* Relato de Bárbara Souza ao Dibradoras
Me chamo Bárbara Souza, moro em Atibaia, interior de São Paulo, mas pertinho da capital, cerca de 70 km de distância, e sou palmeirense de corpo, alma e coração. Como estamos no Outubro Rosa, mês dedicado à conscientização do câncer de mama, vim contar a minha historia com essa doença e como o futebol e o Palmeiras me salvaram.
Em 2019, descobri que estava com câncer de mama. O primeiro. Descobri logo depois do meu aniversário, eu tinha acabado de fazer 33 anos e foi um susto. Eu já tinha um nódulo na mama, que eu acompanhava com frequência, mas nunca tinha dado nada mais grave. Um dia, eu fui fazer um exame de rotina e, em questão de dois meses, o nódulo se transformou num câncer. Foi um susto absurdo!
E daí eu passei por todo o tratamento: fiz radioterapia, quimioterapia, fiquei careca, operei e lutei. E por mais que eu tenha passado por todo esse processo, que é realmente muito complicado, eu costumo dizer que, na verdade, o Palmeiras foi 50% do meu tratamento.
No dia que operei, eu estava sozinha no quarto do hospital, porque eu não podia ficar com acompanhante por conta da idade e ainda era no meio época de pandemia covid. Então, eu estava sozinha no hospital com muita dor e me sentindo pra baixo. Foi quando meu pai me ligou e falou: ‘Hoje tem Palmeiras, esqueceu?’
No mesmo minuto coloquei no jogo. Naquele momento parece que todas as minhas dores foram embora, minha tristeza, minhas angústias. Era Palmeiras x Avaí, eu lembro perfeitamente. Na hora que coloquei no jogo, me deu um estalo: percebi que era aquilo que iria me dar forças, trabalhar minha cabeça e me ocupar, já que tive que me afastar do trabalho e a minha rotina acabou mudando completamente. Bem, naquele dia vencemos e eu me senti mais feliz. O jogo acabou e fui ver os melhores momentos pelo celular para me distrair.
Durante todo o processo de tratamento, quando já estava em casa, me apeguei a isso. A quimio é muito violenta e, para não pensar no mal estar, eu passava o dia vendo reprises de jogos, entrevistas, podcast sobre o Palmeiras. Eu tenho um livro do Marcos (goleiro do Palmeiras de 1992 a 2012, que virou grande ídolo do clube). Eu amo esse livro, é o meu preferido e eu li ele de novo. Acredite, isso me fez melhor que o Dramin! Costumo dizer que o Palmeiras me salvou de uma depressão.
Passou o tempo, eu fui melhorando com o tratamento e fiquei bem em 2021. Só que em 2022 eu tive outra surpresa. Quando achei que finalmente estava curada, o câncer voltou. No mesmo lugar, embaixo da cicatriz da primeira cirurgia, porém um pouco mais agressivo. Todo mundo ficou de boca aberta, até meu médico. Ele disse que não esperava que acontecesse isso. Mas o meu médico, como um bom palmeirense que é, me falou: ‘Bárbara, você vai vencer de novo. Você tem muito jogo para assistir e muito título do Palmeiras para comemorar”. Respondi: “Verdade, vamos para cima novamente!’.
Uma nova cirurgia, tirei mais uma parte da mama. A cirurgia foi no dia da semifinal da Libertadores entre Palmeiras e Atlético Paranaense. Eu tive alta nesse dia e assisti ao jogo de casa. Meu pai e minha mãe imploravam: ‘Pelo amor de Deus, se controla na cama na hora de torcer’. O Palmeiras acabou perdendo aquele jogo por 1 a 0 e sendo desclassificado, já que empatou o primeiro por 2 a 2. Mesmo sem poder me mexer muito, eu torci e até exagerei um pouco. É difícil pedir para palmeirense ficar parada, né?
Depois, quando eu estava me preparando para a terceira cirurgia para retirar toda a mama, descobri que eu tive metástase nos ossos. O câncer tinha se espalhado para minha coluna e minha bacia de forma muito rápida. O médico pediu que eu parasse com as atividades físicas e redobrasse o cuidado com qualquer tipo de queda pelo risco de fratura. Isso me chateou muito, porque eu tive que parar de ir ao estádio. E as idas ao estádio me fizeram ter uma ligação muito forte com meu pai. Foi ele que me ensinou a ser palmeirense e íamos muito ao estádio juntos.
Mas não deixei me abater. Já que não podia ir ao estádio, voltei a assistir aos jogos em frente à TV, vi e revi tudo o que poderia sobre o time. Li o livro do Abel duas vezes e encontrei meu ponto de paz mais uma vez. O Mauro Betting até me fez uma surpresa! Escreveu um texto contando minha luta. Aquilo foi uma injeção de ânimo e de cura que eu nem consigo explicar. Minha noiva, Gabriela Pedroso, sabia disso. Foi ela quem procurou o comentarista de futebol para compartilhar minha história. A Gabriela brinca que ela não pode disputar com o Palmeiras. E nem deve!
O Palmeiras foi minha dose de cura. As derrotas e vitórias fazem parte. Hoje já estou voltando aos poucos às atividades físicas, as dores estão mais controladas com os medicamentos. Estou me sentindo viva! Nesses quatro anos, eu nunca deixei de manter a cabeça fria e o coração quente! Nunca. Por isso ainda estou aqui, lutando e vencendo, como o Palmeiras!’
Qual dica você daria para quem esteja vivendo uma experiência parecida com a sua?
Eu costumo dizer que essa doença é 90% cabeça. Eu me apego no Palmeiras. As pessoas têm que se apegar ao que elas amam: leitura, artesanato, seja o que for. Acho que se você acreditar que vai dar certo, que vai conseguir e vai sair dessa, você vai mesmo. É até uma filosofia que se aproxima muito à do futebol: tem que acreditar na vitória e ter garra sempre. É bola pra frente e ir pra cima do adversário. A minha dica é não desistir e trabalhar a cabeça acreditar que vai dar certo, se apegando naquilo que você ama.
Qual a importância da conscientização sobre o câncer de mama?
Eu nunca deixei de fazer os exames e ter descoberto o meu câncer rápido me ajudou demais no tratamento. Acho de extrema importância campanhas como aquela em que os jogadores do Palmeiras entraram em campo com as mulheres que venceram o câncer de mama ou a carreta de mamografia móvel na porta de estádios de São Paulo. Já que o futebol é uma paixão nacional, é importante aproveitar essa visibilidade para fazer as pessoas saberem ou lembrarem de fazer o exame preventivo. Essa visibilidade pode salvar vidas! Ela colabora para as pessoas realmente conhecerem o que é o câncer de mama.
Como a paixão pelo Palmeiras foi passada de pai para filha?
A maior ligação que eu tenho com meu pai mesmo é o Palmeiras. Eu tenho um irmão mais velho que nem é tão apegado a futebol. Ele torce, mas não é tão doente como eu. Meu pai é o único palmeirense da família dele, ele saiu a ovelha desgarrada e me passou essa paixão. Eu não me lembro ao certo quando me tornei tão palmeirense, porque foi muito cedo. Eu lembro muito bem que na época de escola todo mundo queria ir com a camiseta do time quando ele ganhava um jogo. E eu falava pro meu pai que eu queria também. Meu pai comprou um camisetão gigante para mim, porque não tinha camisa feminina de time de futebol na época – eu estou com 37 anos. E eu ia toda feliz. E essa é uma ligação que eu tenho com meu pai até hoje. A gente senta para assistir a jogo juntos, vai para o estádio juntos. Tanto que no dia que eu fiz a cirurgia, ele me ligou falando do jogo porque sabia que isso me animaria. E eu passei para minha filha Maria Eduarda, que tem 14 anos. Apesar de ela não ser vidrada em futebol, ela brinca que não pode nem pensar em torcer para outro time. E um dia eu quero ter netos palmeirenses!
Você, como uma palmeirense fanática, também acompanha a equipe feminina?
Eu adoro e acompanho! Infelizmente o Palmeiras perdeu essa final da Libertadores, mas o fato de a gente estar na segunda final seguida de Libertadores feminina e de o time estar crescendo já é uma vitória. A gente fica triste porque sempre quer a vitória, mas o próprio Corinthians tem um trabalho excepcional com o feminino e isso não se pode negar, né? Mas eu gosto realmente do futebol feminino. Acho que as meninas estão dando um show. Apesar de toda a discrepância que tem com o futebol masculino, elas estão indo pra cima mesmo e acho que todo mundo tem que apoiar. Se eu assisto ao masculino, por que que eu não vou torcer para o feminino? Eu queria era ter umas três Bias Zanerattos no time masculino também. Sou mega fã dela! Mas o preconceito com o futebol feminino tem que acabar. A gente tem que apoiar. Como a gente falou, o esporte salva vidas. Lá dentro do campo, são mulheres que estão inspirando outras meninas que poderiam estar fazendo tantas outras coisas, mas hoje querem ser uma Bia Zaneratto ou tantas outras, como a Tamires do Corinthians. Elas são inspiração mesmo para as meninas que antes não poderiam jogar futebol e, hoje, veem que podem jogar futebol sim.