CBDA leva só 1 mulher para treinos na Europa; nadadoras pedem oportunidades

Catorze homens e apenas uma mulher. Esta é a delegação da natação brasileira que foi convocada pela Confederação de Desportos Aquáticos (CBDA) para participar da Missão Europa – iniciativa criada pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) com o objetivo de levar atletas olímpicos do Brasil para treinar em Portugal durante certo período enquanto a pandemia restringe a abertura de espaços esportivos no país.

A ausência de mulheres na delegação brasileira fez com que a medalhista olímpica, Poliana Okimoto, se manifestasse em seu Instagram e escancarasse ainda mais uma desigualdade de gênero que impera na natação brasileira há anos.

“Não acho que faltam mulheres no nosso esporte, o que acho, é que falta um olhar mais atento para elas, projetos diferenciados, buscando esses talentos e apoiando o trabalho delas desde o inicio.” Este é um trecho de um texto que foi postado pela atleta. Ver essa foto no Instagram  

Hoje embarca para Portugal a Seleção Brasileira de natação. Foram convocados no total 15 atletas, sendo 14 homens e UMA mulher. . Fico me perguntando, tentando ver o que poderia estar de errado, já que temos grandes atletas, grandes técnicos e clubes incríveis no Brasil. Só sei q o que não vejo mesmo é incentivo. Incentivo para as mulheres praticarem a natação com grandes objetivos, incentivo a essas mulheres irem disputar mais torneios internacionais, treinar com as melhores do mundo, mais intercâmbios… pelo contrário, o que vejo cada dia mais é que as meninas desde novinhas percebem a dificuldade que é em estar e permanecer na Seleção Brasileira. Pela falta de apoio, por acharem que não estão fazendo diferença, por serem sempre renegadas, pela falta de fé no trabalho delas, por acharem que estão sempre “lutando” sozinhas. . Devemos vibrar com cada conquista nossa, nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000, havia apenas um mulher representando o Brasil (Fabiola Molina), em Atenas 2004 foram 8 (tivemos a final olímpica com Flavia Delaroli, e um resultado histórico com Joanna Maranhão igualando feito de Piedade Coutinho com a 5ª posição) de lá pra cá colocamos mais 30 atletas nos Jogos Olímpicos respectivos e ganhamos uma medalha no Rio2016. . Não acho que faltam mulheres no nosso esporte, o que acho, é que falta um olhar mais atento para elas, projetos diferenciados, buscando esses talentos e apoiando o trabalho delas desde o inicio. . Me perdoem o desabafo, mas não vejo nada sendo feito para elas, e tenho certeza que daqui a um ano, quando a convocação brasileira para os Jogos Olímpicos de Tokyo estiver fechada e a participação feminina estiver em número reduzido em relação a masculina, verei jornais e imprensa criticando as meninas. Enquanto os olhares não se voltarem para elas, entender que precisam apoia- las e incentiva- las desde a base, nada mudará. Minha contribuição como nadadora já deixei, agora fico aqui na torcida por cada uma delas e esperando que algum projeto seja realmente colocado em prática. . Boa sorte meninas!!!

Uma publicação compartilhada por Poliana Okimoto (@polianaokimoto) em 17 de Jul, 2020 às 4:35 PDT

+ Missão Portugal é prova que Brasil falhou em criar legado da Rio-2016

A CBDA explicou que foram utilizados como critérios de convocação para a Missão Europa todos os atletas que obtiveram na temporada de 2019 tempos dentro da marca “A” estabelecida pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Duas nadadoras se enquadraram neste critério, Etiene Medeiros e Viviane Jungblut, porém, Etiene optou por recusar o training camp em Portugal por fazer parte do grupo de risco da Covid-19 (é asmática) e seguir treinando no Brasil. Classificada para a Olimpíada na maratona aquática, Ana Marcela Cunha também está incluída na viagem.

Histórico desigual

Os Jogos Olímpicos da Era Moderna aconteceram, pela primeira vez, em 1896. Mas foi apenas anos depois que a primeira mulher pode competir. Foi justamente uma nadadora que se tornou a 1ª mulher brasileira a participar de uma edição olímpica: Maria Lenk.

Em 1936, foi a vez da nadadora Piedade Coutinho entrar para a seleta lista de mulheres olímpicas. Ela participou dos Jogos de Berlim aos 16 anos, chegando em 5º lugar na prova dos 400m livre, batendo o recorde sul-americano, resultado que só foi igualado 68 anos depois, por Joanna Maranhão, em 2004.

Em sua postagem, Poliana também resgatou um histórico recente das mulheres na natação. “Devemos vibrar com cada conquista nossa. Nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000, havia apenas um mulher representando o Brasil (Fabiola Molina), em Atenas 2004 foram 8 (tivemos a final olímpica com Flavia Delaroli, e um resultado histórico com Joanna Maranhão) e de lá pra cá colocamos mais 30 atletas nos Jogos Olímpicos respectivos e ganhamos uma medalha no Rio2016.” A medalha conquistada nos Jogos do Rio de Janeiro foi justamente de Poliana, que levou o bronze na maratona aquática.

Poliana Okimoto foi bronze na Rio-2016 (Foto: Marcelo Pereira/Exemplus/COB)

Em Mundiais, apenas Etiene Medeiros, Ana Marcela Cunha e a própria Poliana se tornaram campeãs. Mas será que essas mulheres têm condições de treinamentos e apoios semelhantes aos dos homens para evoluir nas piscinas? De acordo com depoimentos das atletas, parece que não.

“Entrei na seleção em 2002 e já era assim. Quem veio antes de mim pegou situação ainda pior. Por isso a gente tem que olhar pra trás, pra Maria Lenk, Piedade Coutinho, Patrícia Amorim, Nayara Ribeiro, entre tantas outras pra agradecer e enaltecer.  Vocês tem potencial (e muita natação) pra isso. Vão ouvir muita merda, vão ouvir discurso meritocrático, vão ouvir que estão histéricas: sigam mesmo assim, as coisas mudam com vocês unidas. Do lado de cá, estamos sempre à disposição”, escreveu a ex-nadadora Joanna Maranhão na postagem feita por Poliana.

Patrícia Amorim, ex-nadadora que quebrou a ausência feminina de 16 anos do Brasil nos Jogos Olímpicos se classificando para a edição de 1988, em Seul, também demonstrou que o apoio às mulheres na natação sempre foi falho. “Até 1984 não havia critério e nem índice a ser alcançado. Muito por minha audácia em questionar, apesar das intimidações, em 1988 tivemos índices estipulados e os alcancei nos 200 e 800m. Acredito que essa foi minha maior contribuição à natação”, comentou.

Foto: CBDA

Em contato com a CBDA o blog falou com o diretor executivo da CBDA, Renato Cordani, sobre o cenário da natação feminina no Brasil. Em resposta, ele afirmou que as estruturas oferecidas para homens e mulheres na Confederação são as mesmas, mas a Missão Portugal oportunizou apenas atletas que garantem bons resultados.

“A estrutura é igual pra homem e mulher. Se você está começando na natação, tem as mesmas condições de prosperar, sendo homem e mulher. Agora quando chega no nível Mundial e Olímpico, o critério deixa de ser inclusivo e passa a ser focado nos melhores. Então, nessa Missão de Portugal, o COB queria que fossem os atletas com maior chance de medalha e de chegar em finais na Olimpíada. Então, a maioria deles são homens”, afirmou.

Ainda de acordo com Renato como há maior interesse dos homens nos esportes aquáticos e, por isso, os resultados masculinos são melhores. “Muitas coisas podem e devem ser feitas na base pra tentar mudar essa cultura machista. Hoje, por exemplo, 65% dos nadadores são homens. Então, como o nível olímpico depende daquele talento excepcional, e o fato de você ter mais homens nadando, são 2 homens pra cada mulher, é muito mais provável que surjam mais talentos no masculino do que no feminino. É o que acontece hoje em dia. Não quer dizer que as meninas sejam piores, mas sim porque a base dos meninos é muito maior. Por que tem muito mais meninos na água? Esse é um problema cultural do país e a gente pode e deve atuar pra acabar com isso”, concluiu.

As mulheres precisam de oportunidades

Em entrevista às dibradoras, a ex-nadadora Joanna Maranhão opinou sobre como o cenário de desigualdade pode mudar na prática. “A gente pode pensar em ações afirmativas, como por exemplo cotas. Esse programa tem que ser contínuo e ele tem ônus e bônus. O ônus é que a CBDA é uma Confederação completamente quebrada financeiramente por conta da antiga gestão e dificilmente você vai achar uma empresa que queira se aliar à Confederação. Mas acho que com as cotas você garante que nas competições tenha um percentual de mulheres. Por exemplo: 80% convocação por índice técnico (para homens e mulheres) e 20% para mulheres de até 23 anos de idade para contemplar a próxima geração, já pensando em Paris 2024”, afirmou.

Etiene Medeiros, campeã mundial em Doha (Foto: Satiro Sodré / SSpress)

Além de cotas, Joanna sugere que haja representatividade na Confederação, contando com prestação de serviços na gestão feitas por mulheres, criação de projetos através de Leis de Incentivo e conversas propositivas em torno da desigualdade de gênero na modalidade entre dirigentes de clubes, COB e CBDA.

E por falar em diálogo, Etiene Medeiros declarou em live promovida pelas dibradoras que nunca teve a oportunidade de opinar sobre a natação feminina com dirigentes. “É legal postar uma foto com 14 homens? Não adianta a gente olhar as modalidades masculina e feminina com o mesmo olhar. Tem que tratar com um projeto, dar voz. Eu nunca fui chamada pra ser ouvida na Confederação sobre o que eu acho disso ou daquilo. Nunca! E não é dessa gestão, é da outra também. Essa aproximação tem que ter. Pegar no papel e planejar. Por mais que digam que é falta de dinheiro, não é só isso. Os critérios não são iguais”, afirmou a campeã mundial. Ver essa foto no Instagram  

QUE MULHER, SENHORAS E SENHORES! Ela é campeã mundial, ela tá no Guinness Book, e ela é a dona dos nossos corações! @etimedeiros falou com a gente sobre o início da carreira, a trajetória vitoriosa e até contou um bastidor dos Jogos Pan-Americanos de Toronto – os camarões canadenses mandaram um abraço Falamos também sobre o baque do adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio, e Etiene reconheceu que não está sendo fácil viver tudo isso. “Nós somos atletas, mas somos humanos também. A gente sente tudo isso. Os Jogos de Tóquio, se acontecerem, com certeza terão um nível técnico bem abaixo”, disse. E conversamos também sobre as diferenças de investimento e incentivo entre natação feminina e masculina, partindo da notícia da viagem da CBDA para treinos na Europa com apenas uma nadadora – e outros 14 nadadores. “A natação feminina precisa de oportunidades. Vai ficar só na Etiene até quando? Quero que existam muitas Etienes”, reforçou a nadadora. Uma campeã engajada como essas, bicho…

Uma publicação compartilhada por Dibradoras (@dibradoras) em 22 de Jul, 2020 às 2:49 PDT

Questionado pela reportagem, Renato Cordani da CBDA também falou sobre a ausência de mulheres na gestão da CBDA. “Os cargos são ocupados majoritariamente por homens e isso até dá o que pensar. Será que as mulheres têm sido alijadas dessa posição ou elas não têm se apresentado? Esses cargos de direção são voluntários, a gente tá doando nosso tempo em prol do esporte aquático, então não é que seja um cargo muito cobiçado. Como é um cargo voluntário, as pessoas não estão disputando a faca e por isso dá o que pensar. Não sei se as mulheres não estão se candidatando, não estão levantando a mão pra ajudar a gente nisso, e não estou querendo ser definitivo aqui. Vou até prestar mais atenção pra ver se a gente pode mudar esse quadro.”

A desigualdade existe. Como melhorar?

Depois da declaração pública de Poliana, o diretor executivo da CBDA, Renato Cordani, e o diretor de Natação da CBDA, Eduardo Fischer, fizeram, na segunda-feira (dia 20), uma reunião com as nadadoras Giovanna Diamante (representante da Comissão Nacional de Atletas), Nathalia Almeida e Pamela Alencar.

Membros da diretoria da CBDA e do COB se reuniram virtualmente nesta quarta-feira com representantes das Comissões de Atletas das duas entidades para falar sobre o desenvolvimento da natação feminina do Brasil. pic.twitter.com/h905Dh0d3o — CBDA (de ) (@CBDAoficial) July 22, 2020

Na última quarta-feira (22), uma nova reunião virtual foi feita entre os membros da CBDA e do COB – com a participação também de Poliana Okimoto. No Twitter, a CBDA informou que “todas as entidades se mostraram sensíveis ao problema e dispostas a encontrar soluções para maior representatividade das mulheres na natação, atletas olímpicas, mas também na base e categorias intermediárias, médicas, dirigentes e etc.”

Etiene reforçou que a ausência de mulheres na natação também acontece fora das piscinas e, para a nadadora pernambucana, o planejamento olímpico precisa ser levado a sério visando um futuro mais justo para as mulheres e com novos nomes surgindo nas piscinas.

“A gente sabe que um planejamento para estar nos Jogos Olímpicos tem que ser de 8, 10, 15 anos. E a natação feminina precisa de oportunidades. É só Etiene, Etiene, Etiene, e aí? A gente vai ficar sempre sonhando com a outra Etiene? Por que não 10, 15, 20 Etienes? E isso não é deixar de valorizar os outros meninos que tem índice olímpico e capacidade. Olimpíada significa inclusão e não exclusão.”

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