Como a mentalidade campeã de Pia Sundhage tem transformado a seleção brasileira

A palavra “juntas” está presente no dia a dia da seleção feminina de futebol, seja durante os treinos, palestras, jogos e até mesmo em postagens nas redes sociais. E não é à toa que o discurso está bem alinhado entre comissão e atletas. Esse incentivo faz parte de um trabalho de fortalecimento psicológico do grupo que, há mais um ano, a técnica Pia Sundhage vem implantando em seu elenco.

Seja no discurso da treinadora, da psicóloga, Marina Penteado Dusson ou da auxiliar-técnica, Lilie Persson, o fato é que o encorajamento transmitido pelas profissionais para as jogadoras tem sido absorvido com muito afinco.

“A gente tem evoluído bastante, isso é nítido e é fruto de um trabalho da Pia há muito tempo e todo mundo que está aqui abraçou essa ideia e fazendo o que ela pede. A gente sempre fala que hoje, pra sair jogando, a gente tem que estar perto umas das outras e esse é um dos princípios que a Pia passa pra gente. Temos que desafiar mesmo e ela sempre encoraja a gente. Isso significa acreditar no trabalho”, declarou a zagueira Rafaelle em entrevista coletiva após empate em 3×3 diante da Holanda.

Este jogo, aliás, não foi uma partida qualquer para o Brasil. Diante das vice-campeãs mundiais, no segundo jogo da fase de grupos dos Jogos Olímpicos de Tóquio, o time brasileiro demonstrou muito equilíbrio ao buscar o resultado por várias vezes durante o jogo.

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Aos 3 minutos de jogo, a seleção sofreu um gol após uma falha de marcação, mas não se abateu. Criou boas chances até empatar a partida após 13 minutos. No segundo tempo, ficou novamente atrás no placar e empatou a partida 7 minutos depois.

Taticamente falando, a palavra “juntas” também se aplica dentro de campo, já que Pia pede muito para as atletas que elas estejam próximas umas as outras e que se comuniquem.

(Foto: Sam Robles/CBF)

“A Pia sempre fala de estarmos sempre juntas, bem perto umas das outras, tanto ofensivamente como defensivamente porque, sempre espirra alguma bola, temos que estar perto uma da outra. Outra palavra importante é a comunicação, temos esse papel de estar envolvidas no jogo, tanto com a bola como sem a bola. Muitas vezes estamos pressionadas, então temos que jogar falando”, revelou a meio-campista Andressinha após jogo contra a Holanda.

A geração que ficou no ‘quase’ e o novo momento 

A seleção brasileira de futebol feminino já chegou a ser vice-campeã mundial (2007) e a conquistar duas medalhas de prata em Olimpíadas (2004 e 2008) nos tempos em que não existia sequer um Campeonato Brasileiro minimamente organizado por aqui.

A seleção de prata de 2008 (Ivo Gonzales/Agência O Globo)

No entanto, na era de maior investimento, com duas divisões nacionais para o futebol feminino e uma equiparação da estrutura da CBF entre as seleções feminina e masculina, os resultados sofreram uma queda abrupta – até porque as outras seleções investiram antes do Brasil e a competitividade no futebol feminino cresceu. Em 2019, a seleção chegou até mesmo a ter dificuldades para passar da primeira fase da Copa do Mundo, conseguindo a classificação somente no terceiro lugar do grupo.

Após o Mundial da França, Pia foi contratada como treinadora para assumir o comando da seleção feminina e, para montar sua comissão, a técnica sueca trouxe Lilie Persson para ser sua auxiliar-técnica e pediu também a contratação de uma psicóloga. Marina chegou no final de 2019, após tropeço diante das chinesas, em novembro.

Lilie Person, auxiliar técnica de Pia (Foto: Laura Zago/CBF)

Pia decidiu solicitar à CBF a contratação de uma psicóloga para fortalecer o trabalho com o elenco, e desde então tem sido uma ferramenta importante para aproximar a sueca das atletas brasileiras.

“A chegada da Marina teve a ver com os torneios perdidos nos pênaltis, a primeira coisa que eu disse para ela foi que quando estivermos em uma situação de prorrogação ou de pênaltis, precisamos construir um sentimento bom [de confiança] em relação a isso”, contou Pia às dibradoras em agosto de 2020.

“Mas não é só isso. Eu quero saber com quem estou trabalhando, se estamos deixando passar alguma coisa, e acho que o trabalho pode ser benéfico para algumas jogadoras. Precisamos criar uma relação, eu preciso criar uma relação com elas, e Marina tem me ajudado nesse sentido.”

E também com ajuda de Lilie, esse trabalho vem sendo implantado. As profissionais criam cenários que podem acontecer durante as partidas (como estar perdendo a partida, por exemplo) e exercitam as situações com as jogadoras nos dias anteriores ao jogo. A conversa das profissionais com as atletas antes dos jogos tem esse tom: lembrar das situações e saber lidar com esse cenários.

A zagueira Rafaelle falou justamente sobre isso quando questionamos sobre o trabalho mental que é aplicado entre as atletas da seleção brasileira. “Acho que o trabalho psicológico é uma ferramenta e um setor muito importante para o sucesso de qualquer seleção. Na comissão a gente tem pessoas que trabalham com isso, mas eu queria enfatizar o trabalho da Pia e da Lilie que sempre pensam nisso, na linguagem corporal e no que a gente demonstra para o adversário”, declarou.

“A gente tem até feito alguns trabalhos com a Lilie em que ela projeta um jogo com várias situações. Se a gente tá ganhando o jogo, empatando ou perdendo, como vamos reagir? Então, a gente já entra no jogo preparada para diversas situações que podem acontecer e isso tem ajudado. Estamos muito mais preparadas”, concluiu a camisa 4.

Aproveite a jornada

Preparar o psicológico de suas atletas é um dos pilares do trabalho de Pia há muitos anos. Quando comandou os Estados Unidos, a força mental das jogadoras era perceptível. O Brasil chegou a ser uma das vítimas das americanas, na Copa de 2011, quando viu as adversárias buscarem a classificação para a semifinal da competição nos acréscimos segundo tempo da prorrogação, com um empate, e depois derrotando as brasileiras nos pênaltis.

Pia comandando a Suécia em 2016 (TF Images via Getty Images)

Além dos Estados Unidos, a Suécia também incorporou a força mental proposta por Pia e também fez o Brasil sofrer em 2016. Após golear a equipe sueca na fase de grupos, a equipe comandada na época por Vadão não conseguiu sair do zero diante das europeias e se despediu dos Jogos Olímpicos, em casa, nas cobranças de pênaltis.

Por isso que o empate entre 3×3 contra a Holanda foi significativo. A seleção se manteve coesa e equilibrada, não demonstrou abatimento e buscou o resultado positivo durante todo o jogo.

“Se você olhar como lidamos com tudo durante o jogo contra a Holanda, você pode ver como a Formiga e a Andressinha foram de um lado para o outro no meio de campo. Esperamos que elas deem o melhor, então temos conversas pessoais e passamos o lado positivo”, revelou Pia.

Créditos: CBF

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As declarações das atletas também comprovam isso. “A cada treinamento, sinto que ela (Pia) entrega o melhor dela e nos cobra nosso melhor também. E fora das quatro linhas nas reuniões, ela demonstra muito essa confiança no grupo todo, no nosso potencial. Ela trouxe a filosofia dela para agregar com a filosofia do Brasil. Ela acredita nessa mistura para ser o diferencial. Ela fala muito da nossa qualidade técnica, do nosso improviso, mas com a organização sueca. Se a gente entender o que ela tem nos passado e executar da melhor forma, é a fórmula para a gente conseguir conquistar o que ela já conquistou duas vezes (ouro olímpico)”, declarou Bia Zaneratto em entrevista ao site.

(Foto: Sam Robles/CBF)

Às Dibradoras, Pia também falou sobre seu método de trabalho com as jogadoras. “Nós tentamos ter algumas ações por trás da palavra ‘juntas’. Uma coisa que ajuda a ter confiança é acreditar em algo e nós realmente acreditamos nessa equipe. No final, tudo é sobre o que você pode fazer e no que acredita. Uma coisa que eu aprendi jogando é que a jogadora gosta quando a comissão está junto com elas porque significa estar juntas e apoiar umas as outras. Não é apenas uma tarefa, mas algo que é feito todos os dias.”

A mentalidade campeã, que nunca havia sido desenvolvida na seleção feminina de futebol, começa a ganhar força e novas adeptas. E Pia reforça que, além de acreditar, é preciso aproveitar a jornada. Parece que, finalmente, as brasileiras estão se divertindo e amadurecendo.

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