A seleção brasileira feminina enfrenta seu maior desafio desde Tóquio-2020. O Torneio da França traz dois dos três confrontos contra equipes top 5 do mundo – a Holanda, que é quinta, e a própria França, que é a quarta. E quando a gente olha para o time escalado pela técnica Pia Sundhage na primeira partida, um dado é interessante de ser observado.
Foi a escalação mais “renovada” da seleção no período pos-olímpico. No empate por 1 a 1 contra a Holanda, somente três jogadoras titulares estiveram em Tóquio. Nos oito confrontos que a seleção teve até aqui, sempre havia pelo menos 4 jogadoras remanescentes da Olimpíada entre as titulares – o mais comum foi ter 6 ou 7 (casos dos jogos contra Argentina, Austrália e Chile).
O setor que mais tem variado nesses jogos com Pia Sundhage desde agosto de 2021 é a linha defensiva. Nesses oito jogos, o Brasil nunca repetiu as mesmas quatro jogadoras na defesa. Foram 12 atletas testadas no total em 8 partidas – das quais só duas estiveram em Tóquio, Tamires e Érika.
Reflexo na defesa
Esses números refletem uma mudança de característica do time de Pia Sundhage nessa nova fase da seleção. Se antes da Olimpíada, uma das principais marcas do time era não tomar gols (chegou a Tóquio sem ter sido vazado em quase 70% dos jogos que fez), agora o cenário é diferente. Dos oito jogos feitos a partir de agosto de 2021, o Brasil só não tomou gol em um deles (contra o Chile, no Torneio de Manaus).
Se a gente pegar os gols sofridos, muitos foram falhas de uma defesa jovem que está em formação. Erros de saída de bola geraram 2 gols (contra Argentina e Venezuela), erros de cobertura defensiva pelos lados geraram 3 gols (contra Argentina, Índia, Holanda). E o Brasil sofreu com bolas paradas contra a Austrália, outro que era um ponto forte do time de Pia antes da Olimpíada.
Mas vale dizer também que, antes de Tóquio, o Brasil tinha uma linha defensiva bem definida e muito bem treinada – só a lateral direita variava. Érika, Rafaelle e Tamires, três veteranas da seleção (duas delas inclusive muito entrosadas por jogarem juntas no Corinthians) estavam sempre entre as titulares.
Atualmente, a lateral direita, que era um problema até os Jogos Olímpicos, ganhou ótimas soluções, principalmente com Antônia e Bruninha. A zaga, porém, sofreu com as ausências de Rafa (ela jogava na China e, com os protocolos de covid, não pôde estar presente nos amistosos do segundo semestre em 2021), e agora com a ausência de Érika, zagueira veterana que sofreu lesão de ligamento e ficará fora por nove meses.
Tainara, que teve boa atuação incomodando bastante uma das melhores atacantes do mundo (Miedema) e ganhando a maior parte dos duelos contra ela no jogo diante da Holanda, tem apenas 22 anos e partiu agora para sua primeira experiência no futebol europeu (no Bordeaux). Jogadora de ótimo potencial que tem mostrado à Pia sua qualidade. Ainda assim, uma jogadora jovem.
Mais jovem ainda é Lauren Leal, que atuou em 3 jogos com Pia. Aos 19 anos, ela era titular do São Paulo e também foi agora para o futebol europeu, jogar no Madrid CFF. Potencial imenso que ainda precisa ser desenvolvido na seleção principal.
Thaís Regina, que talvez ganhe chance nos próximos jogos, está na sua primeira convocação e tem 22 anos também. Jovem promissora, líder dentro de campo na zaga do São Paulo, onde é titular desde 2019.
Se falarmos da lateral esquerda, Katrine que já foi testada algumas vezes tem 23 anos. Fê Palermo, titular contra a Holanda, tem 25, e Yasmim, que merecia mais testes, tem a mesma idade. Pela direita, Bruninha tem 19 anos, enquanto Antônia é um pouco mais experiente, tem 27.
Renovação em curso
São exemplos de como a seleção feminina está mesmo passando por uma renovação. Talvez a maior renovação de sua história, porque nunca houve tantas mudanças nos “pilares” do time, com a saída de jogadoras que estavam há muito tempo pavimentando o caminho do Brasil no futebol feminino – casos de Cristiane e Formiga, por exemplo.
Das gerações anteriores, restaram nesta última convocação entre as jogadoras que estão no Torneio da França quatro “veteranas”: Rafaelle, Tamires, Marta e Debinha.
Não é fácil conseguir encaixar um time com tantas mudanças, com tanta juventude. É um processo, que talvez seja mais lento do que gostaríamos para dar resultado. Mas é necessário.
A seleção de Pia vive um momento bem distinto do que vivia quando ela chegou, em agosto de 2019. Na época, havia uma competição importante pela frente, os Jogos Olímpicos aconteceriam em um ano e era preciso “achar” um time até lá. Preparar a melhor equipe possível para competir com algumas das melhores seleções do mundo. Pia fez isso, com alguns erros e muitos acertos. O time passou a ser muito mais organizado, evoluiu muito sem a bola, nos movimentos de defesa e de ataque. A compactação ficou evidente, um dos pontos fortes do trabalho da sueca e que ela sempre reforça a importância de ainda melhorar.
No período pós-olímpico, o objetivo é outro. Primeiro, renovar a seleção, encontrar novos nomes, novas lideranças, um time para dar continuidade ao que Marta, Cristiane, Formiga e tantas outras construíram. Depois, chegar para a Copa de 2023 pronto para brigar por mais com as melhores seleções do mundo.
A Copa América é um capítulo importante nessa jornada, é ela que da a classificação para o Mundial. Mas, convenhamos, o nível da seleção brasileira está muuuito acima de suas rivais da América do Sul. Com mais vagas disponíveis na competição, diria que é praticamente impossível para o Brasil ficar fora da Copa. Então o foco não tem que ser ter um time pronto para a Copa América – mas sim para 2023, no Mundial da Austrália.
O processo é doloroso até lá. Vai ter mais erros do que acertos nos jogos, porque é um time jovem em formação. Mas da pra ver que um trabalho está sendo feito. As jogadoras mais novas têm evoluído e as mais velhas estão prontas para dar o suporte que elas precisam.
Se o Brasil foi sempre vazado nas partidas depois de Tóquio, podemos reforçar também que nunca saiu de campo sem ter marcado pelo menos um gol nesses 8 jogos.
O que estava faltando (e a gente espera que não falte mais) eram jogos contra as principais seleções do mundo. Começamos o ano bem nesse aspecto. O próximo desafio, contra a França, será o maior até agora (contra uma seleção que nunca vencemos). Mas o resultado agora vai ser só um detalhe. O importante serão as respostas que essa partida trará para seguir a renovação em curso. E em 2023, aí sim um eventual Brasil x França poderá ter outro resultado.