Há quase 10 anos, o vôlei feminino vive a mesma polêmica em todo início de temporada. Uma regra criada em 1992/1993 com o intuito de gerar mais equilíbrio e competitividade na Superliga passou a despertar questionamentos frequentes principalmente por parte das atletas. Em 2017, algumas delas chegaram entrar na Justiça com uma ação judicial contra a regra da Confederação Brasileira de Vôlei, que é colocada em votação para os clubes anualmente e, até agora, sempre foi aprovada.
A polêmica em questão diz respeito ao ranking que, antes, criava uma pontuação para cada atleta e permitia no máximo uma soma de 43 pontos por time incluindo todas as atletas do elenco. Atualmente, a soma de pontos caiu, mas permanece a regra de que uma equipe só pode ter duas atletas com sete pontos (pontuação máxima) – o que diz respeito principalmente a atletas campeãs olímpicas e que construíram uma carreira vitoriosa com a seleção brasileira.
A reclamação sobre o ranking vem principalmente por parte dessas atletas de pontuação máxima, que alegam terem sido prejudicadas pelas regras nas últimas temporadas. Como não há tantos clubes com alto poderio financeiro para bancar os altos salários das jogadoras “nota 7” (são 10 no total atualmente), elas têm menos opções de onde jogar e às vezes acabam saindo do país por não conseguir vaga em alguma dessas principais equipes.
Em 2017, oito jogadoras da seleção entraram na Justiça pelo fim do ranking. “A gente está brigando pelo direito de escolha, de poder jogar onde quiser. Temos duas atletas e poderia vir mais uma, mas não pode, regulamento não permite. Estamos primeiro brigando pela liberdade de escolha”, afirmou a levantadora Dani Lins ao Uol Esporte à época.
Todo ano, os clubes e a comissão de atletas têm a oportunidade de votar pela manutenção ou pelo fim do ranqueamento. Até hoje, ele sempre foi mantido. No entanto, a votação da última semana gerou mais polêmica porque dois clubes que não conseguiram estar presencialmente na reunião da CBV enviaram seus votos por email – e eles forma descartados. Com isso, votação terminou 5 a 4 para os favoráveis ao ranking.
Diante disso, várias atletas se manifestaram e cobraram a confederação. “Deixo claro minha INDIGNAÇÃO com TODAS as entidades votantes. Acho de extrema incoerência as entidades tirarem o direito de voto de duas equipes e têm o mesmo peso e IMPORTÂNCIA que as demais. Independentemente do resultado, não poderiam excluir dois votos por justiça, respeito e igualdade e também por democracia”, protestou a central Thaisa em sua conta no Instagram. Outra reclamação das jogadoras foi a votação favorável a permitir 3 estrangeiras por equipe. “Abrem as portas para estrangeiras e fecham as portas para brasileiras”, escreveu a meio-de-rede.
A CBV decidiu retomar uma reunião em teleconferência para uma nova votação nesta quinta-feira.
Aqui, trazemos os principais pontos de dois clubes, um favorável à manutenção do ranking (Sesc Rio de Janeiro) e outro contrário a essa regra (São Paulo/Barueri).
A favor do ranking (posicionamento do Sesc RJ enviado por meio de nota):
“Desde a primeira disputa de Superliga do projeto, na temporada 97/98, votamos a favor do ranqueamento de atletas. Neste período, nunca o nosso voto foi diferente. Acreditamos que o ranking permite que várias equipes entrem em condições de disputar, com condições de equilíbrio, deixando um possível maior poderio econômico sem fazer grande diferença na competitividade.
Nós pensamos no mercado como um todo. A discussão ficou em torno do ranqueamento, das 10 atletas ranqueadas, mas nossa proposta é que se olhem para todas as outras, para que tenham mercado também. Existir alguma equipe com um poder financeiro que acabe com a competitividade de um campeonato vai acabar com o mercado. Acreditamos que prejudicaria a possibilidade de promoção de emprego, de trabalho de uma massa de jovens. O Sesc RJ sempre esteve aberto a qualquer tipo de debate democrático e em prol do voleibol brasileiro. Grandes ligas mundiais, principalmente as norte-americanas, possuem elementos que gerem um equilíbrio, como limitação de gastos e salários, draft e etc.
Acreditamos que nenhuma dessas atletas foi prejudicada pelo ranking. Nosso projeto sempre se pautou pelo trabalho sério e sempre esteve aberto ao debate sobre esse e qualquer outro tema pertinente ao crescimento do voleibol brasileiro. Se, em algum momento, percebêssemos alguma atleta prejudicada, que nossa posição estaria afetando o mercado e o trabalho destas atletas, mudaríamos nosso critério. Seguimos acreditando e apostando numa Superliga equilibrada e forte como ela é. Sem nenhum prejudicado.”
Contra o ranking (posicionamento do São Paulo/Barueri feito pelo técnico José Roberto Guimarães em entrevista ao blog):
“O ranking foi feito há muitos anos, começou em 1992, quando foi colocado em prática para tentar equilibrar as forças do vôlei feminino. Até um determinado momento, isso aconteceu. Mas depois o ranking foi se desvirtuando. E aí nós tivemos um momento em que só duas equipes iam para a final. Se você faz uma coisa para equilibrar, o próprio ranking acabou desequilibrando. Durante 9 anos, Rio e Osasco acabaram indo para a final. Um desequilíbrio muito grande.
Algumas equipes acabaram levando vantagem durante muitos anos. O que era para ser equilibrado, acabou desequilibrando. Algumas jogadoras tiveram que sair do país.
Nós temos que ver o vôlei brasileiro como um todo. A gente não vai disputar de igual pra igual com os times de fora um Mundial de Clubes em função do ranking. Porque lá eles têm 3, 4, 5 estrangeiras nos seus elencos que podem jogar o Mundial e a Champions League. Esses times podem ganhar esses torneios. O Brasil, com o ranqueamento, não pode competir de igual pra igual.
Acho que a melhor coisa é acabar com o ranking e pronto. Já tenho falado isso há alguns anos, só tem atrapalhado o vôlei brasileiro. Acho que há anos que já está desta maneira, o desequilíbrio foi causado.
O que eu procuro, eu estou ouvindo as atletas há algum tempo já. A maioria, 90% delas, quer que acabe o ranking já faz tempo. De repente a gente tem que ver como vai ser um ano sem o ranking e depois voltar a discutir. A gente fica conjecturando com esse receio de deixar as coisas acontecerem. Vale a pena correr o risco de deixar a coisa acontecer e depois a gente ajustar. O ranking está aí há 28 anos. O masculino já encerrou, eles não cogitam voltar, porque deu certo. Vale a pena tentar.”
E agora?
Diante de tudo isso, é importante lembrar que a discussão do ranking é levantada todo ano, mas sempre em cima da hora e sem ouvir devidamente as principais afetadas por ele: as atletas. Muitos clubes votam sem consultar suas jogadoras sobre o que pensam a respeito de uma questão tão polêmica. Além disso, se falar em equilíbrio e competitividade, é importante lembrar que, de 2003 a 2017, a Superliga teve apenas dois campeões: Osasco e Rio de Janeiro. Foram nove finais consecutivas entre as duas equipes.
Se houve, porém, um período mais “equilibrado” no vôlei feminino brasileiro, é esse que estamos vivendo. Além de Rio e Osasco, entraram com bastante investimento nos últimos anos Praia Clube, Minas e Bauru, que fizeram frente aos dois nas últimas temporadas – os últimos campeões foram Praia e Minas.
De toda forma, o mais importante aí é dar voz às atletas, ouvir o que elas têm a dizer e levar isso em consideração para fazer a votação na quinta-feira de uma forma democrática e que leve em consideração todos os pontos levantados, favoráveis e contra o ranking.