar a roupa que lhe convém, viajar sozinha, beber, dançar, se casar. Elas querem ter o poder de escolher o que acham melhor pra si mesmas – meu Deus, eu até tremo ao escrever uma frase desse tipo porque é algo tão simples, não é mesmo?

Quem foi que falou que o lugar de mulher é SÓ na cozinha? Quem definiu a regra de que mulher TEM QUE se casar? Ou então que ela NÃO PODE sair de casa desacompanhada?

Citando exemplos reais: somente em 1979 as mulheres puderam jogar futebol no Brasil. Enquanto a seleção brasileira masculina de futebol já era tricampeã do mundo, aquelas que desafiaram a lei e chutavam uma bola, foram presas.

Exposição “Visibilidade para o Futebol Feminino” no Museu do Futebol (Foto: Roberta Nina / Dibradoras)

Durante os períodos autoritários da história brasileira (tanto na ditadura de Getúlio Vargas quanto na ditadura militar), jogar futebol virou caso de polícia para elas, que passaram quatro décadas proibidas de praticar esse e outros esportes considerados “inadequados para o corpo feminino”.

O decreto lei número 3.199 de 14 de abril de 1941 dizia: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país”.

Há 80 anos, uma lei tentou impedir mulheres de jogarem futebol

Citando outro exemplo esportivo, Jackie Silva, ex-jogadora de vôlei, também ousou lutar por direitos iguais dentro de quadra e protestou, em um treino, vestindo seu uniforme ao contrário. “Os jogadores recebiam dinheiro pelo patrocínio, e as jogadoras não recebiam nada. Era aquele negócio: compre um e leve dois ”, disse às Dibradoras.

Ela foi punida, taxada de “rebelde” e afastada do esporte. Mas, quem diria, que em 1996, ao lado de Sandra Pires, ela se tornaria uma das primeiras mulheres a conquistar uma medalha de ouro olímpica nos Jogos de Atenas? “Essa conquista histórica, na realidade, é parte de tantas histórias, de tantas atletas incríveis que abriram a estrada e vieram lá de baixo”, declarou Jaque.

+ AS MULHERES QUE DESAFIARAM A LÓGICA E MUDARAM A HISTÓRIA DO ESPORTE

E “novas-velhas” conquistas continuam acontecendo. Seguindo no exemplo do vôlei, nenhuma mulher havia conquistado o posto de se tornar treinadora de uma seleção brasileira da modalidade até Hélia de Souza – a campeã olímpica Fofão – ocupar esse cargo há um mês. Agora, é ela quem comanda a seleção feminina sub-17. Um passo simples, mas que levou décadas para acontecer.

E já que citamos as mulheres olímpicas, se não fosse pela luta da francesa Alice Milliat, sabe-se lá quando é que elas seriam autorizadas a disputar os Jogos Olímpicos. Em 1919, Alice foi ao Comitê Olímpico Internacional para pedir que incluísse o atletismo feminino no programa da competição e levou um sonoro NÃO dos homens. E foi isso que a motivou a criar os “Jogos Olímpicos das Mulheres”, que teve sua primeira edição em 1921, em Mônaco, com a participação de delegações femininas da França, Inglaterra, Itália, Noruega e Suécia.

Depois disso, a presença feminina foi aumentando até que a tão sonhada igualdade de oportunidades na Olimpíada fosse alcançada em 2012. Com a inclusão do boxe feminino, as mulheres puderam disputar as mesmas modalidades que os homens pela primeira vez na história dos Jogos.

Citamos aqui apenas alguns exemplos esportivos que reforçam a famosa frase: “nada nos foi dado, tudo foi conquistado”. As mulheres seguirão ativas e atuantes, mas se a gente puder receber um presentinho de vocês neste oito de março, um dos mais desejados seria também a EQUIPARAÇÃO SALARIAL.

Uma mulher tem lutado para diminuir essa injustiça. A deputada Sâmia Bonfim é autora do Projeto de Lei 111/23 que torna obrigatória a equiparação salarial entre homens e mulheres para funções ou cargos idênticos. Por isso é tão importante ocuparmos cargos de poder para conseguirmos mudar a lógica do sistema machista e excludente que vivemos.

Mas é bom a gente não parar de lutar já que de acordo com o relatório do Fórum Econômico Mundial de 2022, a tão sonhada (e justa) equidade de gênero será alcançada daqui 132 anos.

Respeito

Outro “mimo” bem acessível para todos os bolsos e que toda mulher sonha em ganhar é respeito. Enquanto TRINTA E CINCO MULHERES FOREM AGREDIDAS POR MINUTO NO BRASIL, a sociedade como um todo está doente. Segundo dados divulgados recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Datafolha, mais de 3 milhões de mulheres sofreram ameaças com faca ou arma de fogo e quase 8 milhões receberam agressões como chutes e socos no ano passado.

Um dos fatores que contribuíram para o aumento da violência contra a mulher em 2022, se deve ao fim de financiamentos das políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do governo Bolsonaro nos últimos 4 anos.

“Nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que, em 2022, ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres em uma década. Sem recursos financeiros, materiais e humanos não se faz política pública”, aponta a pesquisa.

No futebol, esporte que tanto amamos, é muito comum percebermos como casos de violência contra a mulher envolvendo jogadores de futebol têm sido cada vez mais recorrentes. Não há evidências para comprovar se os casos estão mesmo aumentando ou se o que efetivamente está acontecendo agora é um aumento de denúncias – já que muitos deles podem ter acontecido sem que houvesse queixas formais à polícia (há muita subnotificação nesse tipo de crime).

Caso Daniel Alves e a necessidade de debater a cultura machista do futebol

Fato é que, de acordo com levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em 2021, a cada cinco dias há uma mulher denunciando um jogador de futebol por crimes de violência doméstica ou sexual no estado de São Paulo. Isso considerando apenas os casos que viram denúncias formais na delegacia.

Ofensas verbais também são tipos de violência mais citados pelas mulheres (23,1%, que corresponde a 14,9 milhões de casos em 2022) e no esporte também é MUITO comum presenciar esse tipo de situação.

Desde os xingamentos dirigidos às árbitras (“vagabunda, não entende nada”, “volta pra cozinha”), até às atletas (“maria macho, não sabe chutar uma bola”), as ofensas também são machistas, homofóbicas e racistas.

+ PARA ALÉM DAS ENCARADAS: VIDA DE ÁRBITRA TEM ATÉ SABOTAGEM EM TESTE FÍSICO

Quem não se lembra da discriminação racial vivida pela judoca Rafaela Silva, quando foi desclassificada na segunda luta nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Naquela ocasião, ela pensou em desistir do esporte.

‘Quando precisei, ninguém me deu a mão’, diz Rafaela Silva

“Muitas pessoas falaram que lugar de macaco era na jaula, não numa Olimpíada. Que eu era uma vergonha pra minha família, que pagavam impostos pra eu roubar, que era pra eu voltar rastejando de Londres. E quando eu voltei eu disse que não queria mais praticar esportes. Fiquei alguns meses longe. Até que eu cheguei em casa e minha irmã disse que tinha uma coach (Nell Salgado) que me deu acompanhamento psicológico. Voltei a competir em abril de 2013”.

Depois disso, Rafa deu a volta por cima e conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos do Rio, mas esse episódio ficou marcado pra sempre na vida da atleta.

As mulheres querem respeito e liberdade para serem do jeito que quiserem, usarem a roupa que bem entenderem, andar tranquilamente na rua e para se sentirem seguras até mesmo dentro de casa (parece óbvio, mas não é).

Para finalizar esse texto, não podemos esquecer o que dizia Simone de Beauvoir: “basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Portanto, o presente que as mulheres mais desejam nesta data é estarem vivas para protestarem pelos seus direitos como cidadãs e comemorarem outros tantos oito de março ao longo de suas vidas.

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