Rebeca Andrade, uma campeã inspirada por mulheres: ‘Mostra nossa força’

Quantas mulheres são necessárias para formar a personalidade de uma outra mulher? Muitas, inúmeras. E com Rebeca Andrade, medalhista olímpica na ginástica, não foi diferente. Em um mundo que sempre tentou nos impor a competitividade e a inveja, a atleta carrega em sua trajetória o amor genuíno de uma mãe, as inspirações que a transformaram em parte da atleta que é hoje, a amizade com uma parceira de esporte, o respeito à adversária e a fé em Deus.

Sair de casa muito cedo é parte de um roteiro comum na vida dos atletas. E Rebeca passou por isso aos 9 anos de idade, ainda criança. E quem a “empurrou” para o mundo foi justamente a figura que mais quer ter os filhos por perto: a mãe, Dona Rosa.

“A saudade é algo que a gente não se esquece, a gente se adapta. Eu saí de casa porque eu tinha um objetivo, eu sabia onde queria chegar e minha mãe, meus irmãos, a família inteira, sempre deu muito apoio pra mim. Acho que mesmo que eu não tivesse tido os resultados que tive aqui, eles estariam muito orgulhosos de mim e muito felizes com tudo que eu conquistei. Família é isso e eu tenho muito orgulho da minha”, declarou a ginasta ao Dibradoras com as duas medalhas conquistadas em Tóquio no pescoço, fazendo barulho ao tocar uma na outra.

Rebeca e sua mãe, Dona Rosa (Foto: Reprodução Instagram / Rebeca Andrade)

Medalhista em uma Olimpíada que tem presença feminina quase que igualitária com a masculina, Rebeca sabe a importância que o seu ouro no salto e sua prata no individual geral da ginástica trazem para a história das mulheres no esporte.

“Mostra o poder da mulher. A gente trabalha demais para conquistar nosso espaço, para que as pessoas nos vejam e nos escutem. Eu vou sempre tentar fazer o mesmo para que a gente cresça no esporte e como mulher. Pra que se um dia eu tiver uma filha, ela seja tão forte quanto eu, quanto a minha mãe e que ela acredite que pode fazer tudo que quiser. Mesmo que digam não, ela vai lá e vai mostrar que sim. Essas medalhas representam todas as gerações de ginastas que passaram e  as que hoje estão chegando. Espero que as próximas gerações conquistem muito mais do que eu porque isso aqui é só o início.”

E é impossível não mencionar que se hoje nós aplaudimos o “Baile de Favela” de Rebeca no solo, foi porque uma ginasta de uma geração anterior a dela entrou para a história com “Brasileirinho”, dando nome a uma “pirueta” que ninguém mais se atreveu a fazer melhor.

Daiane dos Santos, campeã mundial no solo em 2003 – a primeira e única brasileira a conseguir esse feito – é a referência maior para a ginasta que Rebeca é hoje, aos 22 anos. “A Dai é especial porque eu me via nela de certa forma. Ela sempre foi muito carinhosa comigo, sempre dando boas dicas, sempre querendo o melhor, nossa… eu me inspiro demais nela até hoje.” Já pararam pra pensar em quantas meninas o baile de Rebeca impactou só nessas últimas semanas? Saberemos o resultado disso daqui uma década.

Além de Daiane, Rebeca se inspira na postura impecável de Nádia Comaneci e na explosão de Shawn Johnson. Mas a inspiração maior de vida para nossa campeã é Dona Rosa. “Ela sempre foi muito guerreira, muito forte e vou admirá-la pelo resto da minha vida. Quando sinto alguma coisa que está me causando algum tipo de angústia, eu ligo pra minha mãe. Ela consegue resolver em 20 minutos de ligação. A gente chora, conversa e isso me dá a leveza que eu preciso. A minha mãe é uma pessoa iluminada que sempre tem a palavra certa. É a pessoa mais incrível que eu conheço na vida.”

Aplausos de adversárias? Rebeca recebe. Simone Biles, uma das maiores ginastas de todos os tempos, desistiu de se apresentar em cinco provas dos Jogos Olímpicos de Tóquio e deixou claro o motivo: a necessidade de cuidar de sua saúde mental. Ainda assim, a americana marcou presença no ginásio e aplaudiu com fervor as apresentações de Rebeca.


Sem carregar o peso da expectativa e a exigência por resultados, Rebeca pôde se divertir no tablado. “A expectativa sempre teve presente nas pessoas, até mesmo em mim, mas ela não chegou a ser uma pressão. Eu não era obrigada a levar duas medalhas pro Brasil, não era obrigada a subir no pódio. Eu me sentia na obrigação de fazer o que eu trabalhei, tudo que fiz para estar aqui. Queria fazer boas apresentações com bons resultados e o resultado veio.”

“Acredito que pra Simone tenha sido muito diferente porque os Estados Unidos é um país referência na ginástica e ela é extraordinária, todo mundo sabe do que ela é capaz ou nem sabe o que ela ainda pode fazer. Sempre admirei demais o psicológico dela porque deve ser muito difícil você se sentir na obrigação de levar uma medalha para o seu país. Você não está na competição para se divertir e aproveitar o momento, você tá lá porque precisa levar uma medalha. E o esporte não tem que ser assim. Você tem que se sentir grato, se sentir feliz, leve e fazer o seu melhor. O resultado é uma consequência e os atletas não são robôs. A gente tem sentimento e passamos por momentos difíceis, tanto dentro como fora do esporte”, declarou Rebeca com a experiência de quem trabalha o seu psicológico desde os 13 anos.

E se a adversária a aplaude da arquibancada, a amiga também. Flavia Saraiva faz parte da história de Rebeca e vice-versa. A amizade das duas está eternizada na pele e, juntas, elas também constroem sonhos. “Essa tatuagem aqui eu fiz com a Flavinha, que está escrito ‘I am’ e ela tem ‘with you’, que significa eu estou com você. A nossa amizade é muito importante, a gente foi construindo desde criança e nada pode estragar. A gente torce muito uma pra outra e é incrível. Também fizemos essa tatuagem dos aros olímpicos, estivemos na primeira Olimpíada juntas, estamos vivendo nossos sonhos e objetivos juntas.” Mulheres são amigas de mulheres, sim!

(Foto: Reprodução Instagram / Rebeca Andrade)

Como uma fênix Rebeca se define. “Sou aquela que achavam que tinha morrido depois de três lesões no mesmo joelho, mas que sempre estava de volta.”

E além de renascer, o pilar que sustenta a Rebeca que vemos pela TV, sorridente e grata, é a fé. Se muita gente estranhou a falta de choro da atleta depois das grandiosas conquistas, ela revelou que seu choro acontece diariamente. “Ele aparece no meu íntimo, com Deus! Eu dobro meu joelho, abro minha Bíblia, oro, agradeço por tudo na minha vida. Tudo que vocês estão vendo hoje, já estava escrito”, declarou.

A presença de Deus em sua vida, ela acredita que se manifesta através da ginástica. “Vocês me veem no solo, vocês veem meu sorriso, o brilho, vocês veem a vontade e é sempre isso que eu quero mostrar. Eu nasci pra fazer ginástica. Acho que Deus me mostrou isso de diversas formas. Passei por três momentos delicados na minha vida que me trouxeram até aqui e estou com duas medalhas para o Brasil.”

Se Deus é uma mulher preta, como cantou Emicida, é também por meio dessa força feminina que Rebeca se sustenta. “Ficaria em desequilíbrio se eu não tivesse a fé que eu tenho. É uma coisa que me foi passada desde muito nova, sempre senti a presença de Deus muito forte na minha vida, assim como a música e a ginástica. Tudo casou muito bem aqui (em Tóquio) e deu tudo certo.”

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