Nova categoria é louvável, mas objetivo ainda deve ser ter mulheres na F1

O automobilismo ainda é um esporte dominado por homens: pilotos, mecânicos, engenheiros, donos das equipes e torcedores. São raras as aparições femininas em eventos de alta velocidade – seja consumindo ou trabalhando.

Era muito mais comum notar as grid girls do que mulheres ao volante. As modelos contratadas para desfilar durante a F1 e eventualmente segurar guarda-chuvas para os pilotos chamava a atenção do público, mas deixou de fazer parte do evento no inicio deste ano.

A decisão tomada pela própria F1 alegou que a participação das grid girls “não faz mais parte dos valores da marca, além de ser questionável com as normas sociais modernas”.

(Foto: AFP PHOTO / ANDREJ ISAKOVIC)

A discussão sobre a participação feminina em corridas de velocidade na Fórmula-1 existe e elas ainda não tem seu espaço garantido dentro das pistas. Algumas chegaram até lá participando de testes, treinamentos e exibições e apenas uma mulher foi titular de uma equipe de F1.

Foi a italiana Lella Lombardi que estreou no GP da Grã-Bretanha em 1974 pela equipe Brabham. Em 1975, Lella disputou 12 das 14 provas da temporada e no GP da Espanha ficou em sexto lugar, conquistando assim a melhor colocação feminina na Fórmula 1 e a única a pontuar em corridas.

Depois de Lella, a última mulher que tentou alcançar o posto de titular foi a italiana Giovanna Amati, em 1992. Ela foi contratada pela mesma equipe Brabham, mas não conseguiu se classificar para disputar três Grandes Prêmios na época (África do Sul, México e Brasil). Naquele momento, foi substituída por Damon Hill, que também não conseguiu se classificar com o mesmo carro para as provas seguintes.

Giovanna Amati correu pela equipe Brabham (Foto: Getty Images)

A novidade do momento foi anunciada na última terça-feira (09/10), na Inglaterra: o surgimento de uma categoria 100% feminina no automobilismo, a W Series. Comandando o projeto está uma mulher, Catherine Bond Muir, que será CEO da categoria que pretende atrair cerca de 20 competidoras. As pré-inscrições são livres mas haverá um processo de seleção para escolher as corredoras (saiba mais aqui).

A corrida inaugural acontecerá no primeiro semestre de 2019 e cada prova durará 30 minutos em circuitos por toda a Europa. Os carros de corrida serão iguais aos da Fórmula 3, com chassis Tatuus T-318 e motores turbo 1.8 L de quatro cilindros fornecidos pela Autotecnica Motori. Os carros contarão ainda com câmbios Sadev de seis marchas e halo de proteção.

W Series será a categoria feminina no automobilismo (Foto: Divulgação)

Também haverá premiação para a vencedora no valor de US$ 1,5 milhão com o intuito de ajudá-la a correr em outra categoria na próxima temporada.

E é aí que está a pergunta: por que precisou ser criada uma categoria feminina em vez de incluir as mulheres nas categorias já existentes, como a própria F1, por exemplo?

A piloto inglesa de 35 anos, Pippa Mann, não foi a favor da iniciativa e postou sua opinião via Twitter. “Que dia triste para o automobilismo. Aqueles que têm condições financeiras de ajudar mulheres que pilotam estão escolhendo separá-las ao invés de apoiá-las. Estou profundamente desapontada por ver tamanho passo atrás acontecendo em minha vida”.

Damon Hill, ex-piloto e campeão mundial de F1, parabenizou a criação da W Series pela internet.

Procuramos duas mulheres para opinar sobre o assunto: Mariana Becker, repórter que cobre automobilismo na Rede Globo há dez anos e a piloto Bia Figueiredo, a primeira mulher a correr pela Stock Car.

“Achei a iniciativa ótima, estou torcendo para que dê tudo certo. Começou isso agora porque essa questão da mulher é um assunto efervescente no mundo inteiro, as pessoas estão discutindo muito o valor da mulher na sociedade, principalmente em relação ao respeito profissional”, afirmou Mariana em entrevista às dibradoras.
(Foto: Mariana Becker/Instagram)

Para Bia, que aos 32 anos já coleciona marcas invejáveis nas pistas de corrida, a intenção da nova categoria é muito boa, desde que seja para fomentar a modalidade para mulheres. “Olha, sempre que me perguntam sobre a criação de categorias femininas para a Fórmula 1  eu sempre fui contra pelo fato de nem existir grid, porque não preparam as mulheres para isso. Então vejo (a W Series) como uma categoria de base e nesse sentido, de preparar a mulher para chegar em uma Fórmula 1 ou uma Fórmula Indy, eu acho super legal”, afirmou a piloto para o blog.

Bia acredita que as mulheres que aderirem à essa iniciativa, precisarão demonstrar um pouco experiência. “Elas devem ter algum tipo de experiência como o Kart ou com Fórmula e pode até ser disputada em paralelo, onde a piloto pode competir em outras categorias”, opinou.

Bia Figueiredo na Fórmula Indy em 2013 (Foto: Bia Figueiredo/Instagram)

Mariana espera que a W Series sirva como comparação à categoria masculina e que ajude as mulheres a ocupar novos espaços. “Se isso vai mudar o automobilismo eu não sei. Se esses carros tiverem um comparativo nos tempos, porque aí a gente vai poder provar que é de igual para igual. Eu ainda prefiro uma categoria mista. Porque se não periga também as mulheres ficarem eternamente nessa categoria e nunca saírem de lá. Acho que tem que ser como hipismo, tem que competir mulher contra homem e o cavalo – ou, no caso dos carros, os muitos cavalos que estão embaixo – é que faz a equiparação de força, e o resto é tudo igual. A mulher faz bastante exercício para ficar com pescoço mais forte, em resistência acho que dá no mesmo, e é isso. Acho iniciativa ótima, só não quero que as mulheres fiquem eternamente isoladas nessa categoria feminina”, disse.

Bia Figueiredo, que começou a correr no kart, aos 9 anos de idade e nunca mais parou, acredita que a chegada da nova categoria é positiva e pode ser vista como uma tentativa de mudar o cenário feminino dentro do automobilismo. “Ainda não dá pra saber. O mundo ainda é muito machista, basta ver os comentários da notícia sobre a chegada da categoria. Um monte de ‘brincadeiras’ daquele mesmo nível que a gente já conhece. Só da FIA estar pensando nesse assunto eu acho muito legal, tem que incentivar mesmo. Se vai ser um sucesso ou não, só vamos saber se estiver acontecendo”, revelou.
BIa começou no kart aos 9 anos de idade (Foto: Divulgação)

Com passagens pela Fórmula Indy Lights (nos Estados Unidos), Fórmula Renault e Fórmula 3, a piloto espera que as campeãs da W Series possam ter preferência na hora de subir para outras categorias, mas ela ressalta a importância de perseguir o objetivo ideal: homens e mulheres na Fórmula 1, lado a lado. “Sempre corri ao lado de homens e mulheres e sou a favor de que ambos corram juntos.”

Mariana tem a mesma opinião que Bia Figueiredo. “Para começar, está ótimo, estimula mesmo. Mas não pode ficar só nisso, não pode ser algo separatista. É um princípio, um início, mas eu acho que tem que se manter em pauta poder estar todo mundo junto. Principalmente se depois a gente puder comparar os carros, porque aí você vai ter argumentos para dizer: estamos todo mundo com o mesmo tipo de carro e fazendo mais ou menos os mesmos tempos. Por que não dá para colocar junto?”

(Foto: Mariana Becker/Instagram)
Esperamos que a chegada da W Series desperte o interesse de mais mulheres pelo automobilismo e que ultrapasse o preconceito que acompanha a modalidade há muitos Grandes Prêmios.

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