Em ano eleitoral, CBF faz mudanças no futebol feminino; há risco de retrocesso?

A CBF decidiu demitir a coordenadora de seleções femininas, Duda Luizelli, nesta semana e vai se pronunciar oficialmente ainda nesta quarta-feira sobre isso. A notícia da saída da dirigente foi dada por Ana Thaís Matos e Cíntia Barlem no ge.globo.

Duda assumiu o cargo em setembro de 2020, quando o presidente da CBF à época, Rogério Caboclo, anunciou as chegadas dela e da coordenadora de competições femininas, Aline Pellegrino. Pouco mais de um ano depois, muita coisa mudou no comando da entidade. Caboclo foi afastado do cargo por uma grave acusação de assédio, e Ednaldo Rodrigues, presidente da Federação Baiana, foi indicado pelo Conselho para assumir a função interinamente.

A mudança gerou certa instabilidade no futebol feminino, já que essa era uma bandeira declarada de Rogério Caboclo. Algumas definições de amistosos para o fim do ano acabaram demorando a acontecer, e a despedida da lendária Formiga aconteceu com erros de planejamento e divulgação que geraram um público pequeno na Arena da Amazônia no seu último jogo. O futebol feminino, que tinha portas abertas e mais autonomia na gestão anterior da CBF, agora precisava convencer os novos dirigentes de sua real importância.

Foto: CBF

Ainda não se sabe ao certo os motivos que levaram o novo presidente da confederação, Ednaldo Rodrigues, a decidir pela saída de Duda Luizelli do cargo. O ano de 2022 é de eleição na entidade e há muitas disputas políticas internas acontecendo entre os figurões da CBF. Segundo o ge.globo, a escolha da substituta de Duda já estaria feita: seria Aline Pellegrino, que antes ocupava o cargo de coordenadora de competições.

Se isso se confirmar, há um ponto positivo – o fato de o cargo permanecer com alguém que entende do futebol feminino e está preparada para exercer a função – e outro negativo, que é sobre o futuro do cargo que Pellegrino ocupava. Como coordenadora de competições, a ex-dirigente da FPF conseguiu conquistas importantes, como a criação de uma terceira divisão (que vai começar neste ano) e também de uma nova competição no calendário – a Supercopa do Brasil, que acontecerá em fevereiro.

 

 

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Aline Pellegrino, desde que foi cotada inicialmente para o cargo de coordenadora de seleções, em 2020, sempre deixou claro que não gostaria de exercer essa função. Não, ao menos, do jeito que ela é hoje, restrita à parte organizacional das seleções femininas. Ela sempre gostou mais da ideia de trabalhar com o desenvolvimento da modalidade como um todo, com autonomia para isso.

Caso ela seja a substituta de Duda, quem ficará com a função das competições? Será que a CBF, que havia aberto suas portas finalmente para a presença de mais mulheres em cargos de comando (como foi desde 2019 com a chegada de Pia Sundhage para a seleção principal, de Jéssica de Lima como auxiliar da sub-20, Simone Jatobá como técnica da sub-17 e finalmente Duda Luizelli e Aline Pellegrino na gestão), vai voltar a fechá-las? Será que usará cargos do futebol feminino politicamente para agradar futuros eleitores?

Retrocesso?

Há de se estranhar mudanças drásticas na coordenação das seleções femininas em um ano tão decisivo – em julho, tem Copa América na Colômbia, competição que vale vaga para a Copa do Mundo de 2023; em um mês, tem o primeiro compromisso oficial do ano, o Torneio da França, com a seleção principal se apresentando em 14 de fevereiro.

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Além disso, como ficará o calendário das datas Fifa para 2022? Esse é um problema que já foi inclusive apontado por Pia. A falta de planejamento dos jogos com antecedência faz com que, muitas vezes, o Brasil não consiga enfrentar os adversários mais fortes porque demora demais para negociar com as seleções ou para resolver as burocracias exigidas para confirmar os jogos.

“Para nós, tem sido estressante, porque nós ouvimos ‘não está 100% certo, o contrato ainda não foi assinado’. E isso é muito diferente do que eu vivi na Suécia e nos EUA. Jogar contra as 10 melhores seleções do mundo, é isso que queremos fazer e esse é o maior desafio agora”, afirmou ela em entrevista ao Dibradoras ainda em novembro de 2021.

Diante de todo esse cenário de incertezas, precisamos lembrar aquilo que nos ensinou a escritora, filósofa e ativisa Simone de Beauvoir: “Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”

Ainda é difícil prever se as mudanças que a CBF vai propor para o futebol feminino serão benéficas para a modalidade. Ainda não dá para saber se o atual presidente ou o próximo que virá darão o devido apoio ao desenvolvimento do futebol das mulheres no Brasil – que demorou tanto a acontecer e agora estava caminhando (ainda que a passos lentos, mas caminhando). É impossível imaginar o que estão pensando Pia Sundhage e Lilie Persson, as suecas que ocupam o cargo de treinadora e auxiliar da seleção principal diante dessas notícias.

Fato é que nós não podemos deixar de cobrar e que não aceitaremos retrocessos. Já houve muita luta pelo mínimo: o direito das mulheres de jogar futebol. Foi preciso que muitas que vieram antes de nós resistissem diante do desrespeito e do descaso da CBF com o futebol feminino. Nada disso pode ser em vão.

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