Os Jogos Olímpicos da Era Moderna foram criados em 1896 excluindo a participação feminina. Aos poucos, elas foram conquistando espaço até finalmente poderem disputar todas as modalidades que os homens disputavam – algo que só aconteceu em 2012, nos Jogos de Londres, mais de 100 anos após a criação da primeira Olimpíada.
A história do Brasil nos Jogos começou em 1920, com 21 atletas (natação, polo aquático, remo, saltos ornamentais e tiro esportivo), todos homens, e terminou com a conquista de três medalhas, todas no tiro esportivo.
A história das mulheres brasileiras nos Jogos Olímpicos só começaria 12 anos depois, em 1932, e com a participação de uma única mulher: Maria Lenk, da natação. E a primeira medalha olímpica feminina conquistada para o Brasil viria apenas 64 anos depois disso. Foi em 1996 que Jacqueline e Sandra, no vôlei de prata, abriram a contagem de pódios olímpicos femininos para o país.
São apenas 25 anos de “história” das mulheres brasileiras conquistando medalhas olímpicas e uma evolução nítida de lá para cá. Mas uma evolução que poderia ser ainda melhor se houvesse 1- mais investimentos para elas; 2- maior visibilidade para as conquistas delas.
Os Jogos Olímpicos de Tóquio ficarão marcados pela melhor participação feminina na história do Brasil em Olimpíadas, com nove medalhas conquistadas. E é a maior quantidade de ouros femininos da história também – foram três, com Rebeca Andrade na Ginástica, Ana Marcela Cunha na maratona aquática, e Martine Grael e Kahena Kunze na vela.
Histórico
Não foi por acaso que esse resultado veio agora, depois de termos avançado bastante nas discussões sobre igualdade de gênero no esporte. De 2016 para cá, falou-se muito mais das conquistas das mulheres no esporte, da importância de também investir nelas e da necessidade de dar mais visibilidade ao protagonismo delas nas quadras, campos, piscinas, ginásios. Com a melhora na estrutura de treinamento, as mulheres puderam alcançar resultados que antes eram inimagináveis.
“É preciso olhar para as medalhas conquistadas, para entender pelas modalidades o que aconteceu em termos históricos. Tudo começou nos esportes coletivos. As modalidades coletivas sempre existiram, independente de apoio ou política. Enquanto isso, a gente tinha um sub-treinamento nas modalidades individuais ou mesmo a proibição, que é o caso das lutas. Na medida que você tem a permissão para as mulheres participarem das lutas, elas começam a treinar e os resultados começam a aparecer”, exemplificou a professora da USP e pesquisadora de Esportes Olímpicos, Katia Rubio.
Se as primeiras medalhas das mulheres vieram em modalidades coletivas em 1996, a primeira conquistada em modalidade individual veio só em 2008. E foi justamente nas modalidades individuais que as mulheres brasileiras se destacaram em Tóquio: seis das nove medalhas vieram assim.
“O que a gente precisa atentar mais é para a paridade de treinamento. Enquanto as mulheres tinham um sub-treinamento, elas tinham resultados piores. Com treinamentos potentes, intercâmbios, etc, aí os resultados aparecem”, avaliou.
“Se fizer uma brincadeira estatística, não só com número de medalhas, mas com quantidade de participação, as mulheres passaram os homens. Os homens começaram a participar em 1920 e as mulheres só em 1932. Se você contar o número de homens por participação olímpica e o número de mulheres, elas já passaram em termos de resultados.”
Evolução dos resultados
Quando a gente olha para a linha do tempo das medalhas das mulheres brasileiras nos Jogos Olímpicos, ela não apresenta uma evolução linear. Pelo contrário, tem altos e baixos. Isso se explica pela falta de atenção histórica dada aos esportes femininos. Uma performance excepcional de mulheres costuma ser menos comentada do que uma performance excepcional dos homens.
“O direito ao esporte para mulheres no Brasil é luta, não é concessão. As medalhas também. É raro você ver alguém se lembrar da performance feminina. Ninguém se lembra das conquistas das mulheres. Fica muito difícil, nesse sentido, construir cultura esportiva para as mulheres, ou a massificação da prática. Por exemplo, falaram muito de atletas brasileiros que conquistaram três medalhas em Jogos Olímpicos, sempre lembrando de homens (Roert Scheidt, Bruninho e Serginho do vôlei, etc). Ninguém lembrou que a Fofão também tem, ela disputou cinco edições olímpicas e conquistou três medalhas”, lembrou Katia Rubio.
A narrativa do esporte sempre foi voltada ao protagonismo masculino. Tente fazer um exercício simples e verá que, quando se fala em “o maior campeão”, ou “o maior artilheiro”, ou “o melhor de todos os tempos”, em todas as oportunidades só são mencionados homens. É raro que as pessoas se lembrem de citar mulheres como referências no esporte. Quando todas as referências esportivas são masculinas, as meninas não se sentem representadas e automaticamente veem aquele como um lugar que “não é pra elas”.
“Quem produz a narrativa esportiva são os homens. Então quando você tem as bancadas esportivas só com homens, é claro que isso vai permanecer assim”, disse a pesquisadora.
Se a gente observar a participação das mulheres nos resultados olímpicos do Brasil, ela estava em queda desde 2008. Em Pequim, elas haviam conseguido o melhor resultado, com sete medalhas, que representavam 41% dos pódios brasileiros nos Jogos. Em 2012, elas tiveram só 35% de participação nas conquistas brasileiras. Em 2016, foi para 26%. E finalmente em 2021, batemos o recorde com a participação feminina representando quase 43% das medalhas brasileiras.
O mais importante de tudo foi ver a discussão sobre os resultados das mulheres reverberar. As narrativas estão começando a mudar e as mulheres finalmente estão podendo assumir um protagonismo que nunca tiveram no esporte.
“Eu não consigo ver essas performances sem os outros discursos que vêm junto. A atitude da Bia Ferreira, despojada e menos pasteurizada pelas instituições, a Rayssa, a Rebeca…quando você começa a ouvir discursos humanizados, verdadeiros, de mulheres que estão ali falando e não só fazendo um papel, isso tem uma potência muito grande. Não é só aquele bibelô, aquela boneca enfeitando o cenário construindo para aquele papel, vem com a potência feminina de quem tem consciência da sua representatividade”, finalizou Katia Rubio.
Linha do tempo das mulheres brasileiras nos Jogos Olímpicos
1996: 15 medalhas do Brasil, 4 de mulheres (26%)
159 homens, 66 mulheres
2000: 12 medalhas do Brasil, 4 de mulheres (33%)
111 homens, 94 mulheres
2004: 10 medalhas do Brasil, 2 de mulheres (20%)
125 homens, 122 mulheres
2008: 17 medalhas do Brasil, 7 de mulheres – 2 ouros (41%)
145 homens, 132 mulheres
2012: 17 medalhas do Brasil, 6 de mulheres – 2 ouros (35%)
135 homens, 122 mulheres
2016: 19 medalhas do Brasil, 5 de mulheres – 2 ouros (26%)
256 homens, 209 mulheres
2021: 21 medalhas do Brasil, 9 de mulheres – 3 ouros (42,8%)
161 homens, 140 mulheres