Glória – Substantivo feminino. Significado: 1. grandeza, honra, orgulho. / 2. fama que uma pessoa obtém por feitos heróicos, grandes obras ou por suas extraordinárias qualidades. Maria vem do hebraico, que significa: mulher soberana. Coincidência? Bom, eu acho que não.
Glória Maria veio ao mundo para brilhar, lutar e representar um povo. Glória começou na TV Globo nos anos 1970 e, em 1977, foi a primeira repórter a entrar ao vivo na TV em cores pelo Jornal Nacional. Uma mulher preta, na década de 70, em um ambiente predominantemente masculino. E o que ela fez? História!
História essa de um povo silenciado, ignorado, escondido pela sociedade. Glória deu voz, luz e esperança. Em 1998, foi chamada para apresentar o Fantástico, que, até então, só era comandado por loiras. “As pessoas mandavam cartas para a redação ou telefonavam quando eu comecei a apresentar o programa. Mesmo assim, apresentei de 1998 a 2008, dez anos certinho. Eu comemorei quando fui chamada para apresentar o Fantástico. Comemorei com os meus amigos. Fui feliz!”, contou, em uma entrevista ao Mano Brown, no podcast “Mano a Mano”.
Glória era assim: revolucionária. Passou a vida inteira dizendo que não queria revelar a idade. “Tempo é tempo, não é número. Idade nunca fez parte da minha família, porque poucos foram registrados, ninguém sabia o ano que nasceu, nem há quanto tempo. Eu fui praticamente a primeira a estudar, a se formar.” Idade a limitava, e Glória só queria ser livre.
Representatividade
Muitas de nós, hoje, só estamos aqui por causa da Glória Maria. Por quê? Porque ela abriu portas, ela chegou onde ninguém mais chegou, ela foi sem medo, sem correntes, sem entraves. Glória Maria foi quando ninguém acreditava. Glória Maria foi necessária.
“No primário, só tinham quatro ou cinco meninas pretas como eu. No ginásio, só tinham duas ou três. Passei pro clássico, só tinha uma. Na faculdade, só tinha eu. Então, eu aprendi isso tudo da minha vida de uma maneira natural e nunca tive uma atitude de vitimismo e, sim, de enfrentamento. Eu nunca tive medo. Eu sabia que eu tinha que passar por aquilo tudo, mas eu não queria passar. Eu tive que fazer alguma coisa: não vou aceitar as cascas de banana que colocam no meu caminho. Eu quero ir em frente. O que é ir em frente? Eu não sei. Eu não tive referência. Eu não tive em quem me espelhar, ninguém me ensinou”, relembra.
A Maria da época não teve referência, mas, hoje, graças a essa Maria, temos Karine Alves, Débora Gares, Flávia Oliveira, Maju Coutinho, Luciana Barreto e tantas outras para a nova geração se espelhar e falar: “Sim, é possível”.
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Uma publicação compartilhada por Maria Júlia Coutinho (@majucoutinhoreal)
Para mulher, o caminho é sempre mais difícil, mais longo, mais árduo, mais tortuoso. Para mulher negra, então, nem se fala. Mas Glória nunca deixou ninguém a podar. “Quando eu comecei, eu usava o cabelo Black Power, porque eu queria usar, não é porque ninguém me falou: ‘Olha, é um movimento negro’. Eu usava porque eu achava lindo e queria ser assim. Depois falei: ‘Eu não quero mais, porque eu faço da minha vida e do meu corpo o que eu quero e não o que as pessoas querem que eu faça’. Fui criada para ser livre, em todos os sentidos. A qualquer preço. E é um preço caro, altíssimo hoje. Porque as pessoas te cobram, porque você tem que se enquadrar dentro do modelo que elas querem, você tem que ser daquele jeito de qualquer jeito”, empondera.
Glória Maria morreu nesta quinta-feira (02/02), no Hospital Copa Star, na Zona Sul do Rio de Janeiro, em consequência de um tumor no cérebro.
Glória Maria foi, é, e sempre será a mulher que escancarou portas para jamais fechá-las.