A Olimpíada de Tóquio foi histórica para o Brasil. Com o seu melhor desempenho em Jogos Olímpicos, o país conquistou 21 medalhas, sendo sete ouros, seis pratas e oito bronzes, ficando na 12ª colocação geral. E quem ajudou – e muito – a construir essa história foram as mulheres.
Na Rio 2016, elas foram responsáveis por cinco das 19 medalhas brasileiras. No ciclo seguinte, esse número aumentou para nove, quase o dobro. Além disso, foram delas três dos sete ouros brasileiros conquistados.
Assistindo “de camarote” a toda essa conquista, uma delas em específico pegou em cheio em Isabel Swan, hoje coordenadora de Esportes Femininos do COB. A ex-velejadora vibrou muito com o bicampeonato de Martine Grael e Kahena Kunze.
“Foi muito especial. Eu tive a oportunidade de velejar com a Martine em 2008, eu medalhista e ela saindo do juvenil. Essa transição do juvenil para o profissional acabou que eu que fiz com ela. Na época tínhamos pouco apoio, consegui levantar recursos, fazer uma campanha profissional, tudo como deve ser. Em 2016 ela acabou mudando de classe, voltou à parceria com a Kahena, já estava num nível alto, puro talento. As duas juntas unindo força, equilíbrio, ação a bordo, elas têm isso. Essa medalha foi para consolidar a maturidade das duas como velejadoras”, diz Isabel. “O bicampeonato olímpico é o ápice, é uma parceria linda de se ver porque para ganhar o ouro tem que ter uma parceria especial”, completa.
Isabel já sentiu o gosto de subir num pódio olímpico quando em Pequim 2008, ao lado de Fernanda Oliveira, na classe 470, conquistou o bronze (a primeira medalha olímpica para a vela feminina brasileira). Se naquela época seu papel era levar o nome do país a conhecimento mundial, hoje ela direciona suas forças ao desenvolvimento de ações voltadas às mulheres esportistas tanto no ambiente competitivo quanto fora dele.
“O fato de ter uma área dedicada a isso dentro do COB já abre um caminho para você mudar indicadores, políticas internas e conseguimos isso com a realização de fórum onde a gente consegue trocar entre as mulheres, trocar experiência, fazer networking. Estou numa fase de diagnóstico, eu preciso conhecer outras confederações, estou começando, quero estar com uma base de pesquisa para poder atuar de uma forma pontual, certa para cada modalidade”, explica a coordenadora.
A ex-velejadora assumiu o cargo em junho deste ano e aproveitou a Olímpiada realizada no Japão para iniciar seus trabalhos. “A gente realizou uma pesquisa interna em Tóquio com as atletas olímpicas para criar este canal de comunicação e receber sugestões, conhecer o perfil da atleta olímpica, entender quem é essa mulher, o que ela precisa, para que que ela precisa. Dedicar mais à área da saúde da mulher que influencia muito na performance, o ciclo menstrual, a necessidade de a mulher estar bem com ela, se conhecendo e utilizando o seu corpo bem, se protegendo de doenças. Esse trabalho visa ajudar as mulheres também nesse sentido”, fala Isabel.
Diante de muitos desafios, a medalhista olímpica traz sua experiência no esporte e toda a demanda que teve quando iniciou para ajudar em tal transformação. “Eu era uma das únicas mulheres, tive até uma dificuldade no começo muito em função desse ambiente social que não era inclusivo para mim na época, foi uma experiência ruim, mas acabei superando, minha família sempre me apoiou, tive a sorte de ter uma família que pôde me apoiar na prática do esporte. Mas, uma experiência interessante que eu tive foi na Olimpíada de 2016 que eu velejei num barco misto, que é uma tendência do Comitê Olímpico Internacional, homem e mulher juntos conquistando medalha mostra esse papel, os atletas tendo uma conquista e se complementando, e eu pude viver isso a bordo”, conta Isabel.
Recentemente, Swan fez um desabafo sobre a necessidade de um ambiente seguro para a mulher dentro do esporte. Este é o principal objetivo da ex-atleta no seu cargo atual dentro do Comitê Olímpico Brasileiro. “Fiz alusão à parte de velejar, comandar nosso próprio barco. O COB entende que as mulheres estão cada vez mais trazendo resultados e precisa de um olhar específico, sensível no sentido de fomentar. Fiz um manifesto do que sinto, como atleta que fui. Atuo em prol das mulheres, atletas, gestoras, árbitras, treinadoras, entendo que tem uma dificuldade de acesso, validação, da capacidade da mulher no esporte. Ainda tem um caminho para seguir, principalmente de representatividade”, pontua Isabel.
“Na medida que a gente abre espaço para esse caminho, a gente ganha mais mulheres se interessando, a mulher precisa de um ambiente inclusivo para que o resultado venha, equidade de acesso de equipamento, treinamento, melhor performance, condição, equipe multidisciplinar, igualdade de salário, temos uma série de frentes que são primordiais. Dentro do Comitê Olímpico temos mais colaboradoras mulheres trabalhando e aí podem questionar: ‘então já tem muito espaço’. Às vezes a visão masculina é que a gente já tem espaço garantido e na verdade não, às vezes são problemas sutis, de reconhecimento, precisamos provar o nosso valor para assumir cargos que a gente assume”, completa.
A história de Isabel com o esporte começou desde muito nova. Antes da vela, uma outra modalidade teve espaço muito importante na vida da hoje coordenadora. “Sempre gostei muito de jogar vôlei, com 13 anos eu já tinha 1,80m de altura, era muito grande. Fui federada no vôlei, foi bem legal, adorei pela integração com o grupo, um grupo feminino, um time. Guardo ótimas lembranças dessa época. Por volta dos 18 anos voltei a velejar, com 20 já estava morando em Porto Alegre para fazer campanha olímpica para Pequim e não parei mais. Fiz a transição de carreira quando estava já com uns 35 anos”, relembra Swam.
Seu trabalho no COB também inclui essa transição de carreira por qual Isabel passou. Segundo ela, é muito importante que o atleta tenha apoio e respaldo legais para seguir em um outro caminho.
“Apesar de sermos profissionais, o atleta não tem o reconhecimento trabalhista, então não tem acesso a lei, depende da política de cada esporte, de cada federação. O atleta faz uma transição de carreira e parece que ele nunca trabalhou, porque se não contribuiu em previdência privada ele não tem um lastro e começa do zero, aos 30 e poucos anos. Precisa de uma educação nesse sentido”, diz Isabel, que em seguida ressalta a dificuldade ainda maior quando esse atleta é uma mulher.
“Esse recomeço para a mulher é ainda mais difícil. Eu tive sorte na minha transição, participei de um programa global de transição de carreira, mas as oportunidades nem sempre vêm para todas. Garantir acesso a oportunidades para todas é uma das minhas funções no COB, buscar saídas com os patrocinadores para gerar vagas e pensar numa política de equidade que trate de maternidade, da saúde da mulher, de um ambiente realmente inclusivo e de diversidade de gênero”, completa.
Os caminhos são longos e com muitos obstáculos até chegarmos num modelo que trate a mulher esportista com o mesmo protagonismo que trata o homem. Ter pessoas como Isabel Swam à frente de cargos como o da coordenadoria de Esportes Femininos do COB nos permite sonhar e realizar. A representatividade é um importante passo.
“Temos um sistema esportivo que ainda é muito masculino, o acesso a tomadas de decisão, capacitação. As mulheres treinadoras, por exemplo, são heróicas, trilham esse caminho e chegam no alto rendimento e validam seu discurso, tem que ter muita força, e eu sei disso. Eu escutei muito: ‘medalha? Brasil? velejadora, mulher? Não existe, não vai ter chance de nada’. São muitos os discursos de desencorajamento”, aponta Isabel.
“Por isso que temos muitas pioneiras. O caminho do esporte é um caminho de empoderamento, quanto mais a gente valorizar a mulher que conquista, dar voz, exposição, mais a mulher aprende com a sua própria experiência, ela não depende de ninguém. O esporte pode ser uma grande ferramenta, mas para isso a gente tem que garantir um espaço seguro, interação social respeitosa e isso é uma construção a médio, longo, prazo, e a gente vai chegar lá”, finaliza a velejadora.