Situação de Caboclo pôs seleção feminina em xeque. ‘Deveriam perguntar aos homens também’, diz Pia

O afastamento do presidente Rogério Caboclo da CBF por conta de uma denúncia de assédio moral e sexual foi uma notícia chocante para Pia Sundhage. A treinadora sueca veio para o Brasil por um convite pessoal dele, que a conheceu no evento “Somos Futebol” organizado pela Confederação em abril de 2019 (ela era uma das palestrantes) e foi a escolha dele para asssumir a seleção feminina quando Vadão deixou o comando após a Copa do Mundo.

Os dois tinham uma relação muito respeitosa. Caboclo sempre falava sobre Pia com muita admiração. É claro que, receber uma notícia tão grave sobre o presidente, como a de um possível envolvimento em caso de assédio, surpreendeu a comandante. Mais ainda porque ela sabia que teria de responder questionamentos sobre isso.

“Quando aconteceu, eu congelei. Porque eu sabia que eu teria que responder perguntas, eu sabia o significado disso, não só sobre a situação, mas é maior do que isso. A gente deve protestar ou não deve? Alguém deve falar alguma coisa? Como vamos lidar com isso?”, afirmou a técnica em entrevista exclusiva às Dibradoras.

Foto: CBF

A denúncia veio à tona numa sexta-feira e, na semana seguinte, haveria uma coletiva de imprensa da treinadora que estava reunida com a seleção feminina na Espanha para os últimos amistosos antes dos Jogos Olímpicos. A primeira pergunta da entrevista foi a respeito do caso e, já naquele dia, Pia não se esquivou.

“É uma situação muito grave. O que fizemos acima de tudo foi informar as jogadoras do que estava acontecendo e elas puderam conversar e ter opinião própria sobre. No fim do dia, estamos dando mais um passo e estamos mais perto da Olimpíada. Sim, nós fomos ‘atropeladas’ por toda a situação e acho que é importante voltar ao campo e tentar jogar 11 contra 11”, disse.

No dia do amistoso contra a Rússia, a manifestação do grupo foi mais clara. Todas as jogadoras e membros da comissão técnica da seleção feminina publicaram um manifesto contra o assédio e, além disso, entraram em campo com a faixa “Assédio Não”.

 

Hoje, Pia diz ter orgulho da atitude que o grupo todo decidiu tomar. Mas ela também levanta um questionamento: por que homens não precisam responder às mesmas perguntas nesses casos? Não seria também dever dos homens se manifestarem contra o assédio?

“Isso (denúncia de assédio envolvendo Caboclo) colocou a gente, especialmente nós, mulheres, mulheres no geral, mas especialmente nós, mulheres do futebol, jogadoras, em uma situação que a gente tinha que escolher: vamos tomar uma atitude ou não?”, afirmou Pia.

“Mas eu gostaria que isso também acontecesse com os homens. Porque é muito frequente que, quando isso acontece, as pessoas perguntem às mulheres, mas às vezes acho que seria interessante se perguntassem aos homens também.”

‘Assédio Não’

A decisão de entrar em campo com um protesto e também de postar o manifesto nas redes sociais foi tomada em conjunto. Comissão técnica, jogadoras, a coordenadora da seleção, Duda Luizelli, e a coordenadora de competições femininas, Aline Pellegrino, participaram da discussão sobre o tema e definiram as ações a serem tomadas.

“Eu ouvi as pessoas ao meu redor, porque eu não sou especialista na mídia nem especialista em como lidar com situações assim. E eu consegui toda a ajuda que precisava. E quando olho pra trás, fico orgulhosa da maneira como respondemos a isso.”

Uma outra preocupação que surgiu para a comunidade do futebol feminino foi sobre um possível impacto negativo da saída do presidente Rogério Caboclo nos investimentos feitos na modalidade. Ele costumava “levantar a bandeira” da igualdade de gênero e se promovia com isso também. Foi na gestão de Caboclo que a CBF igualou as diárias das seleções feminina e masculina e que as mulheres passaram a comandar o futebol feminino, com a chegada de Duda Luizelli e Aline Pellegrino.

No entanto, as conquistas não foram dele. E sim de um apelo da sociedade que exigia mais atenção às mulheres do futebol – algo que reverberava, inclusive, no mundo todo e gerava cobranças da Fifa.

Pia está segura de que não haverá passo para trás. “Eu espero que não (haja impacto negativo). A CBF é mais do que um presidente, obviamente. Espero que que a CBF aproveite o fato de ter havido uma mudança de atitude com relação ao futebol feminino nos últimos tempos”, disse.

“Eu posso voltar dois anos no tempo e tudo o que aconteceu. Especialmente com as chegadas das minhas chefes, Duda Luizelli e Aline Pellegrino. Eu vejo o que aconteceu no Campeonato Brasileiro. Não é sobre a pessoa, é sobre a organização. E fico feliz com o que ele fez apoiando o futebol feminino. Então eu acho que nós vamos continuar. Ninguém pode nos parar agora, é impossível.”

Nos próximos dias, será publicada a íntegra desta entrevista. 

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