Cris Souza, técnica melhor do mundo: “Quero que o futsal tenha voz”

Falcão, Jorginho, Manoel Tobias, Schumacher, Fernando Ferretti, PC de Oliveira. Se você gosta e acompanha futsal, conhece bem esses nomes. O que talvez você não saiba é que no hall dos melhores da modalidade está também Cris Souza.

A técnica do Taboão da Serra feminino foi eleita em 2020 pelo Futsalplanet Awards, site italiano especializado em futsal, a melhor técnica de futsal feminino do mundo. Cris, a única mulher indicada ao prêmio, concorria com outros nove nomes, além disso, sua equipe ficou na quinta colocação entre os dez melhores times femininos do mundo.

Tanto o prêmio individual quanto o coletivo coroam, com toda certeza, o trabalho de Cris Souza. Mas, o que essa mulher representa para o nosso futsal supera o limite das quatro linhas.

O início

Nascida e criada em Taboão da Serra, a treinadora, hoje com 41 anos, tem uma relação forte com o esporte desde nova, quando ainda pensava em ser jogadora profissional. “Meu primeiro contato com o esporte foi o futebol de rua. Foi ali que eu também aprendi a ser líder, porque eu tinha que jogar com meninos, era o espaço que eu tinha. Eu tentei ser atleta, era uma promessa, as pessoas me tratavam como um possível talento. Só que aos 16 anos eu tive uma lesão séria no joelho, operei, insisti, voltei, mas lesionei o outro joelho e aí optei por ir fazer vestibular”, conta a técnica.

Na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), Cris passou em Educação Física, mas dentro do campus da faculdade respirou mais do que esporte. “O estudo sempre foi o primeiro plano da minha família, desde criança eu tinha a paixão pelo corpo humano em movimento e eu queria vivenciar esse contexto da universidade, conhecer outros cursos, pessoas de diversas áreas. Eu transitei muito, fui fazer disciplina na fisioterapia, na filosofia, letras, no laboratório. Eu sabia que tinha uma queda por pesquisa também, fisiologia”, explica a comandante do CATS.

Tamanho conhecimento levou Cris de volta à sua terra natal e também ao futebol. “Estava em São Carlos fazendo mestrado, aí minha irmã me ligou e falou: ‘Cris, abriu concurso no esporte aqui em Taboão, você não quer tentar?’. Fiz, passei, comecei a trabalhar nas escolinhas e aí me convidaram para trabalhar em competições. Eu topei na hora e comecei como preparadora física do time masculino da cidade”, diz Cris.

Créditos: Divulgação/Taboão da Serra

A busca por referências

Migrar para o trabalho com as mulheres no início não era uma opção para a comandante. Mal ela sabia que ali começava uma história de dedicação e devoção à modalidade. “No primeiro momento eu evitei. O feminino era muito amador, não tinha pretensões, eu não via comprometimento das meninas a ponto daquele grupo ser profissional. A Pri (Priscila Silva, supervisora do Taboão), que é meu braço direito, insistiu, e aí eu respondi: ‘Já que vou assumir, vai ser do meu jeito, vamos por energia para fazer acontecer’”, conta a técnica.

Àquela época, 2009, os problemas que envolviam o feminino iam desde a falta de uniformes ao desrespeito para com a modalidade. “Foi toda aquela briga porque a gente não tinha nada. Não tinha horário de treinos, eu tinha que brigar por uma quadra, a gente treinava no estacionamento do ginásio. Não éramos respeitadas como mulher praticante, as pessoas não valorizavam o trabalho, pegava uniforme do masculino para jogar. Foi um começo bem desafiador”, desabafa Cris. “Eu não podia ser só treinadora, eu precisava ser gestora também, brigar por espaço”, completa.

Aceitar o desafio de comandar o time feminino do Taboão foi também aceitar um outro desafio: o de buscar referências em um universo pouco explorado. “Eu não sabia nada de tática, de técnica. Não tinha referência do futsal feminino. Quantas vezes eu fui atrás do pessoal do masculino. Foi bem desafiador ouvir um Paulinho Cardoso (técnico sete vezes campeão mineiro), um Marquinhos Xavier (técnico da seleção brasileira de futsal), eu fui aprender com os caras. Fui fazer um estágio com o Ferreti (duas vezes melhor treinador de futsal do mundo)”, diz a técnica.

“Eu só encontrei referências homens, tive que adaptar para o feminino e talvez isso tenha sido a minha grande sacada, o meu pioneirismo”, completa. A grande sacada resultou no bi consecutivo da Copa do Brasil (2019 e 2020) e mais do que isso. Cris Souza fez a cidade de Taboão da Serra respirar futsal feminino implementando categorias de base e escolinha.

Para além das quadras

“De 2015 para 2016 a gente percebeu uma outra situação. Eu trazia atleta de fora e essa atleta demorava muito para se adaptar ao modelo de jogo. Começamos a formar porque víamos que estávamos perdendo tempo, gastando muito e não tendo resultado. Hoje que eu estou colhendo os primeiros frutos desse trabalho Sub-13”, conta a comandante.

“Temos do infantil ao adulto. Você vê as pequenininhas chegando no ginásio, é a coisa mais linda, eu fico emocionada toda vez que eu falo isso. É a concretização de um sonho. Saber que você está dando a oportunidade para a menina que te viu na televisão, que quer esse espaço, essa oportunidade que eu não tive e muitas não tiveram”, completa.

Cris Souza faz muito mais do que levar a equipe do CATS a títulos e conquistas. Ela faz do esporte ferramenta de educação social. “Nós estamos fomentando o esporte, dando oportunidade para essa menina ocupar esse espaço. A gente faz questão de ter uma comissão de mulheres. Temos algumas atletas que são concursadas na prefeitura e estão se tornando treinadoras (nas equipes do Sub-11 ao Sub-17). Além disso, a gente tem grupos de estudos para que elas possam ter acesso e não sofrerem tanto para pensar e ensinar o jogo”, explica a paulista.

“As meninas precisam abrir mão de muita coisa para estarem ali. A mulher tem que decidir se vai ser mãe, se vai ser atleta. A gente está ali também para dar esse suporte. Eu tenho atleta que saiu de casa com 13 anos, que perdeu essa referência de família. Elas sabem que podem contar comigo e com toda a comissão”, completa.

Ligado à prefeitura de Taboão, o projeto criado por Cris Souza hoje consegue proporcionar bolsas em colégio para algumas atletas da base, receber roupas e materiais esportivos através de Lei de Incentivo e para o time adulto, além de alojamento e ajuda de custos, bolsas de estudo em universidade (o que também se estende ao Sub-20).

Créditos: Divulgação/Taboão da Serra

Uma geração de talentos

O prêmio de melhor do mundo colocou o trabalho da treinadora em evidência, e por consequência, o futsal feminino na mídia. “Eu me orgulho muito e esse prêmio vem em um momento muito especial. Ano de pandemia, as pessoas passaram a me conhecer muito, participei de live, mesas de conversa, entrevistas em canais de TV, foi um momento em que eu consegui mostrar quem eu sou. Ele vem para concretizar o trabalho que a gente mostra em campo”, conta a técnica.

O orgulho também aparece quando Cris fala do tanto de atletas que já passaram pelo seu projeto e hoje seguem brilhando em outros times. “100% do meu elenco adulto hoje começou na rua e muitas das atletas que não estão comigo, estão no campo e quem sabe vão representar a seleção brasileira em uma Olimpíada. É a nossa importância também como clube formador. Eu tenho jogadora campeã da Copa da Rainha, na Itália, no Atlético de Madrid, na seleção italiana”, diz a comandante.

Para esta temporada, o Taboão da Serra tem, além da Copa do Brasil e do Paulista, o Novo Futsal Feminino Brasil, já agora em maio, e a Supercopa Feminina de Futsal 2021, também este mês, contra ninguém menos que o Leoas da Serra, time da sete vezes melhor do mundo, Amandinha.

“Como treinadora é fantástico jogar contra ela, me faz ser melhor porque eu preciso arrumar um jeito de pará-la. Nos meus treinos isso é um desafio, o tempo todo pensando nela porque ela desequilibra. Ela é sensacional, pequenininha, magrinha. É uma vontade que a gente tem de trazê-la para o Taboão, quem sabe”, brinca Cris.

“Eu sou uma apaixonada pela modalidade, tenho uma bandeira para levar. Quero que mais mulheres tenham referência. Eu quero ganhar a Supercopa, poder ir para a Libertadores, levar nossa cidade e nossa história para outro patamar. Eu quero que o futsal tenha voz”, concluiu a melhor do mundo.

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