Declarar-se LGBT sempre exige um bom tanto de coragem. O machismo e a misoginia (ódio à mulher e a tudo aquilo considerado feminino) estão presentes em todos os micro setores da sociedade. Da casa da família até os estádios de futebol, a lgbtfobia habita todos os espaços.
Declarar-se LBGT sendo, além disso, uma figura pública no meio do esporte é ainda mais desafiador. Muitos atletas têm medo de perder patrocínio ou sofrerem com agressões verbais e até mesmo físicas.
Não é preciso muito esforço para se lembrar de atletas que tiveram experiências bastante dolorosas devido à sua orientação sexual.
O primeiro caso que me vem à cabeça é do atleta Richarlyson que foi violentamente confrontado por causa de sua sexualidade e repudiado por todo o meio do futebol (inclusive a torcida do São Paulo) e até hoje sofre as consequências de ser considerado homossexual.
No seu atual time, o Guarani, parte da torcida se revoltou com a contratação e dois torcedores inclusive jogaram bombas em frente ao estádio minutos antes do apresentação do atleta. Isso, claro, desconsiderando totalmente sua capacidade como profissional, o que sabemos ele tem de sobra, com 14 títulos na carreira, incluindo o Mundial Interclubes.
Outro caso importante de ser apontado foi o jogador Michael da equipe Vôlei Futuro que, durante jogo da Superliga, foi ofendido incessantemente pela torcida do Cruzeiro. Ao se pronunciar sobre o caso, disse que:
“Eu não tenho problema [com minha orientação sexual], mas eu nunca precisei falar. Meus amigos e minha família me conhecem, conhecem o Michael. Eu sou [homossexual], mas, independentemente da minha orientação sexual, estou aqui, falando sobre esse assunto para que isso não aconteça mais. Eu sei que [o preconceito] não vai mudar de uma hora para outra, mas eu tinha que fazer o alerta”
Apesar de todas as dificuldades de se declarar LGBT nesse meio, acredito que aqueles atletas que estão em posições mais privilegiadas devam fazer de sua visibilidade midiática uma plataforma para a igualdade.
A coragem dessas pessoas faz com que aquele adolescente LGBT que se sente confuso e não se enxerga em ninguém ao seu redor, possa entender que a sua sexualidade não é problema, doença ou confusão. Que existem muitas pessoas como ele e que sua sexualidade não o impede de fazer qualquer coisa que seja. Pode ser bombeiro, cineasta, policial ou jogador de futebol. Porque a modalidade praticada não tem nada a ver com seu gênero biológico, muito menos ainda com a sua sexualidade.
Em entrevista ao podcast especial das ~dibradoras sobre Orgulho LGBT, a jornalista Milly Lacombe falou sobre como foi difícil para ela entender sua sexualidade e declará-la – principalmente para a família.
“Eu jogava futebol, quase fui profissional. E não fui porque minha mãe me impediu. Acho que ela já previa (que eu era gay). Mas foi muito difícil aceitar tudo isso”, disse.
“Eu achava que era uma doença, que eu tinha um problema e que ninguém mais tinha isso no mundo. Mas com o tempo, descobri que a doença não é a homossexualidade, é a homofobia”.
Milly também disse que, se durante sua adolescência, tivesse visto cenas como a da jogadora de futebol dos Estados Unidos Abby Wambach beijando sua namorada após a final da Copa do Mundo, ou como a de Isadora Cerullo, da seleção feminina de rúgbi, aceitando o pedido de casamento da noiva Marjorie em campo após uma partida, sua vida teria sido bem diferente.
“Olha, acho que teria mudado muita coisa sobre a minha percepção na época e me ajudado a entender um monte de coisa”.
Em outro podcast das dibradoras, contamos com a presença da própria Isadora e da noiva Marjorie, e a responsável pelo pedido de casamento em público – que estampou as capas de jornais e sites do mundo inteiro – falou sobre o significado da atitude que elas tomaram ali. (Ouça o programa aqui)
“As pessoas ficaram dizendo que não precisava ser assim, em público. Mas para mim foi importante ter sido assim. Porque demos uma voz a milhões de pessoas LGBT, que se sentem isoladas, acuadas, que negam sua sexualidade por medo. Mostramos que elas não estão sozinhas. Eu queria ter visto uma cena dessas quando eu estava perdida na minha adolescência sem entender quem eu era.”
Por tudo isso, declarar a sexualidade em um mundo que ainda cultiva tanto preconceito é importante. Porque, infelizmente, ainda há muita gente perdida por aí, sem se entender, sem se aceitar. E o termo aqui é “se declarar” mesmo, não “se assumir”. Porque isso não é nenhum pecado ou nenhum erro que precisa ser assumido. É algo que, ao menos por enquanto, ainda precisa ser declarado apenas para exigir que nosso lugar no mundo seja reconhecido.
É uma forma de lutar contra a nossa marginalização. Somos gays, lésbicas, transexuais, bissexuais e temos direito de viver – ponto. Temos direito de ser do jeito que somos. E sonhamos com o dia em que declarar sexualidade não seja mais necessário. Porque afinal de contas, a orientação sexual de cada um só diz respeito a essa pessoa e a mais ninguém. Sonhamos com o dia em que poderemos ser (apenas) humanos – e sermos respeitados por isso.
Abaixo citamos mais 8 atletas LGBTs no Brasil e no Mundo que ~dibraram a barreira do preconceito e, com certeza, servem de inspiração para muita gente.
Caroline Kumahara – mesa-tenista brasileira que participou dos Jogos Olímpicos do Rio. Sobre sua sexualidade, Caroline afirmou no podcast #46:
“Hoje é bem tranquilo, eu falo com naturalidade assim. Eu acho que não tenho muito problema com isso. Se (alguém) tiver eu ignoro porque o problema é da pessoa. Eu não ligo muito. A pessoa que não bate muito bem da ideia.”
Megan Rapinoe – A atleta da seleção dos Estados Unidos de futebol se declarou lésbica em 2012, antes das Olimpíadas de Londres e disse:
“Eu queria ter reconhecido, quando eu era mais jovem, que eu era gay. Isso teria tornado as coisas muito mais claras para mim. Realmente. Olhando para trás, era tão óbvio, mas eu nunca havia me dado conta. Socialmente, senti como se eu não soubesse como ser e para quem ser. Se eu soubesse naquele momento, teria tido uma autoconfiança maior “.
Mayssa Pessoa – goleira da seleção de handebol feminino que se declarou bissexual durante a Olimpíada de Londres em 2012.
“É uma coisa normal da sociedade. Se você é homossexual, tem que esconder e obrigatoriamente se casar com um homem? Não. Se você é, tem que assumir. Não sou mais uma criança. Não vou ficar escondendo porque vou jogar as Olimpíadas.
Tiffany Abreu – jogadora brasileira transexual que atua na segunda divisão do vôlei feminino na Itália que tem enfrentado o preconceito para disputar a série A2.
Naiane Rios – jogadora de vôlei (entrevistada por nós no podcast #73 – Naiane nos falou sobre sua orientação sexual e deixou claro que não faz questão nenhuma de esconder que é homossexual e que tem um relacionamento sério com outra mulher. “Sempre fiz questão de deixar muito claro para empresários e clubes como eu sou. Se não me aceitarem dessa forma, eu prefiro buscar outro lugar para jogar”. A levantadora relatou que sempre teve liberdade de escolha e contou com apoio dos pais para tomar qualquer decisão em sua vida).
Amanda ‘Leoa’ Nunes – uma das primeiras atletas a assumir publicamente que é lésbica, num ambiente tão machista e preconceituoso como é o universo das lutas. Também é a primeira atleta LGBT (entre homens e mulheres) a vencer o UFC e ocupar a posição de maior destaque do evento. E ela fez disso um momento único e lindo: comemorou com sua namorada e parceira de lutas, Nina Ansaroff.
Jéssica Bate-Estaca – Derrotada na luta contra Joanna Jedrzejczyk, Jéssica aproveitou a entrevista que deu ao vivo ainda no octógono para pedir a namorada em casamento. “Quero aproveitar, porque não sei se vou falar de novo, e pedir minha namorada Fernanda, que está aqui em Dallas, para casar comigo.
Laís Souza – a ex-ginasta disse que ‘estava gay em uma entrevista à Milly Lacombe para a Revista TPM no ano de 2015.