Um novo rosto feminino será visto a partir desta segunda-feira nas transmissões de jogos do Sportv e do Premiere. Rafaelle Seraphim já trabalha no Grupo Globo desde 2008, na área de edição, mas há algum tempo demonstrava vontade de passar para a frente das telas, atuando como comentarista.
Esse dia chegou, e na partida entre Palmeiras e Grêmio, pelo Brasileiro feminino às 15h, ela fará sua estreia comentando jogos no canal fechado.
Para além de ser mais uma voz feminina em partidas de futebol na TV, Rafaelle carrega consigo a representatividade de ser uma mulher preta ocupando esse espaço. Ainda é raro ver rostos negros diante do vídeo – a não ser em dias que o assunto a ser comentado é um caso de racismo. Mas é preciso tornar a diversidade algo natural nos canais esportivos, nas grandes coberturas e no dia a dia das mesas de debate. Por isso, a presença de Rafaelle ali torna-se ainda mais importante.
A primeira participação dela no Sportv veio em 2019 como comentarista da bancada do Redação Sportv, programa em que ela fazia parte da equipe de edição por trás das câmeras antes.
“O primeiro dia que participei do Redação eu tinha noção do que isso poderia causar. Porque por mais que mulheres estivessem ocupando esse espaço, ainda não tinha mulher negra pra comentar na bancada, eu sabia que isso poderia ter impacto. Como mulher negra eu tenho uma responsabilidade muito grande. De tentar manter ali uma representatividade”, disse à época às Dibradoras.
“Se uma garota negra tiver esperança de que ela vai chegar lá porque ela me viu ali, se ela conseguir se reconhecer ali, já me deixa muito feliz. Quero que garotas pretas olhem pra mim e entendam que elas podem ser as próximas.”
Quatro anos depois, ela fará parte agora de uma nova jornada dentro do canal. Rafaelle é uma mulher negra no quadro fixo de comentaristas do Grupo Globo – e essa representatividade importa muito!
Paixão pelo futebol
Rafaelle cresceu em Cavalcante, subúrbio da zona Norte do Rio de Janeiro, e teve em casa uma das maiores referências para gostar de futebol. A mãe é torcedora fanática e frequentadora de arquibancada, a avó também. A família toda é apaixonada por bola, e assim ela cresceu jogando e torcendo (só não seguiu a paixão pelo mesmo clube da família).
“Eu não consigo me lembrar de um momento em que o futebol não esteve na minha vida. Eu sempre vivi muito nesse ambiente, jogo bola desde nova, no colégio e no time do bairro”, contou.
Ligar a TV e ver mulheres comentando futebol em rede nacional é raro, mas até acontece. Agora ligar a TV e ver uma mulher negra como comentarista na bancada era simplesmente impossível. Hoje, as coisas começam a mudar. Na Band, Jordana Araújo tem sido um rosto frequente falando de futebol. Na Globo, a lendária jogadora Formiga comentou a Copa do Mundo do Catar e jogos da seleção feminina.
Há ainda Karine Alves como apresentadora, Debora Gares como repórter também no Grupo Globo, além de Duda Gonçalves que ganhou um concurso de narradora na ESPN e hoje é repórter do canal, entre outras mulheres pretas que começam a ocupar o espaço diante das câmeras. Aos poucos, o cenário vai sendo transformado pela luta do movimento negro.
Foto: Arquivo Pessoal
Quando chegou ao Ensino Médio, Rafaelle fez um curso profissionalizante em audiovisual e aos 18 anos passou a estagiar na Globosat. O trabalho não tinha a ver com esporte na época, mas ela já alimentava o sonho de ser jornalista. Na faculdade, teve a certeza do que queria: ser comentarista de futebol. Mas naquela época, ninguém entendia direito o que ela queria dizer com isso.
“Eu nunca tive referência para querer isso. As pessoas achavam que eu estava falando de ser repórter. E eu falava: não, não é isso, eu quero ser comentarista. As pessoas olhavam com cara de ‘tadinha, não existe essa possibilidade’. Ninguém levava a sério. As pessoas falavam: ‘ah, apresentadora?’. E eu: ‘não, eu quero ser a pessoa da bancada, comentando o que acontece no futebol’. As pessoas pareciam não entender o que eu queria dizer. Mas eu acreditava muito que isso era possível. Eu falava: cara, as coisas podem mudar. Sempre acreditei muito”, afirmou ainda em 2019. Agora, chegou a hora de realizar esse sonho.
Depois de ter trilhado esse caminho primeiro comentando jogos pela CBF TV e fazendo participações no programa “Comenta quem sabe”, da Fox em 2018, Rafaelle teve a chance de fazer participações no Redação Sportv e aí foi que veio o convite para fazer pilotos como comentarista.
E em 2023, a oportunidade para ser parte do quadro fixo nas transmissões de jogos do Grupo Globo chegou.
“Não é ter mulher por ter mulher, ou ter negro pra ter negro. É encontrar as pessoas competentes pra isso. A gente quer ocupar o espaço onde a gente tem competência. Tem muita mulher e tem muito negro que merece estar ali”, Rafaelle nos disse há quatro anos.
E ela já merece estar nesse lugar há bastante tempo. Que seja só o começo!