Simone Biles, Naomi Osaka e a saúde mental dos atletas nos Jogos Olímpicos

Simone Biles

A ginasta Simone Biles ficou em evidência no dia da final por equipes da ginástica. Não por sua performance, mas por ter deixado claro que não se colocaria em risco para corresponder às expectativas dos outros.

Ela deixou a disputa após um erro no salto, primeiro aparelho da rotação da equipe americana. A ginasta já tinha rendido abaixo do esperado nas qualificatórias, mas o resultado havia sido suficiente para classificar a equipe e ainda se garantir, individualmente, em todas as finais. Ela foi substituída nos três aparelhos seguintes. O título foi para o Comitê Olímpico Russo. Nesta quarta (28), anunciou também que não disputaria a final individual geral.

“Preciso me concentrar no meu bem-estar, há vida além da ginástica. Infelizmente aconteceu nesse palco. Esses Jogos Olímpicos têm sido muito estressantes… Uma longa semana, um longo ciclo olímpico e um longo ano. Eu acho que estamos todos muito estressados. Nós deveríamos estar nos divertindo e esse não é o caso”, afirmou a ginasta.

“Eu acho que a saúde mental prevalece nos esportes agora. Temos que proteger nossas mentes e nossos corpos e não apenas sair e fazer o que o mundo quer que façamos.”

No mesmo dia, Naomi Osaka sofreu uma derrota inesperada ao ser eliminada na terceira rodada do torneio olímpico do tênis feminino pela tcheca Marketa Vondrousova, com parciais de 6/1 e 6/4. A japonesa já havia desistido de Roland Garros, realizado entre maio e junho deste ano.

As expectativas eram altas para as duas nos Jogos. Especulava-se que Simone fosse conquistar os seis ouros – quatro aparelhos, geral individual e por equipes. Já Naomi, a maior esportista japonesa da atualidade, acendeu a pira olímpica e lutava por um título em casa. “Estrear aqui foi um pouco demais. Mas estou feliz com a forma como joguei e de fazer a pausa que eu fiz”, afirmou após a partida.

Foto: AFP

“Sempre que você entra em uma situação de alto estresse, você meio que enlouquece. Tenho que me concentrar na minha saúde mental e não colocar em risco minha saúde e bem-estar. É uma bosta quando você está lutando com sua própria cabeça. Você quer fazer isso por você mesma, mas ainda fica muito preocupada com o que todo mundo vai dizer”, explicou Simone Biles após a conquista da medalha de prata pela equipe.

Ao Dibradoras, a psicóloga Fernanda Lima, dona da página @camisa_oito afirmou que vê como importante o movimento de mais atletas, de qualquer gênero, debatendo saúde mental. No entanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido. E, especialmente após o adiamento da Olimpíada, a pandemia e outros fatores, a saúde mental dos competidores precisa ser discutida.

“É uma mudança de paradigma mesmo. As pessoas passaram muito tempo valorizando o lado físico. O que mais corre, o que é mais forte, o que é magro, o que é gordo. E essa parte do psíquico ficou completamente escanteada.”

O debate sobre saúde mental no esporte não pode esquecer as outras questões que atravessam essas atletas. Osaka e Biles são mulheres negras que já sofrem uma pressão gigante por resultados no mundo do alto rendimento. Sua validação como atletas – e como pessoas, aos olhos do público – vem de resultados. Elas, assim como vários outros atletas competindo em Tóquio-2020, vivem uma pressão para render pois só assim conquistam incentivo financeiro, apoio da torcida e visibilidade na mídia, por exemplo.

Naomi Osaka
Naomi Osaka acende a pira olímpica dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, no Estádio Olímpico de Tóquio, em 23 de julho de 2020. Foto: Maddie Meyer/Getty Images

Além disso, no caso de mulheres praticantes de esportes, existe o machismo constante, que exige resultados ao mesmo tempo em que tenta negar os espaços a elas. Fernanda caracteriza isso como uma cobrança violenta. “Grande parte das modalidades não é entendida como ‘para mulheres’. É entendida como um esporte para homens, então, já que elas estão ali, que fiquem na linha. É uma pressão para que elas estejam na linha”.

No caso de Biles, houve uma cobrança muito grande por ela ter desistido da disputa por equipes. Apesar de ser apoiada por suas companheiras, ela sofreu muitas críticas de torcedores. No salto, ela tentou uma opção com menor nível de dificuldade e ainda assim teve dificuldade na aterrissagem por, segundo ela mesma, não confiar em si própria.

“Eu não queria ir lá, fazer algo estúpido e me machucar. E não valeria a pena, especialmente quando tinha três atletas maravilhosas que poderiam assumir”, afirmou.

Para Fernanda, é importante lembrar que atletas são pessoas, que eles têm sentimentos e que precisam ser respeitados. Parece óbvio, não é mesmo?

Fernanda admite que a pressão, especialmente no alto rendimento, sempre vai existir. No entanto, torcida, veículos de comunicação e até federações, treinadores e atletas desumanizam esportistas. Eles são tratados como máquinas, julgados por seus desempenhos sem considerar todas as questões que lhes atravessam. É preciso quebrar esse paradigma, mas isso vai levar tempo. Fernanda explica:

“O esporte extrapola o âmbito do psicológico, do consciente e do inconsciente. Essa forma de torcer é uma construção social mesmo. Cultural. A gente cresceu assim.”

Já falamos aqui sobre a fiscalização dos corpos de mulheres. Simone, a maior ginasta do mundo, foi a Tóquio-2020 em meio a uma polêmica com relação aos movimentos que ela apresentaria: poderia ser boa, mas não tão boa assim.

No caso de Naomi, além de toda a pressão de ser a tenista nº 2 do mundo segundo o ranking da WTA, foi à Olimpíada e acendeu a pira representando o Japão, país que não reconhece cidadãos negros. Sua identidade, inclusive, é questionada por ter emigrado para os Estados Unidos na infância.

“É preciso entender que o atleta é um ser humano e que o desempenho dele está muito intrinsicamente relacionado com as questões psicológicas dele. É uma cobrança muito cruel, inclusive, pedir para deixar tudo fora de campo. Tem a ver com atenção, com concentração, com memória, com o funcionamento do seu cérebro.”

Biles e Osaka mostraram vulnerabilidades para que os seus desejos fossem respeitados. Especialmente em um ano difícil para todo o mundo – quase literalmente -, elas deixam um ensinamento importante sobre conhecer e respeitar os próprios limites.

“No fim do dia, nós também somos humanas, então temos que proteger nossa mente e o nosso corpo, ao invés de só ir lá e fazer o que o mundo quer que a gente faça. Com o ano que passou, não estou realmente surpresa com o que aconteceu”, concluiu Biles.

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