Atitude de mascote e torcida refletem descaso do Galo com as mulheres

Foto: Reprodução

O Atlético-MG aproveitou a partida contra a Caldense no Mineirão neste domingo para apresentar o time feminino à torcida. Assim como o atacante Diego Tardelli foi levado ao gramado para receber o apoio da torcida na sua volta ao clube, as mulheres que vestem as cores do Galo estiveram ali também numa tentativa de aproximar o futebol feminino do torcedor.

A ideia é boa e muitos clubes de camisa fizeram isso nesse início de temporada. O Internacional levou as jogadoras no Beira-Rio, o Fluminense fez isso com sua equipe no Maracanã, o Cruzeiro fez o mesmo no Mineirão. Mas no caso do Galo, duas atitudes – uma vinda da torcida e outra vinda do mascote – estragaram o momento de protagonismo das atletas.

Enquanto parte da torcida gritava “Vem pra Galoucura, vem, gostosa”, a mascote, conhecida como Galo Doido, pedia para a jogadora Vitória Calhau dar uma “voltinha”, com o intuito de exibir o corpo dela para os torcedores. Depois, ele esfrega as mãos numa expressão asquerosa como se a mulher que ele havia acabado de tocar fosse um pedaço de carne a ser consumido.

 

Diante do acontecido – e da grande repercussão do fato – o Atlético-MG se manifestou nesta segunda-feira por meio de um tuíte. “Sobre o episódio ocorrido na tarde de ontem, envolvendo a atleta Vitória Calhau, o Atlético lamenta e repudia o comportamento do funcionário, que foi sumariamente afastado. Pedimos desculpas à atleta, às demais jogadoras e a todas as torcedoras e torcedores pelo lamentável ato”.

O Atlético-MG não orientou seu mascote a ter essa atitude, nem é diretamente responsável pelos gritos da torcida que ecoaram no estádio. Mas é importante também ressaltar que nada parecido aconteceu com nenhum dos outros clubes acima citados na hora da apresentação das jogadoras para a torcida. O que aconteceu no Mineirão nesse domingo é também um reflexo da forma como o Galo tem tratado as mulheres nos últimos anos. Na visão das próprias torcedoras, a postura do clube ainda muito omissa diante de casos de machismo, racismo e homofobia contribui para que situação como essa aconteçam.

 

“É importante o Galo, como instituição, se posicionar reforçando que é contra comportamentos machistas e que visa a valorização do seu time profissional de futebol feminino. A instituição é sempre quem vai guiar os torcedores em uma melhora de comportamento, é o compromisso social do clube. E a maneira de demonstrar isso é tendo ações concretas de valorização das jogadoras, torcedoras, demais profissionais mulheres do clube, jornalistas mulheres que são setoristas. Tornar o clube, de fato, um local seguro para a mulher existir”, afirmou ao blog o Grupa, um coletivo de torcedoras atleticanas que existe desde 2016.

“Uma nota protocolar sobre ‘não compactuamos’ não é suficiente. O clube com frequência tem ganho espaço negativo nas notícias por machismo, racismo e homofobia. É urgente que o Atlético mude sua maneira de reagir pontualmente e passe a propor a discussão ativamente como agente de conscientização da torcida. Apenas quando apresentarem a todos os seus funcionários e torcedores uma filosofia real de TIME do POVO, de inclusão e respeito, poderemos deixar de assistir a imagens lamentáveis como do jogo de ontem.”

Se o Galo fosse um clube que realmente se preocupasse em incluir as mulheres no seu dia a dia, em valorizar tanto as profissionais do clube, quanto suas torcedoras (que há tempos reivindicam mais atitudes do time para garantir a elas um espaço seguro dentro do estádio), dificilmente a mascote se sentiria à vontade para tomar a atitude que tomou no gramado com a jogadora. Se o Atlético-MG como um todo estivesse alinhado na ideia de realmente promover o futebol feminino e a equipe que o representará dentro de campo na temporada, a própria mascote saberia que qualquer ato que sexualizasse as jogadoras naquele momento seria um equívoco absurdo.

Assunto foi tema do Troca de Passes, no SporTV (Foto: Reprodução)

O fato de que tantos outros clubes fizeram a mesma coisa que o Galo (apresentaram as jogadoras à torcida em um jogo do time masculino) e em nenhum deles houve qualquer manifestação desrespeitosa – seja da torcida ou do mascote – diz algo sobre a postura do clube mineiro com relação às mulheres. Qual é a mensagem que o Galo está passando para a sua torcida sobre como o clube enxerga a participação da mulher no futebol? O fato de a torcida pedir “jogadoras gostosas” em vez de jogadoras craques que conquistem títulos pelo clube é reflexo do machismo da sociedade, claro, mas também é um sinal de alerta para o próprio Atlético-MG questionar se está cumprindo sua missão de valorizar as atletas como elas merecem.

“A mulher só é bem-vinda no futebol quando se sujeita a esse tipo de comportamento, que é normalizado, e no caso do Galo Doido, inclusive institucionalizado. E é a instituição, e somente ela, que pode combater essa cultura machista e racismo estrutural. O futebol tem uma função social importante ao mudar e influenciar o comportamento da torcida”, afirmou o coletivo Grupa.

Se ainda relembrarmos os casos do passado, não foi a primeira vez que o Atlético-MG esteve envolvido em polêmicas machistas. Em 2016, o clube apresentou seus novos uniformes com mulheres desfilando de biquíni. À época, as torcedoras repudiaram a atitude do Galo, que rejeitou a crítica.

“O Atlético respeita o direito democrático das pessoas de discordarem, mas isso não significa que temos que concordar com as críticas. Não iremos responder a isso. Não houve excesso, nem atitude machista. Mas reforçamos o direito de críticas e elogios. Há quinze anos agimos dessa forma, e essa foi a festa mais elogiada. Não há porque mudar algo que vem dando certo há esse tempo”, foi a manifestação de um dirigente do clube à época.

 

Em 2017, o Galo não se manifestou publicamente após o atacante Robinho, que jogava no Atlético naquele ano, ter sido condenado por um caso de estupro na Itália. O jogador seguiu sendo escalado normalmente sem qualquer posicionamento do clube a respeito do crime pelo qual ele foi julgado culpado no país europeu, mesmo diante das críticas das torcedoras.

E já neste ano, o Atlético-MG também foi bastante questionado quando decidiu colocar jogadoras do time feminino para atuarem de gandulas em um jogo do time masculino pelo Campeonato Mineiro. As torcedoras que fazem parte do Grupa também sentem falta de uma maior valorização do clube com relação à equipe feminina.

“O Atlético tem muito a melhorar. O time feminino não tem remuneração adequada, o que é normalizado quando, já em 2020, ofereceu às atletas a opção de atuarem nos jogos como gandula, para ganhar uma grana extra. Além disso, a maior parte dos jogos é em lugares distantes, em horários impraticáveis para a maioria dos torcedores, e muitas vezes, sem presença de torcida. As redes sociais principais do Atlético ainda divulgam poucas informações das equipes femininas.”

Se o clube não compactua mesmo com as atitudes machistas do mascote e de parte da torcida ontem, é preciso que ele próprio faça mais para valorizar as mulheres.

 

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